A 9.ª edição do Rock in Rio Lisboa estava originalmente agendada para 2020. A pandemia do novo coronavírus obrigou a um primeiro adiamento, para 2021, e depois a um segundo, para 2022. As datas quase não sofreram alteração, mas houve outras mudanças desde o anúncio original há mais de dois anos: em abril, a organização anunciou que os Muse iam substituir os Foo Fighters como cabeças de cartaz do primeiro dia do evento musical. A alteração deveu-se ao cancelamento da digressão da banda de Dave Grohl, na sequência da morte do baterista, Taylor Hawkins, no final de março. Os Foo Fighters nunca tinham atuado na Bela Vista. O mesmo não se pode dizer dos Muse, que marcaram presença na última edição do festival, em 2018, também como cabeças de cartaz do dia dedicado ao rock, e em muitas outras edições do evento musical.
Em 2018, os ingleses não apresentaram nada de novo. A banda não lançava um álbum desde 2015. No final desse ano, saiu Simulation Theory, e um novo disco, Will of the People, está previsto para agosto deste ano. Com um novo conjunto de músicas, seria de esperar que o concerto deste sábado na Bela Vista fosse bem mais refrescante do que a da 8.ª edição do festival. Felizmente, foi exatamente isso que aconteceu — com uma imagem renovada e um alinhamento novo e mais pesado, a atuação do grupo não foi para os fracos de coração (ou para os fotossensíveis). Os Muse estão chateados com o mundo — e fica-lhes bem.
Os Muse são especialistas em criar tensão e antecipação e, como tal, chegaram quase dez minutos atrasados ao Palco Mundo, mas não perderam tempo — vestidos de preto e com máscaras, começaram com força, com “Will of the People”, tema do novo álbum homónimo. A banda ia lançada (e o público também) quando, de repente, a música extingiu-se. “Olá, Lisboa. Como estão?” Curto em palavras, o vocalista Matthew Bellamy pouco mais disse durante o resto do concerto (nenhuma novidade aqui). Não que precisasse — a guitarra falou por ele, furiosa, distorcendo melodias e agitando a Bela Vista, que tinha entrado num suave embalo com os The National, que tinham atuado antes. Lembrando o material de que os Muse são feitos, a banda voltou atrás no tempo para o primeiro grande hit da noite: “Hysteria”. Com energia inesgotável, Bellamy correu, saltou e fez dançar a guitarra, como é seu costume. Depois de uma demonstração de perícia musical, a banda revisitou Drones (2015), com “Psycho”.
“Pressure”, de Simulation Theory (2018), veio a seguir, depois de uma “Won’t Stand Down” em chamas (literalmente) e antes de “Gallery”. “Compliance”, mais um tema duro e político de Will of the People, que terminou com uma chuva de fitas coloridas, que, à semelhança do que aconteceu em 2018, voltaram a ficar presas no slide em frente ao palco (para grande surpresa do vocalista, que, sem se lembrar do que tinha acontecido quatro anos antes, exclamou “olhem para aquilo!”). A chuva, prevista para o final da noite, não perdoou e, no fim do tema, começou a cair. Algumas pessoas começaram a afastar-se, mas a grande maioria manteve-se fiel, em frente ao palco. Afinal, ainda faltava ouvir “Supermassive Black Hole” e “Starlight”, que, como habitualmente, ficaram para a reta final da atuação, fechando com chave de ouro um concerto e um dia recheado de bons concertos, que encheram as medidas de todos — fãs e não fãs.
Foi um bom começo para o Rock in Rio.
Os Xutos & Pontapés já têm lugar marcado — e não o vão perder
Eram cinco da tarde quando os Xutos & Pontapés subiram ao palco principal do Rock in Rio Lisboa. A zona do recinto junto ao Palco Mundo estava apenas meio cheia, com muita gente espalhada por outros pontos da Cidade do Rock. Quando os Xutos tocaram os últimos acordes, a multidão chegava à outra ponta do Parque da Bela Vista. “Se olharem para trás, verão que são cada vez mais!”, disse Tim, perto do final da atuação. A multiplicação de espectadores não foi um milagre. Com mais de 40 anos de carreira, os Xutos & Pontapés permanecem uma das bandas portuguesas mais acarinhadas pelo público. E isso nota-se na forma como são recebidos de braços abertos por onde quer que passem. Felizmente para aqueles que se juntaram em torno do Palco Mundo, a banda deu este sábado provavelmente um dos seus melhores concertos no Rock in Rio, mostrando estar em grande forma e que o tempo passa de maneira diferente por quem corre por gosto.
Os Xutos arrancaram o concerto com “Fim de Semana”, seguindo para dois temas mais antigos: “Não Sou Jesus”, de Dados Viciados (1997), e “Voo das Águias”, de Cerco (1985), o segundo álbum de originais. Antes de “Negras Como a Noite”, Tim explicou que a música do álbum Dados Viciados “tem a ver com as saudades de estarmos todos juntos”. No final do tema, o vocalista pegou no refrão, “vai ficar tudo bem”, para falar sobre a guerra na Ucrânia. “Ainda falta um bocado até ficar tudo bem. Vamos ter esperança que isto fique mais direitinho e se poupe a destruição e a perda de vidas. Sempre houve guerra, mas temos de acabar com isto”, disse o vocalista e fundador dos Xutos & Pontapés antes de sair do palco para o deixar livre para o solo de João Cabeleira, que serviu de introdução a “Inferno II”.
Em “Perfeito Vazio”, Tim tocou o baixo pela guitarra acústica, que usou para tocar os primeiros acordes de “Homem do Leme”. O tema, um dos mais aguardados (“até que enfim!”, deixou escapar uma fã), ganhou uma nova roupagem e foi cantado em uníssono pelo público do Rock in Rio. Seguiu-se “Círculo de Feras”, com o vocalista já de volta ao baixo, “Ai Se Ele Cai” e, para terminar, “Para Ti Maria”. O público pediu tanto que, já depois do adeus final, os Xutos voltaram ao palco para “ mais uma”. Assim que se ouviram os primeiros acordes de “A Minha Casinha”, os fãs afinaram a voz e acompanharam Tim do início ao fim da música. Havia vontade para mais, mas os Xutos tinham mesmo de deixar o palco. A seguir, vinha Liam Gallagher.
Liam Gallagher: nada de coisas estranhas, “apenas rock ‘n’ roll”
A multidão que se tinha reunido junto ao Palco Mundo manteve-se no mesmo lugar para o nome mais aguardado da tarde: Liam Gallagher, um dos estreantes do cartaz deste ano do Rock in Rio Lisboa. Igual a si próprio, Gallagher subiu ao palco com ar de poucos amigos, depois de ter sido apresentado um curto vídeo a preto e branco com excertos de atuações a solo e com a banda que liderou durante 18 anos com o irmão Noel (com o qual, diz-se por aí, já não fala) e palavras como “legend” (“lenda”; nunca ninguém disse que o vocalista não se tem em grande conta). “Yeah, Lisboa. Estás um bocadinho longe, não estás?” Estava, mas o público não se importou, sobretudo quando o que o que ecoava pelo Parque da Bela Vista eram músicas dos Oasis. E foi precisamente por aí que Gallagher começou, com “Hello” e “Rock ‘n’ Star”, atirando-se depois a temas dos seus três álbuns a solo, As You Were (2017), Why me? Why not? (2019) e C’mon You Know (2022).
O alinhamento, semelhante ao apresentado no dia anterior em Santiago de Compostela, Espanha, foi composto por canções dos dois projetos do músico ainda por “Soul Love”, dos extintos Beady Eye, outra banda de Gallagher, formada em 2009, quando os Oasis se separaram. “Nada de merdas estranhas, apenas rock ‘n’ roll”, anunciou o vocalista, como que resumindo o que seria a atuação, rápida e com poucas pausas (apenas para algumas asneiras e recriminações). Acompanhado em palco por seis músicos (três guitarristas, um baixista, um baterista e um teclista) e um coro com três cantoras, Gallagher deu uma nova vida a músicas antigas e novas, que renasceram na Bela Vista mais vivas e preenchidas, provando que o bom pop-rock nunca passa de moda. “Better Days”, do novíssimo C’mon You Know (saiu em maio), foi dedicado a todos os fãs do Manchester City, onde jogam os portugueses Bernardo Dias e Rubem Silva, que o músico disse “adorar”.
A atuação diminuiu de ritmo com “Once”, de Why Me? Why Not?, como que a preparar o terreno para o que vinha a seguir: a música mais esperada do concerto, “Wonderwall”. O maior êxito dos Oasis foi cantado em uníssono pela Besta Vista, que fez Gallagher voltar do backstage para mais um tema, também do duo inglês: “Champagne Supernova”. “There are many things that I would like to say to you, but I don’t speak Portuguese.” Mas o público pareceu compreender.
Depois do rock sem desculpas, o abraço quente dos The National
O Rock in Rio parece ser o oposto de uma banda como os The National. É demasiado grande e impessoal para um grupo conhecido pela música quente e emotiva. Mas o grupo de indie rock consegue transformar qualquer lugar num espaço intimista — e o concerto deste sábado foi prova disso. O espetáculo de mais de uma hora foi como um abraço, grande e apertado, que chegou a todos e a cada um dos fãs no recinto. Isso deveu-se ao ambiente especial que os músicos conseguem e conseguiram criar, mas também, e sobretudo, graças à emoção que o vocalista Matt Berninger colocou em cada palavra, em cada passo. Não que isso seja novidade — Berninger é sempre assim: frágil, expressivo, comunicativo, procurando sempre chegar perto, mesmo estando longe, a vários metros de distância. “Isto é lindo”, comentou, a certa altura, falando sobre a forma como o público respondia aos temas do alinhamento. “E os anjos a voar… Assusta-me!”, acrescentou, referindo-se às pessoas que iam passando no slide em frente ao Palco Mundo.
Os The National começaram o concerto deste sábado com “Don’t Swallow the Cap”, “Mistaken By Strangers” e “Bloodbuzz Ohio”, os primeiros temas de um alinhamento que percorreu os vários álbuns da banda nascida em 1999. “Também senti muito a vossa falta!”, disse Berninger, em resposta aos apelos dos fãs. A banda tinha atuado pela última vez em solo nacional no final de 2019 — demasiado tempo para um grupo que desde 2016 passava por Portugal quase anualmente. Depois de “Day I Die” e “Tropic Morning News (Haversham)”, seguiu-se um momento mais emotivo com “Light Years”. Os telemóveis ligaram-se para receber o tema, um mais conhecidos dos norte-americanos. Depois veio “Pink Rabbits” e “England”, com uma nova aproximação de Berninger junto do público. O concerto terminou com “Graceless”, “Fake Empire”, “Mr. November”, “Terrible Love” e a certeza de que os The National hão-de voltar a Portugal muito em breve para matar de vez todas as saudades.