“Vou ter esse teste de álgebra. Tive um durante as qualificações internas, tive outro durante o estágio e não sou bom a matemática… É complicado estar a estudar e fazer isto ao mesmo tempo”. Caeleb Dressel tinha acabado de tornar-se o primeiro nadador de sempre a ganhar três medalhas de ouro numa só noite de Mundial mas já pensava no exame que estava à sua espera após terminar a competição em Budapeste. Mas calma, antes havia mais história. E foi na véspera dessa mesma prova que ganhou a sua outra “prova”, quando venceu a final dos 4x100m estilos e igualou as sete vitórias numa só edição de Michael Phelps.
Cinco anos depois, o norte-americano voltava à cidade húngara para fazer mais um pouco de história. Não foi um caminho fácil, o Mundial chegou mesmo a estar em risco, mas regressou mesmo. E para se perceber o que se passou esta terça-feira convém regressar aos tempos ainda antes dessa prova de 2017.
Quando tinha apenas 17 anos, Dressel cruzou-se com a posição que tinha ficado aberto desde aquela última prova de Michael Phelps nas piscinas de Londres quando já tinha batido o recorde de medalhas de ouro em Jogos Olímpicos que pertencia a Larisa Latynina. A partir dali, ganhar era mais do que ganhar – era ser a próxima Bala de Baltimore. E foi nesse caminho de mérito desportivo que o nadador se acabou por cruzar com o principal adversário que tem enfrentado ao longo da carreira, a pressão, num episódio que ainda hoje recorda por ter sido um dos mais marcantes nos oito anos que se seguiriam de provas internacionais.
Depois de se ter tornado o primeiro adolescente a nadar as 50 jardas livres abaixo dos 19 segundos num Campeonato Nacional de Juniores, o norte-americano virou estrela do evento, passou a ter os holofotes virados para si mas tornou-se campeão sem conseguir mais uma vez baixar o registo alcançado na prova anterior de qualificação. “Quando acabei senti um oohhh de deceção das pessoas. Pensei: ‘Ganhei, fiz 19 segundos certos, está muito bem’. Mas foi a primeira vez em que notei verdadeiramente o que é pressão, que na altura até parecia divertido”, contou no programa “In Depht”, agora citado pelo El Mundo.
Caeleb Dressel confirmou, sobretudo a partir de Budapeste em 2017, todos os créditos que ganhou nessas provas nacionais ainda de juniores – sendo que no Rio-2016 ganhara duas finais de estafetas. Aí foram sete medalhas de ouro, no ano seguinte passaram a nove nos Mundiais de Piscina Curta de Hangzhou em 2018 (seis de ouro, três de prata), depois chegaram às oito nos Mundiais de Piscina Longa de Gwangju em 2019 (seis de ouro, duas de prata e nas estafetas), por fim vieram cinco ouros nos Jogos de Tóquio-2020. Mas, afinal, aquela tal pressão era tudo menos divertida apesar de todas as vitórias que foi somando.
“A pressão chegou a um nível máximo. Depois dos Jogos Olímpicos já não interessava só aquilo que fazia nas piscinas mas também tudo o que fazia e acontecia fora das piscinas, a minha vida. Faziam-me sempre muitas perguntas nesse sentido. A minha mulher, a Meghan, esteve numa ronda de entrevistas comigo, posteriormente vi programas dos quais saía e nem me lembrava que os tinha feito. Em novembro, precisava de ajuda, precisava de falar com as pessoas de quem mais gosto, precisava ser honesto. Senti-me muito perdido, senti-me de forma miserável durante um par de meses”, explicou sobre o período depois dos Jogos de Tóquio e o momento em que decorria a International Swimming League. No Natal, mudou.
“O momento mais fantástico da vida de um nadador são os Jogos Olímpicos, um acontecimento que se realiza de quatro em quatro anos e onde a minha prova mais duradoura leva 49 segundos a fazer. Depois do que aconteceu, senti-me perdido, queria deixar a água para sempre mesmo sabendo que a água é um dos meus lugares de segurança. Estava entre a espada e a parede. Não estava a ser justo comigo mesmo, tinha acabado de ganhar duas provas de 50m e 100m livres, levava cinco ouros no maior cenário que existe mas só pensava que devia ter sido mais rápido para recorde mundial”, acrescentou ainda sobre esse período. “Estava fechado no quarto, com as persianas para baixo e não queria comer. Não queria ter ninguém à volta, estava numa depressão profunda”, salientou a mãe mais tarde a uma televisão americana.
A fabulosa noite do novo Michael Phelps: três medalhas de ouro nos Mundiais em 102 minutos
“O meu grande objetivo agora é melhorar, já não penso propriamente na questão de vencer os meus rivais”, disse agora no podcast “Visits Inside”. No entanto, com uma equipa mais atenta a tudo o que envolvesse a preparação, existia a esperança de que pudesse arriscar de novo as sete medalhas de ouro e/ou as oito medalhas no total – ou mesmo oito ouros, algo que nem Phelps conseguiu numa só edição. Ganhou os 4x100m livres, ganhou os 50m mariposa, preparava-se para os 4x100m estilos mistos e para os 100m livres antes de acabar com 50m livres, 100m mariposa, 4x100m livres mistos e 4x100m estilos. E saiu de cena.
Day 2️⃣ did not disappoint ???? Let’s hear what the athletes had to say #finabudapest2022 pic.twitter.com/VmLFYxiH9f
— World Aquatics (@WorldAquatics) June 19, 2022
Depois de ter cumprido as eliminatórias sem qualquer tipo de problema, a fixar o segundo melhor registo apenas atrás da confirmação romena David Popovici, vencedor dos 200m livres na noite anterior com uma grande autoridade (e marca), Caeleb Dressel abdicou de fazer as meias e a final da distância onde tinha sido campeão mundial em 2017 e 2019. “A Team EUA tomou a decisão, após ter consultado o Caeleb, o seu treinador e o departamento médico da equipa, que se deveria retirar da prova de 100m livres por razões médicas. A equipa irá depois mais para a frente determinar em que provas ainda poderá participar esta semana”, explicou Lindsay Mintenko, diretora geral da Team EUA, através de um comunicado. Sem haver mais esclarecimentos, uns falam do desgaste acumulado de provas, outros de um pequeno problema físico mas outros ainda recordam o episódio de Simone Biles nos Jogos Olímpicos de Tóquio.