Os egípcios chamam-lhe as awamat — casas flutuantes — e começaram a tornar-se populares no Cairo à época do Império Otomano e da dinastia de Mehmet Ali, no início do século XIX.
Agora, as casas-barco edificadas sobre as margens do Nilo estão em risco de desaparecerem completamente. Os moradores afirmam que há vários anos que as autoridades fazem pressão para que estes arranjem outro local para viver. O último aviso surgiu a 21 de junho quando a polícia deu uma a duas semanas para os residentes saírem das casas. Na passada quinta-feira, cerca de vinte pessoas foram “arrancadas” do local.
O governo tem realizado vários planos de transformação urbana na capital egípcia e a demolição das casas flutuantes, que são património da cidade, fazem também parte desses planos: “Eles não gostam de nada que seja diferente, que não seja totalmente compreendido, e que não seja controlado e numa caixa”, lamenta a escritora egípcia, Ahdaf Soueif.
Soueif quis voltar ao seu país para aproveitar os últimos anos de vida num lugar com vista para o rio Nilo. Em 2013 teve a oportunidade de comprar uma das icónicas casas que descansam nas águas do famoso rio: “Vivi em diferentes partes do mundo e fiz muitas casas, mas esta é a única que, quando cheguei, pensei que nunca me ia mudar“, diz a autora ao jornal espanhol El País.
“Podem não ser um aspeto de relevância urbana do Cairo, mas são super importantes para a memória da cidade”, frisa o arquiteto e urbanista Ahmed Zaazaa.
Os moradores das casas não querem desistir. Fizeram uma petição online que, em menos de uma semana, atingiu um total de 5 mil assinaturas. Para muitos, estas casas e os seus jardins ocupam um lugar especial na imaginação coletiva do Cairo por terem sido cenário para numerosos filmes a preto e branco. O local deu também palco ao Prémio Nobel da Literatura “À deriva no Nilo” romance de Naguib Mahfouz.
Também a II Guerra Mundial passou pelas casas. Durante a Operação Condor, os espias nazis alugaram uma das casas para a utilizar como sede de recolha de informação dos movimentos das tropas britânicas, que ocupavam a maior parte das habitações.
Apesar de existirem dúvidas sobre a forma como o governo vai utilizar os solos que ficarão desocupados, o arquiteto Zaazaa pensa que as casas flutuantes serão transformadas em passeios com cafés e restaurantes.
“[As autoridades] não se preocupam com o património, acreditam que vão construir o património do futuro, e que isso será falado dentro de 100 anos, o que representa um desastre para a cidade, a sua memória e o seu valor”, lamenta o arquiteto.
A Soueif, é “a ideia da destruição” que a “comove”: “Não me importava tanto se tivesse de sair da minha casa e esta se tornasse num restaurante chique”, admite a escritora.