O drama parlamentar que envolvia Mariana Mortágua e o dinheiro que recebeu enquanto comentadora televisiva acabou num recuo. Depois de uma deputada social-democrata, Márcia Passos, ter chegado a apresentar um parecer em que criticava a deputada pelos montantes recebidos e sugeria que poderia ter de devolvê-los retroativamente, o PSD considera que a situação está “clarificada” e concorda agora que nem Mortágua nem nenhum outro deputado nessa situação terá de repor o dinheiro que recebeu antes de 2020. Esta quarta-feira, numa reunião à porta fechada, quase todos os partidos se mostraram de acordo — exceto o Chega, que se absteve e vai apresentar declaração de voto — e aprovaram a nova versão do parecer.

De acordo com as informações apuradas pelo Observador, os serviços do Parlamento concluíram o levantamento dos nomes dos deputados que estiveram na mesma situação que Mortágua — uma iniciativa que tinha ficado combinada na última reunião, para provar, ou não, que esta não era uma prática isolada de Mortágua, mas comum no Parlamento e aceite pela Comissão de Transparência.

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Mas houve outro fator que levou a que o parecer fosse alterado: o deputado Paulo Rios de Oliveira — ele próprio do PSD — esclareceu na última reunião que, tendo feito já parte do elenco da comissão e de outros grupos de trabalho sobre transparência nos últimos anos, tinha conhecimento de que a prática já tinha acontecido noutros casos e que era “díspar” consoante o entendimento de cada deputado, não sendo Mortágua a única nessa situação. Confirmava assim a tese que já tinha sido defendida pelo socialista Pedro Delgado Alves, que também faz, há anos, parte destas estruturas em representação do PS.

Ou seja: Mortágua teria razão ao alegar que, até 2020, o entendimento poderia ser que havia a possibilidade de se acumular o mandato em exclusividade (pelo qual os deputados recebem um abono específico) com as funções de comentador televisivo pago, porque havia outros deputados — cujos nomes a comissão não quererá incluir no parecer — a fazê-lo ou a adotar regras diferentes para a mesma situação. Um alívio não só para o Bloco de Esquerda, mas também para os outros partidos que tinham deputados-comentadores e que temiam que se abrisse uma espécie de caixa de Pandora, uma vez que a aplicar-se a regra defendida pelo PSD, todos eles teriam de pagar retroativos.

Para a relatora, Márcia Passos, o facto de ter sido feito esse levantamento dos casos anteriores veio acabar com as dúvidas que existiam sobre os deputados que exercem essas funções nas televisões. Por isso, garante ao Observador não ver aqui nenhum “recuo” e até interpreta a situação como um “avanço” que esclarece a norma para casos futuros.

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O parecer final deverá assim plasmar a ideia de que até 2020 o Parlamento não se tinha posicionado claramente contra estes comportamentos e que só a partir daí se tornou ilegítimo acumular as duas funções (e os dois pagamentos). E, quanto a isso, Mortágua já devolveu o dinheiro que recebeu nos cinco meses (entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022) em que foi comentadora paga na SIC depois desse entendimento do Parlamento, alegando que o desconhecia.

Parecer tinha irritado partidos

A última reunião da Comissão da Transparência tinha agitado as bancadas, da esquerda à direita. Isto porque, depois de a mesma comissão ter entendido, ainda num parecer aprovado em março passado, que Mortágua tinha feito o que era devido — devolver o dinheiro que recebeu da SIC mas só a partir de 2020 — o novo parecer do PSD, feito a pedido do Ministério Público no âmbito do inquérito que abriu sobre o caso da deputada bloquista, contrariava essa ideia e falava na hipótese de pagar o dinheiro que recebera entre 2015 e 2019, de forma retroativa.

O argumento do PSD era que, mesmo que a Comissão não tivesse, até 2020, tomado uma posição sobre o assunto, a lei (o Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos) era a mesma. Ou seja: se a deputada a tinha interpretado mal, o problema seria seu. E o dinheiro deveria ser devolvido, mesmo com atraso.

Mas a posição do PSD irritou várias outras bancadas: à porta fechada, PS e BE manifestaram-se contra — para os bloquistas, tudo não passava de um ataque pessoal contra Mortágua — e PCP e IL fizeram reparos técnicos à proposta de parecer, que os partidos não conheciam antes de ser apresentada para ser votada na comissão da Transparência.

Ao Observador, vários membros da comissão chegaram a mostrar desagrado, garantindo que em reuniões anteriores o PSD não tinha tomado esta posição e lembrando que a regra teria então de ser aplicada em muitos outros casos, e não apenas no de Mortágua. A solução que acabou por ser apresentada foi o tal levantamento de casos semelhantes, que várias fontes dizem ao Observador ter dado razão a Mortágua e ao Bloco de Esquerda. O resultado só é, ainda assim, conhecido pelos próprios deputados, uma vez que a reunião desta quarta-feira voltou a não ser pública.

Texto atualizado às 12h39 com a votação do parecer e às 15h30 com declarações de Márcia Passos.