O Presidente da República vai reunir-se esta sexta-feira com membros da comissão independente que está a investigar os abusos sexuais de menores na Igreja Católica. A informação consta da agenda oficial da Presidência da República, atualizada na tarde desta quinta-feira. Ao que o Observador apurou, foi o próprio Presidente da República a convocar a comissão independente para uma reunião esta semana.

A audiência de Marcelo Rebelo de Sousa aos membros da comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht é conhecida poucos dias depois de o Presidente da República ter desvalorizado publicamente a polémica que envolve o atual cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente (e que surgiu na sequência de uma notícia do Observador relativa a uma denúncia de abusos que D. Manuel Clemente conhecia e não entregou às autoridades), afirmando que, a título pessoal, não considerava que a hierarquia da Igreja tenha tido intenção de ocultar qualquer crime da justiça.

Abusos na Igreja. Marcelo Rebelo de Sousa rejeita ocultação de crimes

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Na semana passada, o Observador noticiou que o atual cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, se reuniu em 2019 com uma vítima de abusos sexuais de menores alegadamente cometidos por um sacerdote do Patriarcado que continuava em funções. A família da vítima já tinha denunciado o caso ao anterior patriarca, D. José Policarpo, no final da década de 1990 — e a decisão da hierarquia eclesiástica na altura foi a de desviar o padre das paróquias onde trabalhava para uma capelania, onde continuou a ter contacto com crianças e jovens. O caso nunca foi comunicado à polícia e o padre manteve-se em funções até à atualidade, tanto na capelania que lhe foi atribuída como numa associação privada que entretanto fundou e onde dava acolhimento a famílias, jovens e crianças.

Duas décadas depois, a vítima, já adulta, encontrou-se pessoalmente com D. Manuel Clemente para lhe contar a história, a pedido do próprio patriarca. Depois de ouvir o relato da vítima, D. Manuel Clemente manteve o padre em funções e voltou a não comunicar o caso à polícia — argumentando que era a própria vítima que não pretendia que a sua história fosse conhecida. Três dias depois da notícia do Observador, D. Manuel Clemente publicou uma carta aberta na qual justificou o modo como lidou com o caso.

Questionado sobre o assunto, que entretanto foi desenvolvido na maioria dos meios de comunicação portugueses e marcou a agenda da semana passada, Marcelo Rebelo de Sousa desvalorizou a polémica. “Aquilo que eu posso dizer — e nem é como Presidente da República, é como pessoa — é que o juízo que formulo sobre as pessoas (e não os elementos da hierarquia católica) D. José Policarpo e D. Manuel Clemente é que não vejo em nenhum deles nenhuma razão para considerar que pudessem ter querido ocultar da justiça a prática de um crime“, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Depois das declarações, que foram duramente criticadas no espaço público, Marcelo Rebelo de Sousa chamou a comissão independente liderada por Pedro Strecht para uma reunião em Belém. O encontro está marcado para as 16h30 desta sexta-feira. Os membros da comissão também já se reuniram com o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na semana passada. Dessa vez, porém, tratou-se de um encontro que já estava pedido pela própria comissão independente há várias semanas, com o objetivo de apresentar o trabalho já desenvolvido pelo organismo.

A comissão independente foi criada pela própria Conferência Episcopal Portuguesa. Os bispos escolheram Pedro Strecht, pedopsiquiatra conhecido pelo seu trabalho no caso Casa Pia, para liderar esta comissão — e deram-lhe liberdade para escolher os membros da comissão. O organismo é composto também pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pela socióloga Ana Nunes de Almeida, pelo ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, pela assistente social Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos. A comissão está em funcionamento desde janeiro e, até agora, já recebeu 368 testemunhos, tendo encaminhado 17 casos para o Ministério Público. O relatório final da comissão deverá ser conhecido em dezembro.