Numa semana em que a visita de Nancy Pelosi a Taipé motivou uma reação violenta de Pequim, o Governo português não vai, pelo menos para já, tomar qualquer posição pública sobre o escalar de tensão entre China e Taiwan – isto apesar dos avisos da NATO e da União Europeia.

Na quarta-feira, o Observador enviou um conjunto de perguntas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a propósito dos desenvolvimentos mais recentes naquela região. No entanto, até à publicação deste artigo, o gabinete de João Gomes Cravinho preferiu não responder a qualquer pergunta.

À cabeça, o Observador desafiou o Executivo socialista a pronunciar-se sobre o comunicado enviado pelo PCP às redações, onde os comunistas exigiam ao Governo que se demarcasse das ações da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. O gabinete de João Gomes Cravinho não respondeu à questão.

O Observador procurou também uma reação do Governo português ao comunicado da embaixada chinesa em Portugal, onde as autoridades daquele país acusavam os Estados Unidos de “hipocrisia” e de terem protagonizado uma “grave violação da soberania e integridade territorial da China”.

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Ora, nesse mesmo comunicado, a embaixada chinesa sublinhava o facto de o Estado português ter sempre defendido a “Política de Uma Só China”. “Isso estabelece uma base muito sólida para nossas relações bilaterais. Obrigado pela sua compreensão e apoio”, podia ler-se. O Observador perguntou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português mantinha essa posição e se se revia na posição da embaixada chinesa – mas também não obteve resposta.

NATO e UE atentas à China. Ucrânia como pano de fundo

Em junho deste ano, e pela primeira vez na história, a NATO declarou a China como um desafio em termos de segurança. E alegou o seguinte: “A China está a aumentar substancialmente as suas forças militares, incluindo armas nucleares, intimidando os países vizinhos, ameaçando Taiwan, monitorizando e controlando os seus próprios cidadãos e espalhando mentiras e desinformações russas”.

O Observador tentou saber junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros se o Estado português, enquanto membro da NATO, subscrevia esta posição da Aliança Atlântica – mas também não conseguiu obter qualquer resposta do gabinete de João Gomes Cravinho.

Também em junho deste ano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan assumiu que havia uma crescente aproximação à NATO. “Há cada vez mais conversações entre Taiwan e a NATO. [Taipé vê] potencial para uma maior cooperação”, afirmou o ministro Joseph Wu. Não foi possível perceber se o Ministério dos Negócios Estrangeiros encara esta estratégia de aproximação como positiva para os interesses do país e da própria NATO.

Além da Aliança Atlântica, também a União Europeia já veio condenar as posições assumidas pela China neste contexto. O chefe da diplomacia dos 27 condenou as manobras militares “agressivas” da China no Estreito de Taiwan e pediu “moderação”. “Não há nenhuma justificação. É normal para os deputados dos nossos países fazerem viagens internacionais”, escreveu Josep Borrell na rede social Twitter.

Muitos analistas internacionais temem que a invasão da Ucrânia pela Rússia seja o pretexto perfeito para que a China acelere o processo de reunificação – uma questão que o Presidente Xi Jinping quer resolver ainda durante a sua liderança e que parece, por isso, inevitável.

A curto ou médio prazo, uma eventual ofensiva chinesa contra Taiwan terá naturalmente repercussões nos equilíbrios geopolíticos. O Observador tentou perceber se o Governo português acompanha com preocupação o escalar de tensão entre a China e Taiwan, e que impacto um eventual conflito poderia ter nas relações Portugal-China. Mais uma vez, não obteve qualquer resposta.

O fim das relações com Taiwan e a questão de Macau

Formalmente, o Estado português cessou relações diplomáticas com Taiwan logo em 1975, numa altura em Mário Soares era ministro dos Negócios Estrangeiros e Vasco Gonçalves o primeiro-ministro em funções. Foi também nessa altura que Portugal reconheceu a República Popular da China como o “único representante legítimo do povo chinês”.

Foi um passo decisivo no retomar das relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim, depois de, em 1949, António Oliveira Salazar ter rompido com a China comunista de Mao Tsé-Tung, líder da revolução chinesa.

Com o fim do Estado do Novo e em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC), as autoridades portuguesas tentaram retomar as relações diplomáticas com a China, em parte, para conseguir negociar em melhores condições o futuro de Macau, como argumenta a investigadora Carmen Amado Mendes no livro livro Portugal, China and The Macau Negotiations, 1986-1999, aqui citada pelo jornal Público.

Ainda em 1975,o Governo português pediu à legação de Taiwan em Lisboa que fossem “tomadas medidas necessárias ao encerramento da mesma dentro de período de tempo conveniente para o efeito”.

Finalmente, quatro anos depois, em 1979, foi assinado o comunicado conjunto da República Popular da China e da República Portuguesa sobre o estabelecimento de relações diplomáticas.

Portugal está entre a esmagadora maioria dos países do mundo (onde se incluem os Estados Unidos) que reconhece a “Política de Uma Só China“, que proíbe quaisquer relações diplomáticas com o governo de Taiwan — ainda que outros possam manter relações informais com Taipé, apenas 15 países têm relações diplomáticas formais com Taiwan e como tal, não têm com a China.

Em 2018, os governos português e chinês assinaram esta quarta-feira 17 acordos bilaterais, envolvendo sobretudo às áreas financeira e empresarial, com destaque para o memorando de entendimento sobre a iniciativa chinesa de investimento em infraestruturas “Uma Faixa, Uma Rota”.

O memorando de entendimento sobre cooperação no quadro da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota” inseria-se na vertente económica relativa à chamada “Rota da Seda Marítima do século XXI” e foi assinado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e pelo diretor da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (com estatuto ministerial), He Lifeng.