Atualizado às 22horas de quarta-feira com resposta do Ministério das Finanças.

É pouco conhecido fora da esfera do Estado, mas já existe há mais de um ano. O PlanAPP — Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública foi criado em 2021 no anterior Governo de António Costa como um centro de competências de planeamento estratégico, mas também de avaliação de políticas públicas e apoio à sua implementação. Um dos objetivos era reunir quadros qualificados que pudessem prestar serviços de consultoria especializada em várias áreas, e reduzir a necessidade de recorrer a contratação privada.

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Entre as suas missões está “acompanhar a execução e avaliar a implementação das políticas públicas, dos instrumentos de planeamento e dos resultados obtidos”, um caderno de encargos que remete, pelo menos em parte, para o objeto da contratação da consultoria de Sérgio Figueiredo por parte do ministro das Finanças. Segundo o despacho conhecido esta semana, a aquisição de serviços de consultoria estratégica especializada inclui a “auscultação dos stakeholders relevantes da economia portuguesa no âmbito da definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar de avaliação e monitorização dessas políticas”.

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Questionado sobre a necessidade de ir buscar um consultor privado para avaliar políticas públicas, quando existe uma agência pública com essas funções a nível transversal, o Ministério das Finanças esclareceu numa resposta dada já 24 horas depois desta peça publicada que “o contributo de consultoria contratado para o gabinete do ministro das Finanças complementa e aproveitará o trabalho desenvolvido pelo gabinete e pelos organismos públicos especializados em áreas de análise, prospetiva e planeamento de políticas públicas.”

O organismo criado no ano passado, que está na tutela da Presidência do Conselho de Ministros, pasta ocupada por Mariana Vieira da Silva, nasceu com a ambição de centralizar as competências qualificadas dentro do Estado para prestar consultoria aos vários serviços públicos. De acordo com o decreto-lei que aprova a orgânica do PlanAPP, a criação desta entidade “permitirá acompanhar e reforçar cada uma das fases da intervenção ao nível das políticas públicas — planeamento, desenho, adoção, implementação, monitorização e revisão”. Outro objetivo é a realização de trabalhos prospetivos que exigem “coordenação transversal a todas as áreas governativas.

Numa entrevista dada ao jornal Público em fevereiro deste ano, o diretor do PlanAPP, Paulo Areosa Feio, assumia a ambição de transformar o centro de competências “numa verdadeira consultora do Estado e para o Estado” que poderia dispensar no futuro a necessidade de contratação de consultores privados, uma vez que teria as competências necessárias para avaliar o impacto das políticas, antes de estas e depois de serem adotadas. Nesta altura, o PlanAPP contava com 65 funcionários, dos quais uma parte herdada da Unidade Técnica de Avaliação de Impacto Legislativo. Foram também feitas contratações no setor privado.

O PlannAPP já não foi a tempo de apoiar a preparação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cujo ponto de partida foi lançado com a ajuda de outro consultor privado que gerou polémica — António Costa Silva, um gestor do setor energético que agora é ministro da Economia e que não cobrou honorários ao Estado. Mas o diretor da PlannAPP manfestava na já referida entrevista a intenção de participar na elaboração de outros instrumentos de políticas públicas, como as Grandes Opções do Plano e o Programa Nacional de Reformas.

A existência da PlanAPP não limita a contratação de consultores privados por parte dos gabinetes dos ministros que, para além deste centro de competências centralizado, contam ainda com gabinetes ministeriais que podem realizar as mesmas funções. No caso das Finanças, existe, por exemplo, o Gabinete de Estudos e Relações Internacionais do Ministério das Finanças.

No caso da contratação do ex-jornalista e antigo diretor da TVI, o despacho refere funções como “auscultação dos stakeholders relevantes da economia portuguesa”, o que será feito em nome do ministro das Finanças e o “aconselhamento nos processos internos da tomada de decisão” do ministro Fernando Medina, uma missão muito específica que extravasa um aconselhamento exclusivamente técnico, assumindo contornos também políticos. O contrato foi feito por ajuste direto e será publicado no portal Base.

O contrato prevê uma “remuneração equiparada e limitada ao vencimento base do Ministro das Finanças, transpondo para o contrato de consultoria o limite previsto na lei para o enquadramento remuneratório de membros de gabinetes ministeriais”. A remuneração dos ministros é de cerca de 4.700 euros brutos.

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Consultores geram polémica

O ministro das Finanças já foi chamado ao Parlamento pelo Chega para explicar esta opção. A contratação de consultores privados já foi fonte de polémica no passado. No caso de Costa Silva, os partidos manifestaram reservas em negociar o plano de retoma económica após pandemia com um privado que não era membro do Governo.

No primeiro Governo de António Costa gerou também protestos a contratação de Diogo Lacerda Machado. O advogado e amigo do primeiro-ministro foi chamado a apoiar o Governo na renegociação com os privados da participação do Estado na TAP, tendo acabado por entrar no conselho de administração da transportadora (da qual saiu o ano passado).

Governo renova contrato com Lacerda Machado

No Governo de Passos Coelho, o papel do economista e ex-gestor da Goldman Sachs, António Borges, nas decisões sobre processos de privatização, enquanto consultor privado, foi muito atacado pela oposição è esquerda.

A contratação de Sérgio Figueiredo como consultor surge mais de um ano depois de o antigo diretor da TVI ter concorrido ao cargo de presidente do conselho de administração da RTP que foi atribuído a Nicolau Santos. O ex-jornalista abandonou a direção da TVI em 2020, mas foi durante o exercício destas funções que Fernando Medina, então presidente da Câmara de Lisboa, começou a ter um espaço de opinião no canal de Queluz de Baixo.