Sanna Marin será, certamente, uma mulher talentosa para chegar a primeira-ministra da Finlândia aos 34 anos. Mas tem também um talento especial para captar todas as atenções sobre si. Quando assumiu a liderança do Governo pôs o mundo a comentar o facto e se ter tornado a primeira-ministra mais jovem do mundo. Quando a Finlândia manifestou interesse em juntar-se à NATO, só o seu ar de princesa do gelo muito decidida poderia rivalizar com as ameaças sem emoções de Putin. Agora um vídeo privado onde a vemos a dançar entre um grupo de amigos, foi posto a circular na Internet e causou um choque de opiniões de proporções internacionais, que até a fez vir justificar-se a público e fazer um teste de despistagem de drogas.

Quando o tema é moda, as modelos do norte da Europa que sopram inspiração para o sul são, muitas vezes, as figuras da realeza. Carismáticas e detentoras de um talento que só elas têm para combinar moda exclusiva com low cost, apresentam-se com tanta naturalidade em estilo formal como em casual. Dos reinos da Suécia, da Noruega ou da Dinamarca, as princesas são as figuras femininas que despertam a curiosidade do público. Mas, no tabuleiro da geoestratégia do estilo e da iconografia feminina, a Finlândia tem agora uma representante de peso: Sanna Marin.

Com uma beleza típica dos antigos contos de fadas, a primeira-ministra finlandesa desfila a sua figura delicada pelos cenários de concentração de poder internacionais, somando-se como mais um exemplo de liderança no feminino. Seja a representar o país em instituições europeias, em cimeiras, a ser recebida por outros líderes mundiais ou eventos descontraídos, Marin mostra-se sempre como embaixadora da elegância depurada nórdica.

Mas o arrojo também faz parte do menu: a 13 de agosto, passou pelo Flow Festival, em Helsínquia, para discutir a evolução da indústria musical no país. Depois da participação numa mesa redonda, trocou a sua sóbria indumentária por um look casual e com lantejoulas. Ideal para assistir a semelhantes espectáculos num evento como este, mas suficiente para levantar alguns sobrolhos? Já no mês anterior, surpreendera com um look rockeiro no Ruis Festival, com calções e blusão de cabedal, uma imagem menos usual numa chefe de Governo.

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Quando o momento exige solenidade, a primeira-ministra tem um uniforme de segurança, uma coleção de blazers e calças justas (preferencialmente pretas). O tempo ajuda a definir se o look será composto por uma camisa de malha com gola alta ou por uma blusa. E há ainda os vestidos, com cortes clássicos, mas que refrescam a norma do “power suit” enquanto primeira escolha. Se os clássicos branco e preto dominam o guarda-roupa de Marin, há também espaço para pinceladas bem femininas com peças em tons de rosa e vermelho. Não gostará de acessórios. Não a vemos usar bijuterias, o calçado passa despercebido e as carteiras não ficam na memória. Na verdade, não se identificam criações de moda ou marcas nas aparições públicas da política. Há sim uma aposta na simplicidade da sua elegância e beleza naturais.

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Contudo, em ocasiões descontraídas, Sanna Marin atreve-se pelas cores e brilhos. No início deste verão deu que falar por causa de um vestido prateado em lantejoulas. A primeira-ministra vestiu-se a rigor, mas para o Flow Festival, em Helsínquia, e a ela juntou-se a influencer e fotógrafa Janita Autio. Longe das regras do protocolo, Marin reserva surpresas que valerá a pena seguir com atenção. Afinal estamos perante uma mulher millennial aos comandos daquele que foi considerado o país mais feliz do mundo, pelo quinto ano consecutivo, em 2022.

Para receber a Vogue britânica, a primeira-ministra usou um fato de calças e casaco preto com sapatos de salto alto também pretos, descreve a jornalista. O encontro teve lugar na sua residência oficial com a finalidade de responder a uma entrevista e aconteceu em janeiro de 2020. O trabalho só seria publicado na edição de maio desse ano, quando o mundo já seria bem diferente. Sanna Marin sentou-se à conversa com a jornalista em Kesäranta, uma villa do século XIX que é a residência oficial dos primeiros-ministros finlandeses desde 1919 e tem vista para o mar. Depois de assumir a liderança do executivo, Sanna Marin tinha escolhido continuar a viver no apartamento que partilhava com o marido e a filha na cidade de Tampere, a duas horas de carro a norte da capital, mas a pandemia fê-la mudar-se para Kesäranta.

Mulher, mãe e política na geração millennial

Sanna Marin nasceu em Helsínquia a 16 de novembro de 1985. Os pais separaram-se quando era ainda muito pequena e o pai não esteve presente no seu crescimento. “Não cresci com ele e diria que não tenho pai”, disse à Vogue. Depois da separação, a mãe formou um novo casal, desta vez com uma mulher. Marin diz ter na progenitora um grande apoio e uma pessoa que sempre a fez crer que ela podia fazer o que quisesse. Sendo ela própria símbolo de uma Finlândia tolerante, não foi estranho vê-la na parada Pride, na capital finlandesa, no passado mês de julho. Cumpriu o dress code vistoso e usou um vestido branco, com bordados geométricos cor de rosa com uns grandes brincos pendentes como acessório.

Foi a primeira pessoa da sua família a estudar na universidade e trabalhou numa loja para pagar a sua vida. Logo no seu início de mandato enquanto primeira-ministra, foi gozada por uma ministra da Estónia, que se referiu a ela dizendo num talkshow: “Agora vemos como uma vendedora de loja se tornou primeira-ministra e como outros ativistas de rua e pessoas sem formação académica também se juntaram ao governo”. O presidente da Estónia apressou-se a pedir desculpa, conta o Guardian.

Sanna Marin casou-se em agosto de 2020 na sua residência oficial de primeira-ministra com Markus Räikkönen, estando juntos desde os 18 anos. A cerimónia foi íntima e contou com um restrito grupo de cerca de 40 convidados, composto por família e amigos, descreve a Tatler. A noiva usou um vestido longo, com manga comprida, o véu preso com um gancho e um grande bouquet de flores. No início de agosto de 2022 partilhou no Instagram uma memória desse dia acompanhada pela legenda: “Já se passaram 18 verões desde que te conheci. Feliz aniversário.” O marido trabalha em comunicações e juntos foram pais da pequena Emma, em janeiro de 2018.

Sanna Marin no dia do seu casamento com Markus Räikkönen, em agosto de 2020. A primeira-ministra partilhou a memória na sua conta de Instagram no passado mês de agosto. @Sanna Marin/Instagram

É uma política que usa as redes sociais para comunicar, sem medos, num equilíbrio entre a normalidade do dia a dia e o exemplo de uma governante. Tanto publica imagens da sua vida diária, como por exemplo a amamentar a filha, e durante a pandemia passou a mensagem de distanciamento social, através de imagens de si própria a reunir-se com pessoas cumprindo as regras de segurança. A sua conta de Instagram, impecavelmente cuidada, poderia ser considerada exemplo de uma verdadeira influencer, numa perspetiva em que é uma mulher que partilha momentos da vida pessoal e profissional, apoia causas e tem orgulho em mostrar a sua participação na sociedade. “Eu só quero ser honesta e ser eu própria. Acho isso muito mais fácil”, disse à Vogue.

O decote da discórdia

Em 2020 Sanna Marin foi capa da edição de outubro da revista de moda finlandesa Trendi. No artigo no interior da publicação pode ver-se ainda uma fotografia da política com um blazer preto sobre a pele com um profundo decote em V e sem um top ou uma blusa por baixo. A imagem chamou a atenção e provocou discussão. Por um lado, houve quem achasse pouco apropriado uma primeira-ministra apresentar-se de forma algo exposta e críticas foram partilhadas nas redes sociais. “Se tivesse de generalizar, seria os homens a dizerem que era errado e as mulheres a dizerem que estava fabuloso”, disse à CNN uma responsável do grupo editorial a que pertence a revista. Confirmou que houve uma “enorme” reação contra o artigo e a produção fotográfica na Finlândia, logo desde o lançamento.

O facto de o país estar a passar pela pandemia também terá contribuído para as reações negativas. Apesar da escolha de roupa numa fotografia ter sido o tema de maior destaque na discussão, o artigo expôs as ideias da primeira-ministra sobre a exigência do seu trabalho e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Por outro lado, seguiram-se também manifestações de apoio, como por exemplo a criação da hashtag #imwithsanna através da qual várias mulheres, comuns finlandesas e celebridades nacionais, partilharam fotografias de si próprias semelhantes à de Marin, nas redes sociais.

A política, a pandemia e a guerra

Em dezembro de 2019, Sanna Marin assumiu as rédeas do governo da Finlândia. Com 34 anos foi a primeira-ministra mais jovem do mundo (entretanto o seu recorde foi batido pelos novos líderes de Montenegro e do Chile) e a terceira mulher a ocupar o cargo no seu país. Da maior eleição geral de sempre na Finlândia, em agosto de 2020, saiu o governo que lidera, com uma coligação de cinco partidos de esquerda (quatro deles liderados por mulheres com menos de 35 anos, aquando da formação do Governo). “Temos de garantir que estamos a construir uma sociedade de uma forma que não seja apenas social e economicamente sustentável, mas também ambientalmente sustentável”, disse Marin à Vogue, definindo alguns dos objetivos do seu mandato.

Desde que chegou ao poder já teve de lidar com a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia que, por alguns momentos, também pôs a Finlândia no centro das notícias. O mundo voltou a ouvir falar de Marin, porque o seu país deu o passo histórico de pedir adesão à NATO, ignorando as ameaças de Vladimir Putin, num momento de grande tensão geopolítica. Em maio visitou a Ucrânia e foi fotografada ao lado do presidente Volodymyr Zelensky, declarando apoio ao país invadido.

Líder finlandesa reúne-se com Zelensky na primeira visita a Kiev em guerra

Sanna Marin Pertence ao Partido Social Democrata da Finlândia (de centro esquerda) e começou por se juntar à juventude do partido em 2006, da qual foi vice-presidente entre 2010 e 2012. A carreira política passou pela Câmara Municipal de Tempere (cidade onde vivia), é membro do Parlamento desde 2015 e em 2019 tornou-se Ministra dos Transportes e Comunicações durante pouco mais de um ano. “Quando estava no liceu, sentia que as pessoas que faziam política eram diferentes e vinham de um contexto diferente do meu. Na altura, não pensava ser possível eu própria me envolver”, conta Marin, citada pelo Daily Mail.