Com as atenções focadas no preço da eletricidade, as faturas de energia de muitas famílias portuguesas vão subir, em alguns casos muito, a partir de outubro, mas por causa do gás natural.
A EDP Comercial anunciou esta quarta-feira um aumento médio de 30 euros por mês nas faturas de gás, a partir do próximo mês de outubro. Em causa está uma subida de 170% na fatura apenas do gás, incluindo já o efeito de impostos e taxas. A medida vai afetar mais de 650 mil clientes domésticos, de acordo com informação avançada por fonte oficial ao Observador. A maioria destes clientes também contrata eletricidade à EDP e paga as duas energia na mesma fatura. A Galp também vai rever os preços em outubro, mas não indica valores, para já.
O Ministério do Ambiente e Ação Climática anunciou esta quinta-feira uma medida para mitigar o impacto destes aumentos no preço do gás — a possibilidade de os clientes domésticos regressarem à tarifa regulada que atualmente está mais barata.
Aumento do gás. Famílias e pequenos negócios vão poder regressar à tarifa regulada mais barata
A elétrica explica que manteve os seus preços do gás inalterados durante os últimos 12 meses, apesar de o “preço de aquisição de gás nos mercados internacionais ter subido cerca de 1.000% no último ano”.
No entanto, e “dado o agravamento continuado do preço do gás e a instabilidade esperada para os próximos meses, tornou-se inevitável atualizar estas tarifas a partir de 1 de outubro, resultando num aumento médio de 30 euros por mês”. A empresa assinala que este tem sido contexto em toda a Europa, como resultado do aumento substancial do preço do gás nos mercados europeus. Já esta quarta-feira, o gás natural atingiu os 300 euros por MW no mercado holandês TTF, o valor mais alto de sempre.
Subida será reavaliada ao fim de três meses
A EDP diz ainda que “esta variação da tarifa de gás poderá ser revista trimestralmente se o contexto assim o permitir”. A elétrica tem por regra atualizar os preços uma vez por ano, mas já na eletricidade tinha feito uma subida extraordinária que reverteu em julho.
A EDP tem o maior número de clientes domésticos no gás natural com uma quota de 49% do total do mercado liberalizado. Em declarações à agência Lusa, a presidente executiva da EDP Comercial, Vera Pinto Pereira, explicou que os aumentos serão em média de 30 euros acrescidos de “cinco a sete euros de taxas e impostos”. Para dois terços de clientes, cerca de 433 mil, que têm consumos mais baixos, a subida do preço de gás terá um impacto médio de 18 euros mensais, valor que sobe para os 22 euros com taxas e impostos.
Gás pode custar mais que a eletricidade
O Observador questionou a EDP a dimensão percentual deste aumento e recebeu a indicação de que a subida média será da ordem dos 170% incluindo impostos e taxas de acesso que foram revistas pela entidade reguladora da energia a partir de outubro. A tarifa de acesso dos consumidores em baixa pressão paga pelos clientes domésticos vai subir 1,2%. Um dos impostos é o IVA que sobe quando há aumentos de preços, ampliando este efeito.
O aumento médio de 170% considera apenas o custo do gás na fatura, será menor se esta incluir também a eletricidade. A maioria dos clientes abastecidos por gás pela EDP Comercial contratou uma oferta dual. Ou seja, compram também eletricidade à empresa e pagam uma fatura conjunta. Num cliente que tenha uma fatura mensal de eletricidade e gás de 22 euros, e que esteja no primeiro escalão de consumo, um agravamento de 18 euros significa que vai pagar mais de gás do que de eletricidade.
O Observador já questionou a Galp Energia e a Goldenergy sobre se atualizaram os preços dos contratos que têm com os clientes domésticos no atual contexto de sucessivas escaladas das cotações do gás natural. Fonte oficial da Galp indica que “face à volatilidade do mercado e ao respetivo aumento do custo do gás, a Galp confirma que irá proceder a um aumento dos preços do gás em Outubro num valor a indicar brevemente”.
Ao contrário da EDP que não mexia nos preços do gás desde outubro do ano passado, a Galp já efetuou duas atualizações este ano.
Medidas para travar preços focadas na eletricidade
Apesar de muitas famílias pagarem gás e eletricidade na mesma fatura, só o preço da eletricidade foi alvo de várias medidas políticas e regulatórias para travar os preços às famílias. Foi graças a essas medidas que em julho, a tarifa regulada baixou 2,6% para os domésticos, tendo sido ainda aprovadas baixas muito acentuadas das tarifas de acesso às redes também das empresas.
No gás natural pouco foi feito. Por outro lado, o mecanismo ibérico que limita o preço do gás a 40 euros por MW/hora apenas se aplica à produção elétrica, beneficiando os clientes de eletricidade e não os do gás natural. Para estes e apenas no caso das empresas grandes consumidoras estão a ser atribuídas ajudas públicas para suportar uma parte do agravamento da fatura.
Para os domésticos há sempre a possibilidade de regressarem à tarifa regulada. Esta tarifa é fixada pelo regulador por um ano, de outubro a outubro. Este ano, já subiu duas vezes e vai registar num novo aumento em outubro, ainda que o agravamento médio face aos preços anunciados para 2021/2022 seja muito inferior ao agora indicado pela EDP.
Tarifa regulada também sobe, mas menos
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) anunciou em junho que a tarifa regulada vai subir novamente em outubro, um aumento médio de 3,9% face a preço atualmente em vigor. Este agravamento só afeta em tese os 225 mil clientes do mercado regulado, mas uma boa parte dos mas de 1,3 milhões de consumidores que têm contrato com um comercializador vão também sentir o efeito do gás mais caro nas suas faturas.
Mas esta já é a terceira revisão em alta da fatura do gás dos mais de 200 mil clientes do mercado regulado. Por causa da escalada dos preços verificada desde o início do ano, e acentuada pelos efeitos da guerra na Ucrânia, a ERSE já determinou aumentos extraordinários em abril — de 3% e em julho — de 3,3%. A estas variações correspondem aumentos de euros por MW/hora em cada revisão.
Se as contas forem feitas tendo por base a tarifa fixada para o ano de 2021/2022, os 227 mil consumidores do mercado regulado vão sofrer no próximo ano um aumento médio de 8,2% no preço. Olhando para o impacto destas variações na fatura média mensal de 13,21 euros, o custo sobe 1,14 euros para um casal sem filhos e 2,27 euros para um casal com dois filhos no segundo escalão de consumo que paga em média mensalmente 25 euros.
Estes aumentos sucessivos determinados pela ERSE surgem “num contexto de forte incerteza, marcada pela escassez da oferta face à procura de matérias-primas e energia devido à situação pandémica de Covid-19 e à guerra na Ucrânia. Esta conjuntura agravou a subida dos preços da energia nos mercados grossistas, aumentando os receios de um cenário de menor crescimento económico e de maior inflação, que afeta de forma significativa os consumos e preços de gás”. Desde que esta justificação foi escrita em junho de 2022, o cenário no mercado do gás piorou com a Europa a preparar-se para mais cortes no abastecimento da Rússia.
Portugal depende pouco do gás russo — este ano chegaram três cargas de GNL ao Porto de Sines — mas não deixa de sentir o efeito dos preços recorde. Isto apesar do “aprovisionamento de energia para o mercado regulado ser assegurado através de contratos de longo prazo, em regime de take our pay (paga mesmo que não use) com a Nigéria, mitiga o impacto no preço de venda a clientes finais no mercado regulado”.