A Comissão Independente criada pela Igreja para registar os casos de abusos sexuais já validou, desde janeiro, 400 denúncias. Em entrevista à RTP3, Pedro Strecht, coordenador da comissão, avançou que o plano será cumprido e o trabalho deste grupo será concluído em dezembro.

A crise dos abusos na Igreja em Portugal chegou (pela primeira vez diretamente) ao gabinete do Papa Francisco. E agora?

Do total de denúncias já validadas, 60% foram feitas por homens e 40% por mulheres, avançou Strecht, acrescentando que se trata de uma “população bastante diversificada”, sobretudo com pessoas que têm entre 45 e 65 anos. “E temos casos distribuídos ao longo de todas as décadas.”

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Na Grande Entrevista, Pedro Strecht assumiu ainda que “uma das grandes inquietações” da Comissão Independente é “saber se os abusos não têm continuado”, se não terá havido repetições, a partir de casos passados. Segundo o responsável, muitos dos acusados nos testemunhos continuam no ativo e podem continuar a abusar.

O pedopsiquiatra reconheceu também, a propósito de vozes críticas que se têm levantado dentro da igreja à atuação da comissão, que há quem tenha interesse em manter um véu sobre os casos de abuso sexual. “Percebemos bem que há um setor da Igreja Católica que quer manter os segredos”, afirmou.

Pedro Strecht afirmou que houve muitas centenas de casos de abusos sexuais de crianças em Portugal e que “é muito claro que houve encobrimento da hierarquia católica em Portugal”, uma situação que começou a mudar, graças ao Papa Francisco e à sua política de “tolerância zero”, que “foi muito importante nesse processo.

Outro dado divulgado esta quarta-feira à noite refere-se a uma possível mudança das características dos abusos sexuais ao longo do tempo. Ou seja: “tudo indica que tem havido uma deslocalização dos abusos de dentro para fora da igreja. À medida que os anos avançam temos, aparentemente, mais casos reportados em escuteiros, grupos de jovens — situações que ocorrem fora da estrutura da igreja”.

Comissão Independente tem já validadas 338 denúncias de abuso sexual na Igreja

Em relação às denúncias feitas por mulheres, “aparecem abusos de raparigas em instituições de noviços, em colégios internos de raparigas nos anos 60, 70“. Ainda assim é um número menor, uma vez que “a grande parte dos abusadores são homens”.

Tal como Strecht já tinha indicado no final de junho, a propósito do balanço dos seis meses de trabalho desta comissão, existem algumas zonas do país sem registo de queixas — são zonas mais periféricas e mais isoladas. As zonas com mais denúncias são o litoral, cidades maiores e o interior sul, excepto uma parte da região do Algarve.

E isto é preocupante, e nós temos tentado muito, muito, muito chegar a essas pessoas, porque sentimos que ali estará uma parte muito significativa da população que não domina a net, não se sente à vontade para pegar no telefone e falar obre isto que aconteceu, não sabe ou põe em causa que o anonimato é preservado, ou não vê nenhuma vantagem em retomar o tema tantos anos passados”.

O coordenador da Comissão Independente explicou que ainda existem muitos dados para analisar e fez questão de sublinhar que “ao contrário daquilo que as pessoas pensam, que este é um movimento contra a igreja, isto pode vir a reforçar muitíssimo o papel da igreja“.