A Procuradora-Geral da República (PGR) apelou esta sexta-feira para a adoção de “medidas decisivas e corajosas” que evitem o arrastar dos processos, os incidentes, os recursos e as manobras dilatórias nos processos da criminalidade económico-financeira mais grave e complexa.

“Num significativo conjunto de processos, especialmente emblemáticos em razão da qualidade dos visados (…) os temas da escassez de meios, da dificuldade de resposta em tempo útil, da sucessão arrastada dos incidentes e recursos, dos constrangimentos ao nível informático e das plataformas digitais ou da cadência insustentavelmente lenta da marcha processual, amiga do deslaçamento da confiança na Justiça e do inexorável avanço na contagem dos prazos prescricionais dos ilícitos em presença rumo ao esquecimento e à impunidade, vem ganhando indesmentível acuidade, gera profundo desconforto e desafia, com irrecusável insistência, à implementação de medidas incisivas e corajosas”, disse Lucília Gago na tomada de posse do novo diretor do Departamento Central de Investigação Criminal (DCIAP), Francisco Narciso.

A PGR admitiu que “o consecutivo arrastar de investigações, instruções e julgamentos coloca em risco a credibilidade das instituições“, aludindo à necessidade de “cirúrgicas intervenções” nas leis processuais penais para travar as “manobras dilatórias” e a “constante violação da lei penal” que ameaça a “paz social”.

“O inconclusivo arrastar das investigações, ano após ano, o não raro arrastar das instruções, ano após ano, e dos julgamentos e dos recursos, ano após ano, coloca em crise a credibilidade das instituições que será incapaz de sobreviver a tais tempos excessivamente longos”, advertiu.

Para Lucília Gago, o “reforço de meios alocados à investigação criminal — em particular do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária — e cirúrgicas alterações nas leis de processo, capazes de por termo a manobras dilatórias que extravasam largamente o legítimo exercício de direitos processuais, mostram-se ademais cruciais para conferir expressão inequívoca e concretizada à autonomia do MP, restaurar a confiança na capacidade investigatória do Estado e repor com efetividade a paz social sucessivamente abalada pela reiterada violação da lei penal”.

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No final da cerimónia, a PGR precisou aos jornalistas que o que pretendeu afirmar foi que “os responsáveis máximos não podem e não devem ficar indiferentes a um clamor relativamente generalizado (dos cidadãos) a respeito de alguma lentidão e morosidade” da justiça.

Numa outra dimensão, acrescentou, pelos mesmos responsáveis máximos devem ser “estudadas medidas que contrariem essa insatisfação (social)”, porque “em múltiplos casos, o sistema (judiciário) se vem revelando incapaz de punir tempestiva e exemplarmente, não obstante as expectativas comunitárias nele depositadas”.

Na sua intervenção na cerimónia, Lucília Gago aludiu também ao resultado do inquérito realizado aos magistrados em que estes percecionam que a corrupção é hoje um “problema que grassa no seio da própria magistratura”.

“De acordo com um relatório recente da Rede Europeia dos Conselhos de Justiça de que muito se tem falado nos últimos dias, a corrupção é hoje percecionada, por cerca de um quarto dos magistrados judiciais nacionais, como um fenómeno que grassa corrosivamente no seio da própria magistratura”, assinalou.

Face a esta “relevante e preocupante” perceção dos próprios magistrados, a PGR disse que se impõe “apurar se tal convicção está ancorada em dados existentes sobre esse fenómeno criminal que é a corrupção”.

Em declarações aos jornalistas, Lucília Gago acrescentou que, mais uma vez, os responsáveis máximos devem tirar ilações desse estudo/inquérito feito aos magistrados e equacionar eventuais medidas em consonância.

Lucília Gago reiterou ainda aos jornalistas que “a corrupção está longe de se situar nos patamares mínimos que são sempre aqueles que se deve almejar atingir“.

Face à perceção e à realidade que existe em Portugal relativamente à corrupção e ao número de processos, a PGR defendeu que isso “não permite tranquilizar e baixar a guarda no combate” a esse fenómeno criminal.

Francisco Narciso, que foi nomeado para exercer as funções de diretor do DCIAP, por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 11 de maio de 2022, reconheceu aos jornalistas que a sua tarefa “é difícil”, prometendo cumprir as atribuições deste departamento de investigação criminal segundo os mais rigorosos critérios de “legalidade e objetividade” relativamente a “interferências de qualquer espécie”.

A importância das equipas de investigação multifacetadas e a cooperação estreita com os órgãos de polícia criminal foram outros vetores do discurso do novo diretor do DCIAP, que substitui Albano Pinto (que se aposentou) à frente daquele braço do Ministério Público que investiga a corrupção e a criminalidade organizada mais grave, complexa e sofisticada.