Elogios ao presente e avisos para futuro. Em pleno rescaldo do anúncio das medidas do Governo para aliviar as famílias em tempos de inflação, o presidente do PS, Carlos César, elogiou as medidas “ousadas” que o Executivo decidiu adotar, mas deixou uma série de alertas para socialista (e governante) ouvir: se o PS quer preservar a sua maioria, terá de ir ouvindo e respondendo aos anseios da população — incluindo, insistiu, com “sinais políticos” que mostrem que as grandes empresas não podem acumular lucros em plena crise.

Rodeado de ‘jotas’ e não só — a Academia Socialista, que arrancou esta quarta-feira na Batalha, também recebe jovens sem cartão de militante — César quis estabelecer o calendário de desafios que o PS vai enfrentar no futuro próximo: nos próximos anos haverá uma sequência de eleições (regionais, Parlamento Europeu, autárquicas e presidenciais, ainda antes das próximas legislativas) que não devem deixar o partido demasiado confortável com a sua maioria absoluta, porque o PS não tem “legitimidade natural” para governar e manter o ciclo de vitórias depende de “governar bem e ouvir as pessoas”.

E, como César já tinha deixado claro e voltou a reforçar, “governar bem” passará também, no contexto da crise inflacionista, por “continuar a melhorar a resposta para famílias e empresas” — incluindo na taxa em que tem insistido, e que sugeriu que será um assunto a que o Governo está, pelo menos, atento, apesar de António Costa ainda não ter dado sinais nesse sentido.

“Temos de convocar, pela forma que o Governo melhor entender — e na prática estou convencido de que estará identificado — a responsabilidade social da contribuição das empresas mais beneficiadas com este processo inflacionário. É não só justo como necessário”, atirou César.

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Depois, ainda mais claro — e mais duro: “É importante que este sinal seja dado, não só pela arrecadação, mas pelo sinal político em tempos de sacrifícios para a maioria esmagadora das empresas e dos portugueses. Não é justo que fora desse contexto possa haver empresas que lucram fabulosamente com a desgraça dos outros“. Resta saber se Costa concorda, se está alinhado com o presidente do partido e se ainda há espaço para adotar a ideia no próximo Orçamento — ou se a deixará cair.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

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Os recados que deixou, de resto, e fora os muitos elogios à liderança do Governo e de Costa — o Governo procurou as “melhores compensações possíveis”; os portugueses têm tido “falta de confiança na governação da direita”; pacote foi “poderoso e importante contributo para famílias mais fragilizadas” e é uma resposta “ousada no nosso contexto orçamental” — foi de que podem, ou devem, vir aí mais respostas se necessário.

“A tudo isso se poderão ainda somar medidas e apoios no OE2023 e extraordinários que ainda forem tidos como incontornáveis no próximo ano. Teremos de reavaliar em permanência disfunções e desequilíbrios que forem ocorrendo, seja no caso das pensões, seja noutros casos de despesas permanentes das nossas famílias, como na fatura da eletricidade”, explicou. Remate final, dirigido a Costa e companhia: “Era isso que se pedia ao Governo e que se exige do Governo”.

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O caloiro Montenegro (e farpas a Santos Silva?)

Dados os recados para dentro, César dedicou-se a uma das suas atividades preferidas: ‘malhar’ na direita (e q.b. na esquerda). A crise, começou, não deve ajudar “vendedores de facilidades a saldo“, de Bloco de Esquerda e PCP ao novo “líder do PSD”. E foi em Luís Montenegro — segundo César, um “caloiro” que chegou agora ao palco principal da política nacional — que fez questão de se deter mais tempo.

Primeiro, argumentando com o passado passista, recordando os cortes nas pensões ou o alto desemprego na fase da crise — “o que nos podem ensinar hoje já conhecemos do passado e não constitui um ensinamento útil”. Depois, passou ao sarcasmo puro para falar das propostas do PSD para combater os efeitos da inflação:

“Ouvi Montenegro com aquele entusiasmo de caloiro, mas também com aquele ar de quem acabou de descobrir a pólvora, perdendo o sentido do ridículo… foi o primeiro certamente no mundo a propor medidas contra a inflação”, ironizou César. “Como se todos não estivessem a tomar as medidas, divergindo praticamente apenas na intensidade”. Provocando risos entre os ‘caloiros’ da Academia Socialista do PS, César prosseguiu, com o alvo já bem definido no novo líder do PSD.

“O caloiro ainda não estudou o que se está a passar. Ao contrário do PSD, que anunciou primeiro um pacotinho de medidas, se apressou a somar depois mais algumas para não ficar muito atrás, sentimos que estamos a fazer o que é necessário e possível nesta fase. E esse mérito não pode nem deve ser retirado ao PS e ao nosso Governo”, atirou, recordando a sempre presente necessidade de manter as contas certas. “Não se brinca com o Orçamento…”.

Curiosamente, se o outro recado de César não foi dirigido ao interior do PS — e a outro senador do partido –, pelo menos pareceu. Estaria o presidente do PS de mira posta no Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva?

Primeira farpa, numa parte do discurso em que se dedicava a fazer o elogio da democracia e a atacar a “demagogia” e o “extremismo”: “Não se julgue que se combate com sobrevalorização com aqueles que, efémeros, apostam no erro e se satisfazem com a insatisfação. O que temos de ser e representar é sermos os melhores, e não os que mais atacam a direita, extrema-direita“. Isto numa altura em que Santos Silva promove ativamente o seu papel como opositor direto do Chega — o que o tem projetado como possível concorrente a Belém nas eleições de 2026.

A segunda possível farpa teve precisamente a ver com essa corrida, para a qual César também é um nome sempre apontado: falando do “exigente calendário eleitoral” que se segue, disse que o “aviso” a fazer agora é não “colocar o carro à frente dos bois” — “como vejo nas presidenciais”. Coincidência ou não, Santos Silva foi catapultado para essa corrida em poucas semanas, dados os frequentes confrontos com o Chega no Parlamento — uma opção vista com satisfação, mas também com alguma apreensão, dentro do PS.

Como é habitual em César, os recados foram disparados em várias direções. Quando terminou, já com o buffet a ser preparado ao lado, disse a frase que terá aliviado alguns estômagos socialistas. “Percebe-se que, a avaliar por mim, todos já devem ter fome”, gracejou. Estava terminada a aula do professor César.

Pizarro manda Montenegro estudar

Em comum com a intervenção anterior, do eurodeputado Manuel Pizarro — uma das hipóteses apontadas como possível substituto de Marta Temido no ministério da Saúde — teve o ataque à oposição: Pizarro disparou contra a esquerda — “onde há muito populismo e certa saudade de um modelo totalitário de organizar a sociedade” — e mais contra a direita “neoliberal”, mais “agressiva e egoísta” e sem “sinais de modernidade”.

De novo, a recordação dos tempos de crise, de Passos Coelho com Luís Montenegro no papel de líder parlamentar, como arma de arremesso. E referências ao “desespero da direita”, lembrando os cortes nas pensões do tempo da troika para contra-atacar em relação às críticas que o pacote do Governo tem recebido.

Também Pizarro se lembrou do caloiro Montenegro: “Querem mistificar fingindo que aumentar mil milhões já em outubro e voltar a aumentar em 2023 é cortar”, disse, referindo-se às controversas propostas para as pensões que causaram incómodo até dentro do PS. Mas manteve-se no ataque.

“Devíamos convidar Montenegro para assistir a esta academia, a ver se ele aprendia alguma coisa sobre contas. As nossas medidas têm uma marca: correspondem a direitos. Não são medidas vistas como caridade ou caridadezinha”. Palavra de socialista.

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