A Liga, que integra a coligação de extrema direita favorita à vitória nas eleições legislativas de 25 de setembro, continua a ser ´perseguida´ por suspeitas de financiamento russo, mas jornalistas ouvidos pela Lusa consideram improvável o surgimento de provas incriminatórias.
A campanha eleitoral italiana, em que a oposição às sanções europeias à Rússia divide a coligação de extrema direita e o Partido Democrático (esquerda) e aliados, foi abalada nos últimos dias por revelações de fontes anónimas dos serviços de informações norte-americanos, citadas pela imprensa, de que a Rússia desde 2014 aplicou 300 milhões de dólares no financiamento de políticos em mais de 20 países da Europa, África e Sul da Ásia “para tentar influenciar a política local”.
Havendo antigas suspeitas sobre a Liga, o próprio primeiro-ministro cessante, Mario Draghi, disse na sexta-feira feira ter colocado a questão de haver ou não informações sobre italianos envolvidos ao secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que terá dito num telefonema centre ambos que “a Itália não está nessa lista”
De acordo com o “La Repubblica”, principal jornal de centro-esquerda da Itália, as dúvidas permanecem “porque há dois dossiês, um dos quais foi classificado e do qual Blinken não falou”. “Enquanto não houver documentos e provas, parece uma boa mensagem para ser usada contra qualquer pessoa alguns dias antes das eleições e, acima de tudo, é acenada por um quadrante político oposto ao que teoricamente deverá ganhar”, disse à Lusa o vice-diretor do jornal de centro-direita “Il Giornale”, Francesco del Vigo.
Para Del Vigo, este caso “polui a campanha eleitoral porque é prejudicial para toda a política pensar que há partidos que recebem dinheiro do que hoje é uma potência inimiga”.
O Copasir, o órgão parlamentar de monitorização dos serviços secretos, reuniu-se na sexta-feira para discutir as novas revelações e, depois da reunião, o Presidente do Conselho, Mario Draghi veio deixar uma mensagem de “confiança”: “A democracia italiana é forte, não se deixa vencer por inimigos externos, por fantoches contratados”.
Kurt Volker, ex-embaixador dos EUA na NATO, disse ao La Repubblica que “as simpatias pela Rússia da Liga e [Silvio] Berlusconi [do partido Força Itália] eram conhecidas, mas agora o refrão constante, mesmo que não haja uma prova pessoal direta, é que os Irmãos de Itália [de Giorgia Meloni, que integra a coligação] também receberam alguma ajuda”.
Estas palavras enfureceram a Liga, Força Itália e Irmãos de Itália, que ameaçaram com queixas judiciais. Também a formação de Berlusconi acrescentou que “os únicos financiamentos russos que chegaram com certeza aos partidos italianos são os recebidos há décadas pelo Partido Comunista Italiano”.
Depois da reunião do Copasir e das declarações de Draghi, Matteo Salvini, o líder da Liga exigiu mesmo desculpas, pois há “anos que alguma imprensa esquerdista e alguma esquerda vem perseguindo rublos, dólares, francos (…) influências, relações estranhas, interesses económicos”, havendo “zero” casos registados.
Mas a Liga esteve recentemente sob investigação pela sua relação com o Kremlin. O Ministério Público de Milão abriu em 2019 uma investigação que envolveu Gianluca Savoini, ex-porta-voz de Matteo Salvini, que terá negociado num hotel de Moscovo para obter fundos através da venda de petróleo.
De acordo com a acusação, os fundos teriam como destino a Liga, mas Salvini alegou que o seu ex-porta-voz não falou em nome do partido, mas fez negócios por conta própria. Segundo Paolo Biondani, jornalista que assinou as investigações sobre Savoini para a revista semanal Espresso, “é certo que o regime de [Vladimir] Putin e os oligarcas têm uma enorme quantidade de dinheiro depositada em contas ‘offshore’, e para eles não seria um problema financiar partidos fora do país”.
Segundo Biondani, as notícias “vagas” vindas agora dos Estados Unidos podem ser “um alerta para os partidos que vão ganhar as eleições, para que possam decidir com clareza que lado tomar”.
Biondani acrescenta que uma coisa importante é verificar quais sãos as fontes desses documentos. “Se a fonte forem documentos da Fincen [agência norte-americana que vigia transações mundiais em dólares] e eles têm transferências bancárias, isso significaria que a notícia é muito significativa, que eles já têm os beneficiários. Se, pelo contrário, o departamento se basear em fontes da CIA, talvez informadores secretos, duvido que surjam provas”.
Há poucas semanas, o Partido Democratico acusou a Liga de fazer “propaganda russa”, quando Salvini pediu durante um importante fórum econômico italiano, que “as sanções contra a Rússia fossem repensadas, porque também prejudicam a Itália”.
De acordo com Del Vigo, esse pedido “não é de forma alguma uma maneira de fazer um favor aos russos”, mas sim à economia italiana. “Eu não faria uma conexão entre essas posições de Salvini e as notícias vindas dos Estados Unidos. As sanções estão a prejudicar o que já foi o eleitorado de Salvini, ou seja, os empresários do Nordeste. Pensar em sanções foi uma forma de o líder da Liga se reconectar com aquele eleitorado que, segundo as últimas sondagens, se encaminhou para Meloni”, acrescentou Del Vigo.
As sanções à Rússia colocam em pólos opostos a direita e a esquerda, tendo o próprio Draghi criticado na sexta-feira as ideias de Salvini sobre o assunto.
“O governo não concorda com isso” disse Draghi em resposta a uma pergunta sobre a eficácia das sanções à Rússia. “As sanções funcionam, a propaganda russa tentou provar o contrário, mas não é verdade, senão não poderíamos perceber o comportamento recente de Putin. Devemos continuar nessa frente”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros cessante, Luigi Di Maio, pediu a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito sobre as relações entre os partidos e a Rússia – depois de ele próprio vir declarar que nunca recebeu fundos de Moscovo enquanto liderou o Movimento 5 Estrelas, também na corrida às eleições deste mês.