Dois anos depois dos incêndios que atingiram o campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, não se sabe ao certo quantos migrantes Portugal acolheu. Foi a 9 de setembro de 2020 que aquele que era o maior campo de refugiados da Europa ficou destruído, deixando desalojadas cerca de 13 mil pessoas. Pouco depois, o Governo disponibilizou-se para receber refugiados, ao abrigo de acordos europeus. Mas, dois anos volvidos, os dados são incertos.

O Observador questionou o Ministério da Administração Interna para perceber quantos refugiados do campo de Moria o Governo acolheu. A tutela de José Luís Carneiro remete para a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares. Por sua vez, o gabinete de Ana Catarina Mendes remete de volta para o Ministério da Administração Interna. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras também remete para Governo.

Já o Alto Comissariado para as Migrações fornece alguns dados sobre o acordo Acordo Bilateral Portugal-Grécia, mas não detalha ao certo quantos — ou se há — refugiados acolhidos provenientes do campo de Moria. “No âmbito da Recolocação Voluntária de Crianças e Jovens Estrangeiros Não Acompanhados, Portugal manifestou disponibilidade em acolher 500 crianças e jovens, dos quais foram acolhidos até ao momento 273 provenientes da Grécia. Por decisão da Comissão Europeia, o programa foi alargado pelo que ainda se encontra em curso”, lê-se na resposta enviada ao Observador. Já no âmbito do Projeto-Piloto previsto neste mesmo acordo, “o acolhimento de 100 cidadãos recolocados foi integralmente cumprido”.

Milhares de refugiados do campo grego de Moria expostos ao mau tempo após incêndio

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Apenas o gabinete da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações enviou, por escrito, uma resposta sobre o acompanhamento que é dado a estes refugiados em Portugal: “No caso dos cidadãos provenientes da Grécia, o modelo de acolhimento para Requerentes e Beneficiários de Proteção Internacional é semelhante ao de todos os cidadãos que se encontram em Portugal ao abrigo dos programas de proteção internacional promovidos e apoiados pela UE. O modelo de acolhimento é descentralizado, envolvendo municípios e entidades da sociedade civil que asseguram os diferentes aspetos do acolhimento e integração num período de 18 meses, incluindo: alojamento, aprendizagem da língua portuguesa, acesso à educação, saúde, formação profissional e emprego, regularização da sua situação legal, entre outras dimensões. Aqui incluindo-se a renda e as despesas da habitação durante o período indicado”.

Continua assim por esclarecer, ao certo, quantos refugiados do campo de Moria o Governo português acolheu nestes dois anos.

Portuguesa a trabalhar no campo: “Governo grego aumentou retórica agressiva para refugiados”

Há exatamente dois anos, Inês Avelãs trabalhava no campo de refugiados de Moria como voluntária, ao serviço da organização não-governamental Fenix. Hoje continua no terreno ao serviço da mesma ONG, mas enquanto coordenadora da equipa de advocacia. Ao Observador, explica que, depois do incêndio, foi aberto um novo campo. “As condições melhoraram, mas há problemas que continuam”, resume.

Na altura dos incêndios, estavam na ilha entre 12 a 13 mil pessoas. Hoje, temos pouco mais de 1.000. Há também uma aparente melhoria da realidade material: há um melhor saneamento e temos mais geradores. Mas, se olharmos para além dessas questões, a situação mantém-se igual ou piorou. Há retornos ilegais realizados pelas autoridades gregas e temos vindo a ver desde 2020 sucessivas alterações legislativas que levam a uma maior restrição dos direitos destes cidadãos a terem acesso a um processo de asilo justo”, explica Inês Avelãs.

A responsável alerta que a atitude do governo grego face ao refugiados também piorou: “Tem havido um aumento da retórica agressiva, não só face a refugiados, como também a organizações não-governamentais”.

Ao Observador, Inês Avelãs confessa ainda que sentiu “frustração” ao ver a forma como a União Europeia abriu as portas aos refugiados ucranianos, que fugiram da guerra.

Por um lado, fico orgulhosa pelo facto de a Europa ter sabido dar uma resposta. Mas, ao mesmo tempo, há um sentimento de grande frustração ao verificar que a vontade política — por razões racistas e xenófobas — é a principal razão pela qual noutros momentos não se fez melhor. Eu vejo todos os dias aqui no campo a diferença de tratamento face a pessoas que vêm da Ucrânia e face a pessoas que vêm de outras partes do mundo”, lamenta.

A coordenadora adianta que está a ser construído um novo campo, “a cerca de 40 quilómetros” do local onde ficava o campo de Moria, “num sítio completamente isolado”. “E vai ficar numa zona de alto risco de incêndio porque fica no meio de uma floresta”, alerta.

Em 2020, o incêndio deflagrou depois de 35 requerentes de asilo que tiveram resultado positivo no teste de Covid-19 terem recusado ser transferidos para um centro de isolamento. A partir desse momento, começaram os confrontos entre os refugiados, tendo alguns começado a atear fogos, tanto no interior do recinto como no olival que rodeia o campo. Foi o que explicou na altura o autarca de Moria. Por causa dos ventos fortes, as chamas espalharam-se rapidamente e destruíram quase tudo, especialmente contentores e tendas. Ninguém morreu.

Mais tarde, em janeiro de 2021, quatro jovens afegãos acusados de atearem fogo ao campo de refugiados de Moria, em Lesbos, foram condenados a 10 anos de prisão por um tribunal grego.

Quatro jovens afegãos condenados a 10 anos de prisão por incêndios no campo de Moria

Plataforma de Apoio aos Refugiados pede mais mecanismos europeus

O coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados, André Costa Jorge, defende o estabelecimento de mais mecanismos europeus para o apoios aos refugiados, principalmente na Grécia.

A Grécia é um dos países de fronteira da UE e, por isso, tem maior pressão para o acolhimento. Continuam a lá chegar migrantes e refugiados. é necessário mecanismos de solidariedade dentro da Europa para aliviar a pressão desta região”, defende.

Em declarações ao Observador, o coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados garante ainda que a entidade está sempre disponível para acompanhar estes migrantes no momento da chegada a Portugal.