artigo atualizado às 21h

É uma “crise humanitária sem precedentes”, segundo o ministro grego das Migrações. Vários incêndios deflagraram às primeiras horas desta madrugada, de terça para quarta, no maior campo de refugiados da Grécia (e da Europa), em Moria, na ilha de Lesbos, levando milhares de pessoas a fugir e a espalharem-se pela ilha sem nada. Depois de terem sido dados por controlados os primeiros incêndios, que o governo acredita não terem sido acidentais por terem ocorrido depois do anúncio da existência de pessoas infetadas com Covid-19, teve lugar uma nova explosão — nem 24 horas tinham passado desde os primeiros fogos. Não há mortos nem feridos graves: um “milagre”.

De acordo com as autoridades locais, os bombeiros tiveram muitos problemas para combater o primeiro fogo durante a madrugada, não só porque ocorreram várias explosões, mas porque grupos de refugiados os atacaram com pedras, informou a imprensa grega. Até agora não há informação de vítimas, numa altura em que os bombeiros continuam sem conseguir aceder a todas as tendas e contentores de alojamento.

Com o Governo grego a declarar estado de emergência na ilha de Lesbos, a escalada de destruição aumenta a cada hora e o ministro das Migrações, Giorgos Koumoutsakos, já admitiu aos jornalistas tratar-se de uma “crise humanitária sem precedentes”. “Neste momento, o centro de receção de refugiados está completamente destruído e, como resultado disso, milhares de pessoas estão sem abrigo”, disse.

[Fabiana Faria está em Lesbos e relata a situação caótica que se está a viver. Ouça aqui]

O relato de uma portuguesa no campo de refugiados de Moria: “Situação é de caos total e absoluto”

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“O fogo alastrou dentro e fora do campo e destruiu-o. Há mais de 12 mil migrantes a serem vigiados pela polícia numa auto-estrada”, disse o presidente da câmara da principal cidade da ilha, Mylinene, à rádio privada Skai, citado pela agência de notícias Associated Press (AP). “É uma situação muito difícil, porque alguns dos que estão no exterior incluem pessoas que são positivas [em relação ao coronavírus]”, acrescentou o autarca Stratos Kytelis.

Segundo os bombeiros, citados pela agência de notícias France-Presse (AFP), “os fogos espalhados no prado à volta do campo, mas também dentro da estrutura”, mobilizaram 25 operacionais e 10 veículos no acampamento, que alberga atualmente cerca de 12.700 requerentes de asilo, incluindo 4 mil crianças, quatro vezes a sua capacidade.

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O incêndio foi detetado depois de ter sido anunciado que 35 pessoas do campo tinham obtido resultado positivo no teste para deteção da infeção da covid-1

Um fotógrafo da agência de notícias France-Presse (AFP) no local relatou que “quase todo o campo está em chamas, tanto no interior como nas tendas no exterior do olival”.

Os requerentes de asilo fogem do campo a pé em direção ao porto de Mytilene, mas são bloqueados por veículos das forças da lei”, acrescentou a mesma fonte.

Uma associação de locais e refugiados, a Stand by Me Lesvos, escreveu na rede social Twitter: “Tudo está a arder, as pessoas estão a fugir”. “Há relatos de que os habitantes locais estão a bloquear a passagem [de refugiados] para a localidade vizinha”, acrescentou a associação.

A AP confirmou ainda que a polícia de choque foi destacada em redor do campo e ao longo da rota de cinco quilómetros até Mitilene, num aparente esforço para impedir os migrantes de chegarem ao porto.

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O fogo alastrou dentro e fora do campo e destruiu-o

O incêndio foi detetado depois de ter sido anunciado que 35 pessoas do campo tinham obtido resultado positivo no teste para deteção da infeção da covid-19 e que iriam ser transferidas para uma área especial de isolamento. Segundo Stelio Petsas, porta-voz do governo grego, o incêndio “não foi acidental”, já que ocorreu imediatamente a seguir a este anúncio e em diferentes partes do campo de refugiados.

Quarentena já tem uma semana.

O campo está em quarentena já há uma semana, depois de ter sido detetado o primeiro caso de Covid-19 num somali de 40 anos que já tinha obtido o estatuto de refugiado e que, em agosto, esteve em Atenas à procura de emprego. As autoridades sanitárias afirmaram na terça-feira que diagnosticaram 35 casos de Covid-19 até à data, após uma grande campanha de testes nas instalações sobrelotadas.

No país encontram-se mais de 24 mil requerentes de asilo, que permanecem em instalações insalubres e lotadas. Os principais campos de refugiados estão montados em cinco ilhas do Mar Egeu. De acordo com as autoridades, os refugiados que chegam à Grécia são sujeitos a uma “quarentena” em “estruturas separadas” para que seja evitada a propagação do coronavírus SARS CoV-2.

Até ao momento não se registou qualquer óbito por Covid-19 nos campos de refugiados da Grécia.

Grécia declara estado de emergência

Entretanto, o Governo grego anunciou que vai declarar estado de emergência na ilha de Lesbos, na sequência do incêndio. As autoridades decidiram ainda proibir todas as pessoas que vivam em Moria de deixar a ilha para evitar uma possível disseminação do vírus. O porta-voz do Governo grego garantiu que será dada “atenção imediata” para permitir abrigar todos os moradores do campo e que os mais vulneráveis terão atenção especial.

A comissária europeia do Interior, Ylva Johansson, anunciou também esta quarta-feira de manhã que a Comissão Europeia irá financiar a transferência e alojamento para a parte continental da Grécia dos 400 menores não acompanhados que permanecem no campo de refugiados de Moria. “Já concordei em financiar a deslocação imediata e o alojamento no continente das 400 crianças e adolescentes desacompanhados que permanecem [no campo]. A prioridade é dar segurança e abrigo a todas as pessoas de Moria”, disse a comissária, numa mensagem divulgada na rede social Twitter.

Imagens em direto transmitidas pela televisão pública grega ERT mostram como muitos refugiados, incluindo crianças, estão esta manhã a circular no campo à procura dos seus pertences, sem serem impedidos por ninguém, apesar de, em alguns pontos, ainda existirem pequenas chamas e de as temperaturas dos objetos carbonizados continuarem muito altas.

Vários ministros decidiram ir à ilha para inspecionar o local e espera-se que medidas imediatas sejam anunciadas esta tarde. Milhares de pessoas fugiram do campo assim que começaram os incêndios e tentaram dirigir-se à capital da ilha, Mitilene, localizada a cerca de sete quilómetros de Moria, mas as autoridades da ilha mobilizaram uma forte força policial que bloqueou a estrada de acesso.

Esta manhã, três esquadrões da polícia de choque partiram de Atenas para reforçar as forças de segurança no local.

UE mostra solidariedade e disponibiliza apoio para Lesbos após fogo

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, manifestou esta quarta-feira “solidariedade total” com a ilha grega de Lesbos, na sequência do incêndio no campo de refugiados de Moria, garantindo que a União Europeia (UE) está “pronta a mobilizar apoio”. “Os meus pensamentos estão com todos os que foram colocados em perigo no campo de migrantes de Moria”, declarou Charles Michel numa publicação feita na rede social Twitter.

Na mensagem, o responsável manifestou “solidariedade total” da UE para “com o povo de Lesbos que oferece abrigo, os migrantes e os funcionários”. “Estamos em contacto com as autoridades gregas e prontos a mobilizar apoio”, escreveu na rede social.

Amnistia critica a União Europeia e exige ação

A Amnistia Internacional exigiu esta quarta-feira uma ação europeia imediata face a “emergência humanitária” no campo de refugiados de Moria, atribuindo às “políticas imprudentes” da União Europeia o desencadear da atual situação.

“As políticas imprudentes da União Europeia (UE) levaram a condições de vida perigosamente sobrelotadas e miseráveis, com o campo [de Moria] a acolher mais do quádruplo [de pessoas] da sua capacidade prevista”, afirmou a investigadora de Amnistia Internacional (AI) Adriana Tidona, numa reação ao incêndio.

Numa nota enviada às redações, a investigadora da AI para a área das Migrações defendeu que as autoridades gregas, a UE e os Estados-membros do bloco comunitário “devem agir imediatamente para garantir a segurança de todas as pessoas afetadas”. Entre as medidas necessárias deve “aumentar os esforços de realocação” e “transferir as pessoas para alojamentos mais seguros”, uma vez que isso “é agora mais urgente do que nunca”, afirma.

Existe neste momento uma emergência humanitária em Lesbos. Durante a noite, quase 13.000 pessoas no campo de refugiados de Moria perderam o escasso abrigo e saneamento que tinham. Já tinham suportado deixar as suas vidas, casas e bens quando fugiram para a Europa. Agora, este incêndio destruiu provavelmente tudo o que lhes restava, incluindo documentos essenciais, artigos pessoais e medicamentos”, prosseguiu a representante.

Adriana Tidona reforçou: “Quando a UE lançar o seu novo Pacto sobre Migração e Asilo, deve ter em conta que a sua política atual para os campos de refugiados fracassou”.

A investigadora da AI também mencionou que este incêndio ocorreu numa altura em que casos da doença Covid-19 foram detetados naquele campo de processamento e de acolhimento para migrantes e refugiados, também conhecidos como hotspots.

“Esta tragédia acontece depois de pelo menos 35 requerentes de asilo terem testado positivo à Covid-19 em Moria, onde o distanciamento social é impossível e o saneamento básico é inadequado”, afirmou Adriana Tidona.

A investigadora ainda criticou a estratégia adotada pelo governo da Grécia no campo de refugiados de Moria.

“O governo grego reagiu e colocou todo o campo em quarentena, (…) essa medida não deveria ter sido aplicada, devido às difíceis condições de vida dos residentes”, disse a representante, concluindo que os direitos básicos destas pessoas ficaram “bastante afetados”.

Ministro grego responsabiliza requerentes de asilo

O ministro das Migrações grego, Notis Mitarakis, disse esta quarta-feira que o incêndio foi desencadeado por incidentes provocados por requerentes de asilo que protestavam contra quarentena.

“Diversos incidentes ocorreram no campo durante a noite de terça para quarta-feira (…). Os incidentes em Moria eclodiram quando os requerentes de asilo protestavam contra a quarentena” imposta naquele campo de processamento e de acolhimento para migrantes e refugiados,  disse o ministro helénico, durante uma conferência de imprensa em Lesbos, garantindo que não há registo de “feridos graves”.

Notis Mitarakis assegurou ainda que “fenómenos de delinquência como aqueles que foram vividos ontem [terça-feira] não ficarão impunes”.

Ainda na conferência de imprensa na ilha de Lesbos (no mar Egeu), Notis Mitarakis informou que o governo grego vai disponibilizar um ferry e duas embarcações da Marinha helénica para acomodar quase mil dos cerca de 3.500 refugiados que ficaram desalojados na sequência do incêndio, principalmente pessoas que integram grupos classificados como mais vulneráveis.

O ministro precisou que o ferry vai chegar à ilha de Lesbos hoje à noite, enquanto as duas embarcações da Marinha deverão chegar na quinta-feira. As restantes pessoas serão instaladas em tendas que foram transferidas de outras ilhas gregas.

UNICEF criou abrigo de emergência para acolher crianças

A UNICEF está “profundamente solidária” e “disponível para apoiar mais de 4.000 crianças” depois do incêndio no campo de refugiados de Moria, tendo transformado um centro de apoio próximo do local num abrigo de emergência.

A UNICEF está profundamente solidária com os refugiados e migrantes afetados pelo incêndio no campo de Moria, na Grécia, e está disponível para apoiar na resposta às necessidades urgentes de mais de 4.000 crianças, em particular das 407 crianças não acompanhadas e extremamente vulneráveis”, referiu a organização em comunicado enviado esta quarta-feira.

“Transformámos o Centro de Apoio à Criança e à Família da UNICEF de Tapuat, próximo do campo de Moria, num abrigo de emergência. Este campo está disponível para receber e acomodar temporariamente as pessoas mais vulneráveis, incluindo crianças não acompanhadas, mulheres grávidas e outras com necessidades específicas, até que sejam encontradas alternativas. Mais de 150 crianças não acompanhadas já se encontram neste centro”, pode ler-se na nota.

A UNICEF sublinhou ainda que a prioridade é “garantir a segurança e a proteção das crianças” em coordenação com o governo grego e reforçou a importância de um Pacto da União Europeia para as Migrações.

Notícia atualizada às 21h com a informação de que um novo fogo deflagrou esta tarde, quando as primeiras explosões já estavam a ficar controladas