No sistema estelar HD 23472 coabitam não duas super-terras, como se pensava inicialmente, mas três e ainda dois potenciais super-mercúrios, de acordo com uma equipa internacional liderada por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), em Portugal. Confuso?! Vamos por partes.
HD 23472 é o nome de código para estrela anã do tipo k — que ainda não recebeu um nome mais bonito e fácil de lembrar. Esta estrela alaranjada tem cerca de 67% da massa do nosso Sol e está a 127,5 anos-luz de distância — dito de outra forma, mais de 1.200 biliões de quilómetros do sistema solar. Além de não ser visível a olho nu, também só pode ser vista por quem se encontre no hemisfério sul — neste caso, foi estudada a partir do Observatório Europeu do Sul, instalado no Chile.
Esta anã laranja teria pouco para contar, não fosse o facto de estar no centro de um sistema estelar com três super-terras e dois super-mercúrios. O que é que isto tem de interessante? Se um super-mercúrio já é difícil de encontrar, dois na mesma estrela é inédito, lembra o IA em comunicado de imprensa. Vale a pena dizer que antes destes dois super-mercúrios, só eram conhecidos outros seis.
Mais, as super-terras estão dentro da zona habitável da estrela — ou seja, onde se podem criar condições favoráveis ao desenvolvimento de vida como a conhecemos na Terra (por exemplo, como o potencial para terem água no estado líquido). Os exoplanetas dentro da zona habitável das estrelas são um dos alvos preferidos dos cientistas do espaço, tal o desejo de encontrar vida, por mais simples que seja, noutro planeta.
A equipa descobriu que o sistema tem três super-terras com uma atmosfera significativa e, surpreendentemente, dois super-mercúrios, que são também os planetas mais próximos da estrela”, disse Susana Barros, investigadora na unidade do IA na Universidade do Porto.
Num sistema estelar, tal como no nosso próprio sistema solar, somos todos feitos de pó de estrelas (literalmente), ou seja, a composição dos planetas (e do que neles existe) está relacionada com a composição da estrela porque se formaram a partir dos mesmos materiais iniciais (rochas, poeiras e elementos químicos). Assim, o objetivo dos investigadores era estudar a composição dos planetas em função da sua distância à estrela-mãe (logo, também em função da temperatura).
As três super-terras, mais distantes da estrela, têm atmosferas bem definidas, mas o mais surpreendente deste quinteto é que a super-terra mais próxima da estrela e os dois super-mercúrios (ainda mais próximos) estão entre os exoplanetas com a massa mais pequena alguma vez identificados. Quanto mais pequena a massa, mais difíceis são de observar, daí que seja também surpreendente terem encontrado, num mesmo sistema, dois super-mercúrios. Ou, com mais rigor, dois exoplanetas que podem ser super-mercúrios, mas são precisos mais dados para o confirmar, como o descreveram no artigo científico publicado na Astronomy & Astrophysics.
A que distância estão os cinco planetas?
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- O planeta HD 23472 d é o que se encontra mais próximo, a cerca de 6 milhões de quilómetros da estrela-mãe e demora quatro dias a completar a órbita.
- O planeta HD 23472 e é aquele com a maior distância conhecida, cerca de 102 milhões de quilómetros, mas com uma órbita (relativamente rápida) de 7,9 dias.
- Para o planeta HD 23472 f não é conhecida a distância, mas completa a lista dos que têm a menor massa e demora 12,2 dias a dar a volta completa à estrela-mãe.
- O planeta HD 23472 b, o maior de todos (18 vezes a massa da Terra), está a uma distância de cerca de 18 milhões de quilómetros da estrela-mãe e leva 17,7 dias a contorná-la.
- O planeta HD 23472 c é o que demora mais tempo a completar uma órbita (29,8 dias) e está a cerca de 24 milhões de quilómetros.
Para fornecer um termo de comparação: a Terra encontra-se a 150 milhões de quilómetros do Sol.
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Esta associação ao primeiro planeta do sistema solar, o que se encontra mais próximo do Sol, está relacionada não só com a massa e distância à estrela-mãe, mas sobretudo com o facto de estes planetas terem núcleos comparativamente maiores e mantos mais pequenos que os restantes planetas. Ou seja, um planeta rochoso como a Terra ou Mercúrio tem, de dentro para fora, um núcleo denso, um manto fluído (onde tem origem o magma) e uma crosta mais ou menos rígida (como aquela que pisamos) — mas no caso de Mercúrio o tamanho relativo do núcleo é maior.
Porque é que isto aconteceu é uma das grandes questões sobre o nosso próprio Mercúrio. Algumas teorias apontam para uma colisão tão forte que teria arrancado parte do manto da esfera do planeta. Mas a presença de dois mercúrios num mesmo sistema deixa mais longe de ser a melhor explicação. “Se um impacto grande o suficiente para criar um super-mercúrio, já é bastante improvável, dois desses impactos são praticamente impossíveis”, comentou Susana Barros.
Continuamos sem saber como este tipo de planetas se forma, mas parece estar relacionado com a composição da estrela-mãe. Este sistema pode-nos ajudar a descobrir”, concluiu a investigadora do IA.
Com planetas tão pequenos não será fácil analisar a sua composição com os equipamentos atuais. “Como estes planetas têm diâmetros menores do que a Terra, os instrumentos atuais não têm resolução suficiente para medir a composição da superfície, ou até a existência de uma potencial atmosfera”, disse Olivier Demangeon, investigador no IA da Universidade do Porto.
A esperança está depositada no futuro telescópio ELT (Extremely Large Telescope) e nos equipamentos acoplados que “irão ter, pela primeira vez, tanto a sensibilidade, como a precisão necessárias para tentarmos fazer essas observações”, esclareceu o investigador.