Aníbal Cavaco Silva volta ao ataque. Já depois de ter desafiado António Costa a “fazer mais e melhor do que ele”, o antigo Presidente da República aproveitou os seis meses de Governo socialista para acusar o primeiro-ministro de estar à frente de um Executivo “desarticulado e desorientado de ministros desgastados, sem rumo, sem ambição e vontade reformista, um governo à deriva navegando à vista”.
Num artigo de opinião no jornal “Público” (“Ajudar o Governo a encontrar o rumo certo”), Cavaco Silva insta Costa a arrepiar caminho e a mudar de estratégia rapidamente. “É do interesse coletivo que ocorra com urgência uma mudança de atitude do Governo do PS, na medida em que se prevê que se mantenha em funções até 2026. A possibilidade de essa mudança se verificar depende muito do primeiro-ministro e do Conselho de Ministros. A sua ação é decisiva para a qualidade da governação”, argumenta o antigo o primeiro-ministro.
“No entanto, há hoje o receio de que os comportamentos politicamente reprováveis de alguns membros do Governo que, a par do caos no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, têm marcado a vida do executivo, possam tolher a ação do primeiro-ministro e do Conselho de Ministros e acentuar a sua tendência para a inércia”, escreve Cavaco Silva.
De resto, o antecessor de Marcelo Rebelo de Sousa não deixa de falar diretamente sobre dois casos em particular: o folhetim em torno de Pedro Nuno Santos e as declarações da ministra da Agricultura sobre a Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP). No primeiro caso, aliás, Cavaco chega mesmo a dizer que Costa não tinha outro remédio a não ser demitir o ministro.
“Quem já exerceu essa função sabe que o primeiro-ministro não podia deixar de demitir o ministro. Ao não fazê-lo, evidenciou falta de força política – a razão é ainda uma incógnita –, pondo em causa a sua autoridade e, ao mesmo tempo, atingindo a credibilidade do Conselho de Ministros e o respeito pela colegialidade que o deve caracterizar. O ministro, por sua vez, saiu inequivocamente reforçado como candidato à sucessão do primeiro-ministro como líder do PS”, sublinha.
Já esta sexta-feira, Pedro Nuno Santos reagiu às críticas tecidas pelo antigo Presidente da República: não só considerou “uma injustiça” as palavras de Cavaco Silva, como apontou o dedo ao social-democrata pelo “desinvestimento” na ferrovia quando era primeiro-ministro. “Na segunda parte dos anos 80 e na primeira dos anos 90, o governo desinvestiu na ferrovia. Agora estamos a fazer uma reforma profunda estrutural para recuperar anos de atraso. Esses 10 anos foram tremendamente negativos para a ferrovia“, considerou Pedro Nuno Santos em Arruda dos Vinhos.
Sobre as declarações da ministra Maria do Céu Antunes, Cavaco Silva é igualmente duro: “As palavras proferidas pela ministra da Agricultura não podem deixar de refletir uma convicção enraizada na sua mente de que os apoios financeiros do Governo ao setor privado devem ser orientados prioritariamente para os apoiantes do PS e para aqueles que se abstêm de criticar o executivo. É razoável presumir que uma tal convicção só pode resultar da cultura política por ela apreendida nas reuniões do Conselho de Ministros.”
Segundo Cavaco Silva, se o Governo persistir neste rumo, pincelado pela “arbitrariedade e abuso do poder” e despido de uma “estratégia reformista indispensável”, não vale a pena ter “ilusões“: “Portugal continuará a ser um país de salários baixos e classe média empobrecida em que os jovens qualificados e empreendedores fogem para o estrangeiro. Se assim for, no final da década a imprensa continuará a lamentar que Portugal seja um dos países da União Europeia com maior risco de pobreza ou exclusão social, como aconteceu há duas semanas”.
Num apelo indireto a Luís Montenegro, que horas antes da publicação deste artigo tinha feito um discurso muito semelhante no Conselho Nacional do PSD, o antigo Presidente da República pede à oposição que aja “através de propostas consentâneas com aquele objetivo e de um escrutínio intenso do Governo, denunciando erros, omissões, mentiras e a prática do PS de vetar a chamada de ministros às comissões parlamentares”.
Artigo atualizado às 13h de sexta-feira, 30 de setembro, para acrescentar a reação do ministro Pedro Nuno Santos às críticas de Aníbal Cavaco Silva.