O líder supremo do Afeganistão, Hibatullah Akhundzada, deu ordens para que a lei islâmica — a sharia — seja integralmente aplicada no país, incluindo as punições físicas que passam pelas execuções públicas, os apedrejamentos, o corte de mãos e as chicotadas.

A aplicação radical da sharia faz o Afeganistão regressar formalmente ao período em que os talibãs governaram o país, entre 1996 e 2001. No verão de 2021, depois de recapturarem o controlo do Afeganistão na sequência da retirada militar dos EUA, os talibãs prometeram aplicar uma versão moderada da lei islâmica e manter os direitos e as liberdades conquistadas pelas mulheres nas últimas duas décadas de transição democrática.

Mais de um ano depois da tomada de controlo do Afeganistão, os talibãs têm vindo a endurecer a sua posição quanto à lei islâmica: já obrigaram, por exemplo, as apresentadoras de televisão a cobrir o rosto e, mais recentemente, proibiram as mulheres de entrar em parques, feiras e jardins. As mulheres estão também proibidas de fazer viagens longas sem um homem — e, naquilo que é considerada a medida mais repressiva dos talibãs, as escolas e universidades continuam interditas às meninas e raparigas.

Agora, o governo dos talibãs dá mais um passo em frente e volta a implementar a sharia na íntegra, incluindo um conjunto de punições físicas que não estavam a ser praticadas. A informação foi avançada pelo porta-voz do governo dos talibãs, Zabihullah Mujahid.

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Afeganistão. Talibãs ordenam que apresentadoras de televisão cubram o rosto

Através do Twitter, Mujahid explicou que o líder supremo do Afeganistão esteve reunido com um conjunto de juízes e determinou, nesse encontro, que a lei deve ser aplicada sem exceções. “Investiguem os casos de roubo, rapto e sedição de modo correto”, determinou Hibatullah Akhundzada aos juízes. “Nos casos que cumprirem os requisitos da sharia para a limitação e retribuição, estão obrigados a emitir a limitação e retribuição, porque essa é a ordem da sharia, e a minha ordem, e é obrigatório agir.”

Mujahid referia-se concretamente aos casos de hadad e de qisas, termos da lei islâmica que dizem respeito às punições corporais.

Como explica o jornal The Guardian, o conceito de hadad diz respeito a crimes com punições concretas, como o adultério, o consumo de álcool, o roubo, o rapto, a apostasia e a rebelião. Entre as punições encontram-se práticas como o corte de membros. Já o conceito de qisas refere-se a crimes cuja punição é uma retaliação na mesma medida: a agressão e o homicídio, por exemplo.

No caso dos crimes que caem sob a definição de qisas, a família da vítima pode aceitar uma compensação, por exemplo monetária, em troca da pena, poupando a vida ao condenado.

A origem dos talibãs remonta ao final da década de 1970, entre a população rural e as tribos pachtuns do Afeganistão, que se insurgiu contra as ideias comunistas implementadas na sequência da revolução comunista de 1978, com apoio da União Soviética. Inicialmente conhecidos como mujahideen, ou “defensores da fé”, estes guerreiros islâmicos lutaram contra a União Soviética e, durante uma década, foram financiados e treinados pelos Estados Unidos.

No início da década de 1990, na sequência da guerra civil, surgiu na cidade de Kandahar, no sul do país, o movimento talibã, que defendia a aplicação estrita da sharia. Em 1996, o movimento obteve o controlo do país e implementou um regime brutal, opressor das mulheres e baseado na interpretação literal do Alcorão.

Foi nesse Afeganistão que Osama bin Laden encontrou refúgio, orquestrando o atentado de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque. Na sequência do atentado, os EUA invadiram o Afeganistão, derrubaram o poder dos talibãs e impuseram um novo regime.

Como em apenas três meses os talibãs conseguiram entrar em Cabul e derrubar o governo afegão

Os EUA mantiveram uma presença militar no Afeganistão durante duas décadas, adiando durante vários anos a retirada do país. Essa retirada foi negociada entre a administração Trump e os talibãs — e concretizada no verão de 2021 pela administração Biden.

Na sequência da retirada norte-americana, os talibãs tomaram o controlo de todo o país em menos de dois meses, derrotando rapidamente as forças armadas afegãs, que não tiveram capacidade de resistir aos avanços dos fundamentalistas islâmicos.