O diretor da Faculdade de Letras de Lisboa explicou esta segunda-feira o porquê de a polícia ter sido chamada a intervir relativamente aos ativistas ambientais e afirma que a faculdade, como comunidade autónoma, não pode revolver as suas principais reivindicações.
Na noite de sexta-feira, quatro ativistas foram detidos pela PSP na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) por recusarem a ordem de sair das instalações, onde três deles chegaram mesmo a colar as mãos ao chão, na sequência de uma semana de ocupações de várias escolas em protesto contra a continuação dos combustíveis fósseis e a pedir a demissão do ministro da Economia, António Costa e Silva.
PSP nega “brutalidade policial” na detenção de ativistas que ocupavam faculdade
Os estudantes e ativistas pelo clima acusam o ministro de não ter preconceitos em projetos de exploração de gás e por ter sido presidente de uma petrolífera.
Na carta esta segunda-feira enviada a professores, alunos e funcionários da instituição, o diretor da FLUL, Miguel Tamen, começa por recordar que durante a semana passada a instituição foi objeto de ações, descritas como de ocupação, por alguns ativistas ambientais (parte dos quais seus estudantes), cujas ações “perturbaram deliberadamente a realização de aulas, de avaliações, de eventos e a circulação nos espaços”, tendo a direção recebido “várias queixas de docentes, estudantes e funcionários”.
O responsável pela FLUL afirma que durante a semana passada a direção falou “muitas vezes com os ocupantes”, que “nunca recusou fazê-lo”, mas que “conversas foram sempre inconclusivas”, tendo em conta aquilo que era exigido à faculdade, e que os ocupantes se recusaram “a considerar sair antes de todas as suas exigências serem atendidas”.
As suas exigências dividiam-se em três grupos: aquelas que não nos compete satisfazer (por exemplo, a demissão de um ministro ou a redução da utilização de combustíveis fósseis no país); aquelas que podemos considerar satisfazer (por exemplo o aumento de casas de banho sem género marcado); e aquelas que não deveremos nunca, em meu entender, satisfazer (por exemplo o despedimento de professores suspeitos de assédio sem procedimento legal devido, a existência de ações obrigatórias de sensibilização destinadas a professores e funcionários, a criação de unidades curriculares com conteúdos pré-determinados ou a tomada pública de uma posição favorável às suas exigências pelo diretor da Faculdade”, expressa.
Miguel Tamen diz ainda que na sexta-feira à tarde pediu à polícia que retirasse os ocupantes das instalações, solicitação essa que “tem apenas três ou quatro precedentes na escola nos últimos cinquenta anos”, sublinhando que “há uma diferença substancial, e bem-vinda, entre a polícia num estado de direito e a polícia numa ditadura”.
O diretor da FLUL relata que na noite de sexta-feira, 11 polícias retiraram 13 estudantes das instalações, dos quais “nove saíram livremente, [e] três colaram-se ao chão” e um ou ficou com estes, acrescentando que “a polícia retirou os três estudantes das instalações” e que o quarto saiu com este último grupo.
Miguel Tamen testemunha que “a força foi usada de modo proporcional e muito limitado”, vincando: “E foi usada para proteger a nossa autonomia e a nossa liberdade, no respeito estrito da lei”.
“A ideia de que uma comunidade autónoma como a faculdade possa ser ocupada desta maneira é para nós inaceitável”, defende o diretor da faculdade.
Importa-nos a autonomia da universidade, em especial num contexto em que há cada vez menos pessoas interessadas nessa autonomia. É por essa razão que não podemos nem devemos enquanto universidade ser porta-vozes de quaisquer causas: para que toda a gente que faz parte da nossa comunidade possa na sua vida pública ser porta-voz das causas que entender, possa organizar os eventos que entender, e assinar os abaixo-assinados que entender. A Faculdade orgulha-se com razão de ser um espaço de liberdade de expressão, coexistência, e livre-circulação; e eu concordo completamente com estas ideias”, declara Miguel Tamen.
As ocupações, que começaram na passada segunda-feira e que os estudantes já admitiram terminar na terça, coincidem com a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), que decorre em Sharm el-Sheikh, no Egito, até ao próximo dia 18.
Os quatro estudantes e ativistas pelo clima detidos na sexta-feira vão ser julgados dia 29 de novembro após terem recusado esta segunda-feira a suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público, pelos crimes de “desobediência a ordem de dispersão de reunião pública” e “introdução em lugar vedado ao público”.
À saída do tribunal de pequena instância criminal, em Lisboa, Ana Carvalho, uma das ativistas ambientais detida e arguida no processo, revelou que os estudantes tinham sido ouvidos apenas pelo MP, que propôs a suspensão provisória do processo mediante a condição de, durante um determinado período de tempo, não voltarem a cometer o mesmo tipo de crimes relacionados com a ocupação da Faculdade de Letras de Lisboa.