“Em nenhum momento alguns dos intervenientes jamais pensou deixar de aplicar a lei que era desfavorável a Isabel dos Santos”. O relato é de Marcelo Rebelo de Sousa que, falando do BPI, parece colocar-se ao lado de António Costa na polémica que o opõe ao ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa – isto depois de este último ter acusado o primeiro-ministro de ter dito que não se podia “tratar mal a filha de um Presidente de um país amigo”.

Recusando, aos jornalistas, que alguma vez tenha sido posta em causa a defesa “do interesse nacional” – incluindo, portanto, por parte de António Costa – Marcelo Rebelo de Sousa falou do caso do BPI, embora refira que havia estava a ser preparado um acordo que previa que Isabel dos Santos continuasse a ter um banco em Portugal – o BIC – mas “o BCE” não lhe deu idoneidade.

“Ainda foi tentado um acordo com a senhora engenheira, que era ela sair do BPI e assumir uma posição de gestão no EuroBic mas simplesmente o BCE [o Eurossistema, integrado pelo Banco de Portugal] não lhe reconheceu idoneidade”, o que levou a que Isabel dos Santos tenha “rompido o acordo e portanto acabou por avançar a aplicação dura e crua da lei, que lhe era desfavorável”.

Marcelo Rebelo de Sousa diz que “todos” estiveram de acordo – ele próprio, Governo e Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa – em relação ao acordo que retirava Isabel dos Santos do BPI e “assumisse uma posição de gestão no BIC”. Um relato que parece contraditório com aquilo que o próprio António Costa escreveu no SMS polémico – que Carlos Costa tinha tentado impedir Isabel dos Santos de ficar no BIC (e que isso era “inoportuno”).

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Marcelo Rebelo de Sousa diz a respeito do desbloqueio dos estatutos do BPI (em 2016) que teve, desde que assumiu a Presidência da República, “a noção de que ia ser a decisão mais complicada do mandato“. Esse desbloqueio surgiu através do chamado “decreto BPI”, uma legislação que António Costa tem recordado para argumentar que tomou medidas concretas que resolveram problemas na banca e que levaram à saída de Isabel dos Santos do capital de um banco – no caso, o BPI. Com isso, o primeiro-ministro quer afastar a tese, lançada por Carlos Costa, de que o primeiro-ministro quis proteger a angolana no capital de outro banco, o BIC (atual EuroBic).

“Olhando friamente para os acontecimentos, foi uma história que correu bem, no sentido em que o interesse nacional impunha que corresse assim. Sacrificou os interesses de uma particular e acarretou problemas diplomáticos, mas foi o preço da realização do interesse nacional”, afirmou o presidente da República aos jornalistas à margem das comemorações do centenário de José Saramago.

Marcelo destacou mais o BPI e não o EuroBIC – e é sobre esse banco que o SMS de Costa demonstra que considerava “inoportuno” afastar Isabel dos Santos (não do BPI). “É evidente que no BIC [EuroBic atualmente] como noutros bancos, em teoria, não é normal que o Presidente da República acompanhe. É mais normal que o Governo acompanhe, mas não é normal que o Presidente da República acompanhe e intervenha, como eu intervim neste e noutros bancos e que o Governo interviesse tão claramente”, acrescentou.

Era “inoportuno” afastar Isabel dos Santos. Primeiro-ministro envia SMS a Carlos Costa que confirma telefonema sobre EuroBic

Quanto ao BPI, “sendo necessário fazer uma lei, para resolver o problema, é uma situação absolutamente clara, para fazer uma lei é necessário o Governo fazer a lei e o Presidente da República promulgar”. “Só havia um caminho para conseguir alterar a situação, que era de embate e bloqueamento do banco e de posição que não era aceite pelo Banco Central Europeu”, acrescentou.

“A decisão era sempre desfavorável à senhora engenheira Isabel dos Santos e depois de muito ponderar promulguei o diploma um mês e uns dias depois de ter tomado posse. Tive a noção que ia ser uma das questões mais complicadas do meu mandato, como foi, mas tinha de ser”, atirou. “O Banco de Portugal, por si só, não tinha solução”, disse Marcelo, a respeito do BPI.

Além de complicada, esta decisão “teve custos com a própria chefia de Estado angolano”. “Era preciso ser o Governo a assumir responsabilidades. Como era de esperar, houve uma reação negativa e complicou as relações entre Estados. E assim estiveram até ao último dia do mandato de José Eduardo dos Santos“, acrescentou o Presidente da República.

Marcelo Rebelo de Sousa contou então que, quando assumiu o cargo de Presidente da República encontrou este “problema em cima da mesa”, uma vez que o seu antecessor, Cavaco Silva, não quis assinar o decreto que alterava os estatutos do banco por não querer “melindrar o mandato” [seguinte] tão perto do fim.

(Notícia atualizada às 14h52)