O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, reconheceu, em entrevista à Lusa, “insuficiências” na organização interna do partido e advertiu que os militantes não podem ficar à espera que lhes vão bater à porta.
“Nós não podemos continuar a ficar à espera que nos batam à porta”, disse Paulo Raimundo, em entrevista à Lusa, afirmando que a Conferência Nacional do passado fim de semana, em Corroios, teve como objetivo “animar” e incentivar os militantes a “tomar a iniciativa”.
Questionado sobre que “insuficiências” na organização interna foram identificadas, Raimundo referiu em primeiro lugar o recrutamento de novos militantes, frisando que dos dois mil que entraram recentemente a maior parte são “pessoas que dizem “nós queremos aderir””.
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“(…) temos organizações do partido que tem tudo muito organizadinho, com as quotas em dia, tudo organizado, mas com uma desligação ao meio de onde estão. Ou, por exemplo, de que vale uma comissão de freguesia, que tem as quotas em dia, “Avantes!” vendidos, mas depois passa ao lado dos problemas que as pessoas vivem naquela freguesia”, apontou.
“Consideramos que é preciso ir mais longe nas organizações do partido nos locais de trabalho, constatamos que não estamos a cumprir, a fazer o que precisamos de fazer no que, para nós, é uma coisa estratégica que é a ligação aos trabalhadores”, disse.
A pandemia também deixou as suas marcas no PCP, referindo que, apesar de o partido ter organizado um Congresso e uma Festa do Avante! em plena epidemia, notou-se “debilidades” e organizações onde “a capacidade de resposta ficou mais enfraquecida”.
O dirigente do partido referiu que no último congresso, em 2020, havia cerca de 49 mil militantes e que, entretanto, aderiram mais 2.000 pessoas, mas não revelou quantas saíram e qual é a contabilização atual.
Sobre a sua eleição como secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo admitiu que “tinha uma opinião diferente” sobre o nome que deveria substituir Jerónimo de Sousa.
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“É claro que não vos direi, não levem a mal, não vou confessar isso, mas eu tinha uma opinião diferente daquela que se veio a concluir”, revelou Paulo Raimundo.
Se é verdade que o secretário-geral comunista é “um desconhecido”, nas palavras do próprio, para a população em geral, “do ponto de vista do partido, no âmbito dos organismos de direção, nas ligações no trabalho, são muitos anos de relacionamentos e de experiências concretas”.
“Admito que nessas relações de trabalho e também nas relações humanas os meus camaradas tenham olhado para mim com características que na opinião deles valiam mais do que propriamente a notoriedade”, completou.
Sobre os primeiros dias na qualidade de secretário-geral, Paulo Raimundo disse que tem tentado seguir o conselho que os camaradas lhe deram:
“Há uma coisa que os meus camaradas me disseram, “não inventes”. E eu estou a levar isso muito à letra”, disse, entre risos.
O novo secretário-geral do PCP reconhece que foram curtas as suas experiências profissionais como carpinteiro e padeiro mas sublinha que o ambiente em que cresceu o “habilita” à categoria de “operário” como o partido o apresentou.
Foram nove meses na carpintaria – “até dava um carpinteiro mediano” – e seis meses como padeiro, experiências “de facto curtas” mas “muito intensas aliadas a uma realidade concreta”, disse, em entrevista à agência Lusa, em que explicou que a classificação como operário, que deu alguma polémica, é feita a partir da forma como o PCP olha para a organização e composição da sociedade.
A classificação social atribuída pelo PCP aos dirigentes e funcionários tem a ver com o conjunto da experiência de vida: “Se eu tivesse estudado a vida inteira não seria um operário”, sintetiza.
“E há um outro elemento que é o ambiente onde cresci. Nesse enquadramento, não quero ser injusto, mas quase de certeza que todos os meus amigos de infância e com quem cresci, nenhum deles teve a possibilidade de ir para a faculdade. A maior parte deles nem o nono ano tirou“, diz.
Também Paulo Raimundo terminou o ensino secundário já à noite e, nessa altura, a faculdade não era uma opção. Se tivesse tido possibilidade, teria ido para “belas artes”, conta.
Como exemplo do contexto social e económico em que viveu, na juventude, Paulo Raimundo, hoje com 46 anos, descreve: “Eu cheguei a receber em “tickets de refeição”, nem sei se ainda há. Eram uns títulos e trocava-se num restaurante ou num supermercado”.
E ainda outro exemplo que, considera, o identifica com as classes trabalhadoras: “costumo dizer que para mim não há economista melhor do mundo que a minha mãe, nós trabalhávamos, eu, o meu irmão, o meu pai, e, no fim do mês entregávamos à minha mãe para ela fazer a gestão”.
Paulo Raimundo afirma não saber provérbios populares – marca d`água do antecessor Jerónimo de Sousa – mas usa expressões “popularuchas” pelas quais pede desculpa na entrevista, quando avisou que não está como secretário-geral para “andar a encher chouriços”.
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E ao que vem? “Não é olhar para o umbigo e pensar, em termos eleitorais, que arranjo se vai fazer. Não é isso, é olhar para os problemas das pessoas e abrir caminhos a um projeto alternativo. E para isso é preciso estar no poder, não andamos aqui, desculpem a expressão, a encher chouriços”.
Sobre como chegou à militância, Paulo Raimundo recorda momentos “marcantes do ponto de vista pessoal”, no início dos anos 90, em que viveu as lutas estudantis no ensino secundário, no bairro da Bela Vista, em Setúbal, contra a Prova Geral de Acesso.
“Foi na dinâmica estudantil que eu aderi (à JCP). Foi o meu camarada Jorge Martins que até hoje carrega às costas essa responsabilidade de me ter enganado (risos). A vida estudantil era muito intensa, a batalha política era muito intensa e muito vivida“, afirma.
“Eu terei tomado a decisão mais certa na vida, mas também a mais arriscada”, assume. Quanto à família, havia simpatizantes comunistas mas não na sua casa. E foi Raimundo que levou “há pouco tempo” a mãe a filiar-se no PCP.
O novo secretário-geral do PCP defendeu que faz “muita falta” parte dos comunistas que se afastaram na sequência da crise interna que opôs, há vinte anos, os chamados ortodoxos e renovadores.
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“Penso que uma parte das pessoas que foram arrastadas nessa dinâmica nos anos 2000, uma parte das pessoas que foram arrastadas e até acabaram por sair, …uma parte delas faz cá muita falta porque as suas opiniões são válidas para construir um partido que nós queremos mais forte“, declarou.
O novo secretário-geral comunista concedeu que, na altura dessas discussões, nas vésperas do Congresso de 2000, [ano em que subiu à Comissão Política do PCP] sobre qual deveria ser o rumo do partido, se posicionou “do lado dos ortodoxos”, ressalvando que considera a designação “simplista” e sem “correspondência com o conteúdo desse debate”.
“Posicionei-me naquilo que eram as posições do partido e da JCP, que coincidiam com as minhas. Foi um posicionamento fácil num debate exigente e muito difícil“, disse.
O dirigente afirmou que, na altura, “havia quem achasse que o partido devia ser outra coisa diferente do que é, e a maioria do partido entendeu que o partido devia continuar com as suas características, natureza e identidade”.
Sobre se essa discussão está ultrapassada, Paulo Raimundo afirmou que o PCP é um “partido que afirma a sua identidade e natureza” – marxista-leninista – “mas não trava, pelo contrário, fomenta e discussão e o debate interno“.
“Com a consciência de que, e bem, nem todos temos as mesmas opiniões sobre os assuntos todos. Damos a opinião e a opinião que apuramos coletivamente é aquela que vale”, acentuou.
Para Raimundo, a Conferência Nacional do passado fim de semana “acaba por animar” e dar “alguma força” que ajuda a que “alguns se aproximem e a que outros se reaproximem”.
O líder do PCP disse, no seu discurso na Conferência Nacional, que conta “com os que se aproximam e com os que se reaproximam” do partido.
Instado a clarificar essa afirmação, Paulo Raimundo respondeu, na entrevista à Lusa, que verifica hoje um “movimento de gente” que se afastou por várias razões, “por oposição a esta ou aquela posição do PCP” e que “passado este tempo todo” concluem que “este é o partido que apoiam”.
“E uns apoiam voltando, outros apoiam ajudando” e outros até apoiam discretamente, “pela calada”, disse, referindo ainda os que “não querem ingressar mas que, em determinadas batalhas”, estarão com o PCP.
A crise interna que se acentuou nas vésperas do Congresso de 2000 opôs os que defendiam a abertura do partido e novos métodos de funcionamento e aqueles, que ficaram conhecidos como ortodoxos, que defendiam a manutenção do centralismo democrático e da matriz marxista-leninista. Nesse debate interno, com momentos dramáticos, foram instaurados processos disciplinares a alguns dos rostos mais conhecidos do movimento pela renovação do PCP, como Edgar Correia e João Amaral, já falecidos.