Um dia depois de enviar um e-mail às suas funcionárias dando conta das dificuldades da empresa que geria e da necessidade de “arranjar” dinheiro, embora pedindo-lhes “segredo”, Francisco Duarte  — que chegou a ser presidente da Associação de Agentes de Execução — comprava duas esferográficas de 296,60 euros e um anel de 2226,60. Corria o mês  de outubro de 2014 e há mais de um ano que Francisco Duarte lhes dava ordens para transferirem, para a conta da sua sogra e de empresas que detinha no Brasil, o dinheiro que devia estar associado aos processos de execução de que tratava enquanto solicitador. Acabou detido em 2015 por suspeitas de peculato e foi agora condenado a uma pena única de sete anos de cadeia pelos crimes de abuso de poder, peculato, branqueamento, falsificação de documentos, falsidade informática – e proibido de exercer funções durante cinco anos.

A estratégia delineada por Francisco Duarte, pai de dois filhos de uma primeira relação e de uma filha adotada de um outro relacionamento, foi enviada por e-mail no dia 30 de outubro de 2014 em que o assunto era “Dinheiro”. “A violação desta estratégia pode significar ir tudo por água abaixo”, escrevia. Uma estratégia que as funcionárias, ouvidas em tribunal, cumpriam até por medo do patrão, que chegava a ser “agressivo”.

Já não era a primeira vez que Francisco Duarte dava ordens de transferência para contas de terceiros, entre eles a sogra. Mas desta vez Francisco queria que os valores fossem transferidos diariamente até perfazer o valor que necessitava, segundo alegou, para concretizar um negócio no Brasil, onde detinha empresas do ramo imobiliário.

Segundo a investigação do Ministério Público, as transferências que agora o levaram a julgamento começaram ainda em julho de 2013, lesando clientes que esperavam receber dinheiro de penhoras como a NOS, o Credibanco ou até o BES. Mas deixar de associar parte significativa dos montantes que se encontravam nas “contas-cliente” aos respetivos processos de execução, transferindo os valores por si controlados era já uma prática antiga, acusou o Ministério Público.

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As centenas de transferências que fez e que estão descritas no acórdão a que o Observador teve acesso vão tomando proporções cada vez maiores. Fosse a partir de Portugal ou do Brasil, o solicitador ia pedindo cada vez mais vezes dinheiro. Na justificação das transferências colocava erradamente “entrega ao exequente” e mais tarde começou mesmo a colocar “por conta de lucros futuros”. Mas esses lucros nunca aconteceram e a empresa que geria, a F. Duarte e Associados, acabou com um buraco em que além de salários em atraso, nem dinheiro tinha para os Correios.

Em agosto de 2014, segundo os e-mails apreendidos na investigação, Francisco acabaria por dar ordens para retirarem à própria filha, que trabalhava para ele, todos os “controlos ou envios” do seu telefone. Dias depois enviava um e-mail a ordenar: “Vai ter que arranjar forma de dar dinheiro à minha mulher Vanda”, com indicação dos valores a transferir para escapar ao Banco de Portugal. A certa altura, o agora condenado mandou mesmo um e-mail com um objetivo ainda mais grandioso: “Gostava de chegar ao Natal com 400 mil deste lado”.

“O arguido violou deveres que sobre si impendiam, nomeadamente de legalidade e de movimentar apenas as “contas-cliente” quando tal ocorresse, com o intuito, conseguido, de aceder a esses fundos antes de cumprir aquela obrigação, de obstar e uma oportuna fiscalização da CAAJ, da Câmara dos Solicitadores e dos Tribunais e de ocultar as apropriações indevidas dos montantes em causa nos autos”, acusou em março de 2016 o Ministério Público.

Nascido e criado para ser empreendedor

Francisco Duarte é oriundo de uma família que geria um negócio de carnes. Educado para ser “empreendedor”, como notaram as técnicas que fizeram o seu relatório social para o processo, começou a trabalhar aos 19 anos mas mais tarde acabaria por tirar o curso de solicitadoria. Chegou a trabalhar com vários escritórios de advogados, era conhecido no meio e chegou a ter quarenta colaboradores no seu escritório, quando tinha apenas 30 anos.

A reforma do “Simplex” viria no entanto a tirar-lhe alguns serviços que prestava e a reduzir a fundo o volume de trabalho, levando-o mesmo a ter uma depressão profunda que o levou a ser internado por duas vezes numa clínica em Telheiras.

Depois da acusação do Ministério Público, os filhos mais velhos afastaram-se dele e o solicitador mantém apenas contacto com a mulher e a filha adotiva, vivendo dos rendimentos que um apartamento arrendado temporariamente, em Alfama, lhe traz.

O tribunal reconheceu que com o desenrolar do processo e a privação da liberdade, o arguido tem vindo a apresentar sinais de degradação física e psicológica, apresentando um quadro depressivo que se tem vindo a acentuar mesmo com acompanhamento. Mas também deu como provado que foi Francisco, e não a sua empresa (que acabou absolvida), que se apoderou de mais de 1,3 milhões de euros que não eram seus para uma vida de luxo — que segundo os testemunhos dos seus funcionários passava por ter carros de alta cilindrada e viajar.

Francisco foi condenado mais de sete anos depois de ter sido detido. A decisão é de 18 de novembro e a defesa pode ainda recorrer.