Sem nome de vítimas e do alegado agressor, o Ministério Público de Braga não encontrou outro caminho se não o de arquivar duas denúncias enviadas pela Comissão Independente que estuda os abusos sexuais praticados por membros da Igreja Católica. O alegado suspeito, um seminarista que também dava catequese, foi apontado em duas denúncias recebidas pela comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht –, uma das vítimas teria à data do crime 12 anos e a outra 17. Em causa estão crimes de abuso sexual de menores e de importunação sexual ocorridos entre 2014 e 2015.

Este é um dos seis processos arquivados de um total de 17 entregues pela comissão pouco depois de ter dado início ao seu trabalho. As denúncias que chegaram à procuradora Carla Costa Gomes da 2.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Braga davam conta de duas situações distintas ocorridas no mesmo período temporal. Uma referia-se a um menino de 12 anos, familiar do seminarista de 24 anos, que teria sido abusado sexualmente. Os crimes terão ocorrido ao longo de um ano na casa da vítima, onde o alegado agressor se deslocava para dar explicações. “Praticou com o mesmo sexo oral, sexo anal, masturbação e manipulação dos órgãos sexuais”, lia-se na informação entregue pela comissão.

MP demorou 104 dias para começar a investigar e 20 para arquivar queixa vinda da comissão que estuda os abusos sexuais na Igreja

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A comissão enviou também para o Ministério Público um relato de uma segunda vítima, que à data dos crimes teria 17 anos, e que referia que o seminarista tinha visualizado com ele filmes de teor pornográfico, tanto no interior como no exterior da igreja, e que o teria assediado “repetindo os mesmos atos por vários anos”, lê-se no despacho de arquivamento a que o Observador teve acesso.

O Ministério Público ainda tentou, junto da arquiodiocese de Braga, obter informações sobre a identidade deste seminarista — que pela idade frequentaria o Seminário Maior. Mas com os dados genéricos em causa, a resposta da Igreja não trouxe grandes informações. “Realizámos as diligências junto da instituição mencionada, e dos responsáveis à data, e não foi possível identificar seminaristas que correspondam ao perfil e circunstâncias fornecidas pelo vosso ofício. Se, entretanto, disponibilizarem elementos mais concretos, tais como nome e apelido, poderemos realizar novas diligências”, respondeu a arquidiocese.

Em causa, segundo o Ministério Público, estariam crimes de abuso sexual de criança (contra o menor de 12 anos) e de importunação sexual (cometidos contra a vítima de 17). Aparentemente, porém, as denúncias que chegaram à comissão foram feitas de forma anónima — mesmo que não fossem a comissão tem por princípio não revelar as identidades dos agressores nem das vítimas.

Comissão Independente pondera enviar 30 testemunhos de abusos ao Ministério Público

Isso mesmo foi explicado pelo antigo ministro da Justiça e juiz jubilado Laborinho Lúcio, na última conferência que a comissão deu na Fundação Calouste Gulbenkian. Laborinho Lúcio explicou que a comissão não foi criada para fazer denúncias, mas apenas para estudar a temática, e que foi prometido o anonimato às vítimas. Ainda assim, a comissão pondera comunicar à Igreja e ao Ministério Público uma lista com os nomes de todos os padres apontados pelas centenas de vítimas que têm relatado à comissão casos de abuso cometidos por membros da Igreja. Em setembro havia testemunhos de 424 pessoas e a comissão analisava 30 outras queixas, para somar às 17 já enviadas e das quais estão a ser investigadas apenas quatro.

Até agora os processos têm sido arquivados ou por falta de indicação do nome do agressor e/ ou vítima ou por prescrição. Em Vila Real houve um caso arquivado por falta de prova, em Cascais um caso já tinha sido julgado e em Loures um padre visado já morreu.

O Ministério Público arquivou o processo relativo ao seminarista a 29 de setembro de 2022, mas segundo a lei pelo menos o crime praticado pelo menor de 12 anos não estará prescrito até ele perfazer os 23 anos. O caso poderá ser reaberto se chegar ao processo alguma informação que indique o nome dos envolvidos. Sem a identidade do agressor, também fica por saber se este seminarista chegou a ser ordenado e se hoje é um padre no ativo.