Lucília Gago decidiu, a 17 de novembro, instaurar um “procedimento especial de averiguação” para avaliar se a constituição da autarca Luísa Salgueiro como arguida nos autos da Operação Teia terá “eventual relevância disciplinar” no que diz respeito à “atuação do Ministério Público”.

O visado por esta averiguação especial é o procurador Nuno Serdoura, titular dos autos da Operação Teia, e responsável pela investigação que levou em 2019 à detenção de dois importantes autarcas socialistas do norte do país — Joaquim Couto (histórico autarca do PS que acabou por renunciar à Câmara de Santo Tirso) e Miguel Costa Gomes (então presidente da Câmara Municipal de Barcelos) — e também da empresária Manuela Couto, mulher de Joaquim Couto.

Operação Teia. Luísa Salgueiro foi constituída arguida por alegada troca de favores

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Os autos da Operação Teia, que já foram classificados pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto como sendo de “extrema gravidade” por conterem “criminalidade altamente organizada” que gera “sentimentos de impunidade”, visam igualmente Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos. Uma certidão da Operação Teia levou à acusação de Miguel Alves e à sua demissão como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.

Acresce igualmente que foram realizadas buscas judiciais na Presidência do Conselho de Ministros em setembro de 2022 que nasceram precisamente de outra certidão da Operação Teia porque estão em causa outros alegados favorecimentos ao grupo empresarial de Manuela Couto. O secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros e a atual subdiretora-geral da Cultura foram constituídos arguidos.

Inspetora deverá apresentar conclusões nos próximos dias

A decisão de constituir Luísa Salgueiro como arguida provocou várias críticas no espaço público. Na área do PS, Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social, apelidou a decisão como um “erro grosseiro” e instou à intervenção de Lucília Gago. Porquê? Porque, segundo Assis, as suspeitas em causa estariam apenas relacionadas com uma alegada obrigatoriedade de realização de um concurso público para o cargo de chefe de gabinete da autarca de Matosinhos. Ora, sendo tal cargo por definição de confiança política, o mesmo não necessita de concurso público.

Na área do PSD, Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro, fez críticas semelhantes: “Todos nós, autarcas, é aquilo que está na lei, escolhemos chefes de gabinete, adjuntos, secretários de gabinete, tudo é por nomeação. Não há dúvida nenhuma. É aquilo que todos nós fazemos há muitos anos, desde sempre”. Estas criticas foram secundadas por comentadores como Luís Marques Mendes e José Pacheco Pereira.

Dois dirigentes da Presidência do Conselho de Ministros e subdiretora-geral da Cultura foram os alvos das buscas

A 17 de novembro, Lucília Gago “determinou, (…) na qualidade de presidente do Conselho Superior do Ministério Público (…), a instauração de um procedimento especial de averiguação” para esclarecer “dúvidas surgidas no espaço público” e para “dissipar” as mesmas, “aferindo da eventual relevância disciplinar da atuação do Ministério Público”, assegurou por escrito fonte oficial da Procuradoria-Geral da República esta quinta-feira, após o Observador ter enviado várias questões no dia anterior.

Esta decisão de Lucília Gago verificou-se mesmo após ter solicitado e recebido informação por via hierárquica das suspeitas de corrupção ativa que envolvem Joaquim e Manuela Couto e de corrupção passiva que envolvem Laranja Pontes, sendo que a nomeação de Marta Laranja Pontes é uma das alegadas contrapartidas que sustentam tais suspeitas, tal como o Observador noticiou aqui.

Ao que o Observador apurou, na sequência da decisão da procuradora-geral Lucília Gago foi nomeada a inspetora Maria José Fernandes para executar o “procedimento especial de averiguação”. A inspetora começou o seu trabalho de campo esta semana, tendo já contactado o Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto e a Polícia Judiciária (PJ) do Porto, liderado pela procuradora da República Ana Margarida Fernandes.

A procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes deslocou-se mesmo às instalações da PJ do Porto para perceber melhor os contornos da constituição como arguida de Luísa Salgueiro, visto que terão sido os inspetores da Judiciária que executaram a diligência que levou a autarca de Matosinhos a ser considerada oficialmente suspeita nos autos.

Ao que o Observador apurou, a inspetora Maria José Fernandes está a escrutinar, entre outras matérias, se Luísa Salgueiro foi confrontada com todas as imputações ou indícios que a PJ e o DIAP Regional do Porto reuniram contra si.

O que está em causa na Operação Teia?

A Operação Teia marcou o verão de 2019 e levou à detenção de Joaquim Couto (histórico autarca do PS e ex-presidente da Câmara de Santo Tirso), de Miguel Costa Gomes (ex-presidente da Câmara de Barcelos), de José Maria Laranja Pontes (ex-presidente do IPO do Porto) e da empresária Manuela Couto (mulher de Joaquim Couto).

Os autos estão precisamente concentrados nos negócios do pequeno grupo empresarial de Manuela Couto e da forma como Joaquim Couto terá alegadamente influenciado várias autarquias socialistas, como Barcelos e outras, e o IPO do Porto a contratar as empresas da sua mulher.

Manuel Pizarro prometeu influenciar Governo para beneficiar arguido da Operação Teia

Estão em causa suspeitas de alegado favorecimento na adjudicação de contratos de 1,4 milhões de euros. Só no caso do IPO do Porto, estão em causa contratos de cerca de 360 mil euros realizados entre fevereiro de 2017 e agosto de 2018.

Ora, Luísa Salgueiro surge nos autos precisamente ligada indiretamente aos alegados favorecimentos de José Maria Laranja Pontes no IPO Porto às empresas de Manuela Couto. Porquê? Porque a sua chefe de gabinete (hoje vereadora da Câmara de Matosinhos) é precisamente Marta Laranja Pontes, a filha do ex-líder do IPO do Porto.

No centro das suspeitas reunidas contra a presidente socialista da Câmara de Matosinhos e da Associação Nacional de Municípios Portugueses está uma alegada troca de favores entre Joaquim Couto e José Maria Laranja Pontes.

António Costa é referido por Couto e Pizarro em escutas — mas não terão falado com ele

No centro de um dos três crimes de corrupção ativa imputado ao casal Couto, assim como do crime de corrupção passiva de que Laranja Pontes é suspeito, está a questão do mandato do presidente do IPO do Porto.

Líder deste hospital público desde 2005, e em gestão corrente desde o início de 2017 depois de quatro mandatos cumpridos,  o lugar de Laranja Pontes estava em perigo por causa do novo regime jurídico das Entidades Públicas Empresariais do Serviço Nacional de Saúde aprovado pelo Governo de António Costa num Conselho de Ministros Especial organizado em Coimbra.

De acordo com o decreto-Lei n.º 18/2017, os membros dos conselhos de administração passaram a ter um mandato de três anos e apenas poderiam ser reconduzidos uma vez. Isto é, com a entrada em vigor do decreto-lei em janeiro de 2017, Laranja Pontes não poderia ser reconduzido.

Tal como o Observador já noticiou, Couto terá recorrido a Manuel Pizarro, ex-secretário de Estado da Saúde e presidente da Federação do Porto do PS (e atual ministro da Saúde), para tentar influenciar o Governo e até alegadamente o próprio primeiro-ministro António Costa.

Ao que o Observador apurou, Manuel Pizarro e Joaquim Couto tiveram diversos contactos sobre a melhor forma de Laranja Pontes ser reconduzido pelo Governo de António Costa.

Terá sido precisamente o médico e gestor que terá incentivado Couto a falar com Pizarro, de forma a que estes dois falassem com o primeiro-ministro António Costa durante o XXII Congresso do PS que decorreu entre 25 e 27 de maio de 2018. Couto, por seu lado, lembrou-se de juntar o próprio Pizarro com Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, e José Luís Carneiro, secretário de Estado das Comunidades e ex-autarca de Baião (e atual ministro da Administração Interna), a essa task-force em prol de Laranja Pontes.

Tais contactos nunca terão sido concretizados, daí existir a possibilidade de esta parte dos autos ser arquivada. Algo que ainda terá de ser avaliado.

Os indícios levaram mesmo o Tribunal de Instrução Criminal do Porto a classificá-los como sendo de “extrema gravidade”, de “criminalidade altamente organizada” e podendo levar a “sentimentos de impunidade”.

Todos os arguidos foram libertados em junho de 2019 com cauções que chegaram aos 40 mil euros, com a exceção de Manuela Couto. A empresária ficou na altura em prisão preventiva, tendo sido libertada meses depois.

Texto acrescentado às 9h11m