Com o final da segunda jornada da fase de grupos, começa a entrar em cena a calculadora. No Mundial do Qatar, são muitos os critérios de desempate para decidir que equipas se vão apurar para os oitavos de final da competição. Além dos factores de desempate tradicionais, que imperam, estão previstas hipóteses mais remotas, como a possibilidade de se premiar com o apuramento a equipa com mais fair-play (isto é, a que levou menos cartões amarelos e vermelhos) e, no limite dos limites, até da decisão depender de um sorteio (realizado pela FIFA) entre duas equipas que estejam em absoluta igualdade de circunstâncias.
No regulamento da competição, disponibilizado pela FIFA no seu site oficial, são clarificados todos os cenários, enquadrando o que acontece se duas equipas de um mesmo grupo terminarem esta fase da competição com o mesmo número de pontos e só uma se puder apurar — porque o número de pontos é, claro, o primeiro critério para definir que equipas avançam para os oitavos de final.
Se duas equipas terminarem o seu grupo empatadas com o mesmo número de pontos em 2.º lugar, e tendo em conta que só duas das quatro se apuram, o primeiro critério para decidir que equipa passa à fase seguinte é a diferença entre golos marcados e sofridos — aquele que tiver uma diferença mais favorável na subtração dos golos marcados pelos golos sofridos levará vantagem.
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Se a diferença entre golos marcados e golos sofridos for a mesma para 2.º e 3.º classificados de um grupo com os mesmos pontos, o critério seguinte de desempate valoriza o desempenho atacante das equipas. Isto é: em duas equipas com os mesmos pontos e a mesma diferença de golos, a FIFA valoriza mais as seleções que marcarem mais e também sofrerem mais do que as que marcarem menos, ainda que sofrendo também menos golos na sua baliza.
Nos já mais raros casos em que, entre 2.º e 3.º classificados, o número de pontos é o mesmo, a diferença de golos é a mesma e o número de golos marcados na fase de grupos também, o critério de desempate que se segue é o do confronto direto — a equipa com “maior número de pontos obtidos” no jogo da fase de grupos frente ao seu concorrente, com a qual está empatada, apura-se então para os oitavos de final.
E se mesmo o jogo entre essas duas seleções tiver terminado num empate? Nesse caso, entra em cena o critério de desempate de fair-play: se nenhum dos critérios de desempate anteriores fizer pender a qualificação para alguma das seleções empatadas, é o fair-play que vai definir quem avança para os oitavos.
Para nada ficar pouco claro, a FIFA define que critérios usa para avaliar o fair-play das Seleções. Há um “sistema de pontos” na fase de grupos que marca diferenças. Por cada primeiro cartão amarelo de um jogador no jogo, a sua seleção perde um ponto. Por cada segundo cartão amarelo — que resulta em expulsão — visto por um jogador durante um jogo, a sua Seleção perde 3 pontos. Por cada cartão vermelho direto de um jogador, a seleção que este representa perde 4 pontos. E por cada conjugação de cartão amarelo + cartão vermelho direto visto por um futebolista durante uma partida, a sua seleção perde 5 pontos.
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E o que acontece no cenário altamente improvável de nenhum dos critérios de desempate acima referidos desempatar a igualdade entre duas seleções no segundo lugar de um grupo? Nesse caso, no limite dos limites, recorre-se a um método infalível: um sorteio, realizado pela FIFA, que atribui a passagem aos oitavos de final a uma das duas seleções empatadas.
Em que seleções os critérios de desempate podem vir a definir o apuramento?
Com apenas um jogo por disputar para quase todas as equipas que competem no Mundial, há seleções que já vão fazendo contas — e há casos em que ter de haver um desempate por outro critério que não o número de pontos se afigura mais provável do que noutros.
No caso do grupo C, por exemplo, tal pode acontecer, caso a Seleção da Argentina vença a Polónia (atualmente com 4 pontos). Nesse caso, tanto Arábia Saudita (se empatar com o México) como o México (se vencer a Arábia Saudita) podem ficar empatados com a Polónia em 2.º lugar, com o mesmo número de pontos (4).
Também no grupo E, em que está tudo muito empatado, essa possibilidade é real. Bastaria a Alemanha vencer a Costa Rica (chegando aos 4 pontos) e o Japão (que tem 3 pontos) conseguir empatar contra a Seleção Espanhola para que os critérios de desempate entrem em cena para definir se será o Japão ou a Alemanha a passar à fase seguinte do grupo. Nesse caso, a Alemanha precisaria de vencer a Costa Rica por mais de um golo de diferença para conseguir melhor diferença entre golos marcados e sofridos do que a equipa nipónica.
Já no grupo F, a Croácia e Marrocos lideram atualmente com 4 pontos e em 3.º lugar está a Bélgica, com apenas menos um (3). Se a Croácia conseguir vencer a Bélgica na última jornada, não haverá equipas empatadas no 2.º lugar na última jornada e Marrocos avança para os oitavos. Mas se a Bélgica conseguir o empate ou a vitória, a diferença de golos pode entrar em cena dependendo do resultado entre Canadá e Marrocos.
E no grupo G, que deverá ser vencido pelo Brasil mas cujo segundo classificado a Seleção Portuguesa pode enfrentar nos oitavos de final se conseguir apurar-se em primeiro lugar nesta fase da competição? Aí, muito dependerá do Suíça-Sérvia. Se a Suíça vencer, não haverá igualdade pontual entre 2.º e 3.º classificado — Brasil e Suíça seguirão para os oitavos de final. Se a Suíça empatar, porém, terminará com 4 pontos, os mesmos que os Camarões podem fazer se conseguirem surpreender e vencer o Brasil nessa última jornada.
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Critérios em mudança e uma regra de “golo de ouro” que já foi amarga para Portugal
Como muita coisa no futebol, os critérios de desempate têm-se vindo a alterar ao longo do ano. Tem sido assim nas competições da UEFA, nomeadamente nas competições europeias de clubes, em que a regra dos golos fora valerem por dois, por exemplo, deixou de se aplicar. E tem sido assim também na FIFA.
Basta recuar a um ano de má memória para Portugal para o exemplificar. Em 2000, Portugal fez uma fase de grupos exemplar no Europeu que se disputou na Bélgica e nos Países Baixos: com três vitórias em três jogos, 7 golos marcados e 2 golos sofridos, a equipa orientada por Humberto Coelho conseguiu nove pontos em nove possíveis, eliminando logo nessa fase de grupos a Inglaterra de David Beckham, Paul Scholes, Michael Owen e Alan Shearer e a Alemanha de Matthäus, Ballack e Oliver Kahn. Quem passou o grupo com Portugal? A surpreendente Roménia de Gheorghe Hagi, Adrian Mutue Viorel Moldovan.
Nos quartos de final (não existiram, nessa competição, “oitavos”), a caminhada portuguesa continuou com sucesso: Nuno Gomes, com dois golos, deu a vitória portuguesa frente à Turquia. Mas na meia-final a “geração de ouro” de Baía, Fernando Couto, Rui Costa, Figo e Sérgio Conceição (e Vidigal, Costinha, João Vieira Pinto…) levou com um balde de água fria, em parte por culpa dos critérios de desempate nas fases a eliminar.
Na altura, existia uma regra chamada “golo de ouro”: no prolongamento, a equipa que marcasse e se adiantasse no marcador vencia automaticamente a partida, que terminava de imediato (ao contrário de agora, em que só termina aos 120′, após a meia-hora prevista de prolongamento).
E naquele prolongamento, depois dos golos de Nuno Gomes, primeiro, e Thierry Henry, depois, a França resolveu o jogo com uma grande penalidade de Zidane, marcada aos 117 minutos, depois de uma polémica ‘mão’ na área que bateu em Abel Xavier caído no relvado. Não existisse a regra de golo de ouro e Portugal ainda teria uns minutos, incluindo o tempo de compensação, para ir à procura do empate. Assim, o sonho de ir à final acabou de imediato. E França sagrar-se-ia mesmo campeã europeia, depois de bater de seguida a Itália de Totti, Di Bagio, Cannavaro, Nesta e Maldini na final.