Há precisamente oito meses António Costa apresentava o seu terceiro Governo onde já não se verificava o princípio que tinha imposto a si próprio em 2019 — limpar relações familiares do Conselho de Ministros depois de um intenso frenesim chamado familygate. Mas havia um senão: neste mês de março, Ana Catarina Mendes entrava no Governo onde se mantinha o seu irmão, António Mendonça Mendes.

Nessa altura, o gabinete do primeiro-ministro explicou que não havia qualquer ilegalidade e que Costa o fazia porque os familiares reportavam a responsáveis diferentes e não se sentavam no mesmo Conselho de Ministros.

Os dois argumentos — apresentados numa resposta ao Jornal de Notícias no final de março — caíram esta terça-feira, quando o primeiro-ministro chamou António Mendonça Mendes para seu braço direito no Governo. Os irmãos Mendes são agora ambos Adjuntos do primeiro-ministro: Ana Catarina como ministra e António como secretário de Estado. Reportam os dois diretamente a António Costa e às quintas-feiras vão sentar-se na mesma mesa do Conselho de Ministros — onde o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro tem sempre assento.

Não que não tivesse já acontecido, uma vez que nas ausências de Fernando Medina na reuniões semanais de ministros, António Mendonça Mendes já o substituiu. Mas agora há uma integração oficial no mesmo órgão onde já está a irmã.

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O Observador questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre esta mudança de linha, mas não obteve resposta até ao momento em que este artigo é publicado.

Mini-remodelação. Mendonça Mendes passa a braço-direito de António Costa

Em 2019, Costa impôs a si mesmo uma obrigação quando compôs o seu segundo Governo, acabando por deixar de fora do elenco que se seguiu, por exemplo, Ana Paula Vitorino, já que o seu marido, Eduardo Cabrita, se mantinha como ministro da Administração Interna. No caso dos Vieira da Silva, a reforma de José António, nessa altura, poupou Costa de ter de escolher entre o seu então ministro da Segurança Social e a filha deste, a ministra da Presidência do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva.

A regra não escrita existe, mas foi ignorada este ano, depois das legislativas, com a entrada do Governo de Ana Catarina Mendes. A socialista era apontada há muito como ministeriável, mas o facto de o seu irmão estar no Governo, como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, era visto como um impedimento entre os socialistas que sabiam do princípio de Costa.

Mas o primeiro-ministro acabou mesmo por chamá-la para ministra Adjunta do primeiro-ministro e dos Assuntos Parlamentares e, quando questionado sobre essa escolha, o seu gabinete respondeu que as nomeações eram “perfeitamente compatíveis com as regras e limites legais em matéria de nomeação de familiares”.

Além disso, o gabinete de Costa também acrescentou que Mendonça Mendes “reporta ao ministro das Finanças” e não ao primeiro-ministro e que, ao contrário da irmã, também “não tem assento no Conselho de Ministros”. Dois argumentos que agora caíram por terra.

A questão legal da nomeação não se coloca, uma vez que nesta matéria a lei apenas regula que “não podem ser nomeados para o exercício de funções nos seus gabinetes de apoio os parentes até ao quarto grau da linha colateral do titular do cargo“. Não sendo familiares de António Costa até ao quarto grau, as nomeações são legais. A alteração à lei foi feita na sequência do familygate, com vários casos de ligações familiares a serem detectados no Governo que levaram mesmo a algumas demissões ou exonerações.

Nessa altura, o então secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, demitiu-se após ter nomeado o primo para adjunto e João Ruivo, marido da secretária de Estado da Cultura, Ângela Ferreira, foi exonerado da função de técnico especialista na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional duas semanas após ter sido nomeado.

O PS fez uma proposta, em abril de 2019, para limitar as nomeações até parentes em 4.º grau na linha colateral e essa foi a restrição que acabou por ficar inscrita na lei. Os socialistas não quiserem ir mais além e não impediram, por exemplo, as nomeações cruzadas entre os gabinetes.