É mais um pedido de Comissão de Inquérito solicitado pelo Chega que vai ficar pelo caminho. Com a oposição de quase toda a esquerda (apenas o BE anunciou que não inviabilizaria) e do PSD, a tentativa de criar uma Comissão de Inquérito à Covid-19, para avaliar os “atos do Governo” na gestão da pandemia, ficou esta sexta-feira apenas pela intenção, com acusações à mistura. De Jair Bolsonaro aos reparos do Tribunal de Contas, a primeira discussão no debate plenário desta sexta-feira chegou até à Hungria.
André Ventura começou por justificar os motivos que levaram o Chega a propor a Comissão de Inquérito com dados do Tribunal de Contas e a citar o que está na génese das Comissões de Inquérito (“têm por função vigiar o cumprimento da Constituição e investigar os atos do Governo”). E acrescentou: “Nunca foi tão importante fazer esse controlo” dado que o país passou “por sucessivos estados de emergência”.
O líder do Chega frisou ainda que “vários países na Europa já estão a fazer estas Comissões de Inquérito” e defendeu que há “necessidade do Parlamento português lançar uma investigação profunda à forma como foi conduzido este processo”. As ambições do partido mais à direita no hemiciclo acabariam, no entanto, por sair frustradas. O apoio liberal não chega.
João Cotrim Figueiredo considerou que a proposta do Chega “faz muito sentido”: “É muito necessário avaliar se a gestão do Governo foi tão fantástica como a propaganda quer fazer querer. Queremos apurar responsabilidades políticas neste processo.”
A IL aproveitou ainda as intervenções para colar os socialistas e o Chega. Diz Cotrim Figueiredo que estão “em perfeita simbiose”. “A vossa [do Chega] forma de banalização e exagero permite ao PS fugir às responsabilidades”, apontou o líder liberal demissionário Cotrim Figueiredo.
Já os sociais-democratas consideraram “não estarem reunidas as condições para uma eventual Comissão de Inquérito”. “A Comissão de Inquérito não permitirá substituir a mentira pela verdade e o PSD está sempre pela verdade”, afirmou o deputado Guilherme Almeida, apontando a hipótese de os socialistas “aproveitarem comissão parlamentar de inquérito para branquear responsabilidades dos governantes”.
“Chega traz a sua agenda mediática proto-conspiracionista”, acusa PS
O deputado do PS André Pinotes Baptista considerou o pedido de Comissão de Inquérito do Chega um “ato de mera banalização do inquérito parlamentar que mais não visa que fragilizar o sistema democrático” e deixou uma “palavra de conforto aos milhões de pessoas que sofreram com a Covid-19”.
Frisando que “ao longo dos últimos anos as Comissões de Inquérito se constituíram como bolsas reputacionais do parlamento português”, o socialista recusou a necessidade de o fazer nesta tema, lembrando a função das comissões permanentes na Assembleia da República: “Cooperar com o Chega é esvaziar as comissões permanentes desta Assembleia.”
O socialista — que aproveitou para agradecer à agora deputada Marta Temido o papel na gestão da Covid-19, enquanto Ministra da Saúde –, disse ainda que “o PS não tem nenhum problema com a transparência”: “Gastámos o dinheiro que foi preciso para salvar as vidas”.
“O Chega no que toca à gestão do processo Covid não tem passado, tem cadastro”
À esquerda, apenas o Bloco de Esquerda disse “não inviabilizar” a proposta de Comissão de Inquérito à Covid-19 proposta pelo Chega. Mas não deixou passar o debate sem duras críticas a André Ventura e ao partido. O bloquista Pedro Filipe Soares lembrou que precisamente “quando apresentou a proposta para Comissão de Inquérito, [o Chega] anunciou publicamente o apoio a Jair Bolsonaro”.
“Quis o Chega entregar uma proposta de comissão parlamentar de inquérito mais ou menos pelos mesmos dias em que André Ventura declarava o apoio internacional a Jair Bolsonaro. Há pormenores que acabam por ganhar um contorno fundamental nestes debates. O Chega deu a cara por alguém conhecido no Brasil por ter uma política genocida na Covid-19. Alguém que participou num mega-esquema de corrupção à custa das vacinas Covid-19; alguém que usou todo o debate sobre o vírus Covid-19 para ao desvalorizar a tal gripezinha deixar morrer centenas de milhar de brasileiros”, apontou Pedro Filipe Soares, lembrando ainda os “almocinhos e jantares do Chega quando existia um pedido à população para se resguardar”.
“Percebemos que nesta forma de gerir matéria séria não há seriedade da parte do Chega. Também não há nas comissões de inquérito”, disse ainda antes de admitir que o Bloco não inviabilizaria a comissão de inquérito, mas que se recusava a “branquear o Chega” que, apontou, “no que toca à gestão do processo Covid não tem passado, tem cadastro.”
Inês Sousa Real, do PAN, limitou-se a apontar “um dos números do Chega para show off“, trazidos ao Parlamento com o pedido de Comissão de Inquérito, acusando o partido de Ventura de “banalizar a Tribuna que é da maior importância” e notando que “o escrutínio pode e deve fazer-se nas comissões já existentes”.
Também os comunistas, pela voz de João Dias, seguiram a lógica das comissões parlamentares que existem na Assembleia da República para rejeitar uma nova Comissão de Inquérito. “Não nos faltam instrumentos para tentarmos resolver os problemas das pessoas”, disse o deputado do PCP frisando que as “competências de fiscalização da atividade do governo não estão impedidas por não existir uma Comissão de Inquérito” e que o que é necessário é “adotar medidas para responder aos problemas estruturais que a Covid-19 vem agravar”.
Rui Tavares, do Livre, frisou igualmente que o Parlamento “não precisa de uma comissão além daquelas que o Parlamento já tem” e considerou o “instrumento proposto desadequado”. O deputado único aproveitou ainda para usar a presidência do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal – Hungria para atacar o Chega. Apontou Tavares as diferenças nos números de vacinados, casos, mortes e a manutenção do estado de emergência, ainda hoje, na Hungria. Na resposta, André Ventura ignorou esses dados e contrapôs com dados relativos ao crescimento do país e aumento da natalidade.
Algumas horas mais tarde, na votação, além do Bloco de Esquerda que tinha anunciado “não inviabilizar” a Comissão de Inquérito, também o PCP e o PSD optaram pela abstenção. Com o chumbo já anunciado pela maioria de deputados socialistas, os parceiros de Orçamento PAN e Livre também optaram por votar contra a Comissão de Inquérito.
Texto atualizado às 13h50 com o resultado da votação