Seguro regressou esta segunda-feira com um ataque ao Governo de António Costa e de forma menos velada do que o habitual. Num debate promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, à boleia do estudo sobre a ética e a responsabilidade na política, o ex-secretário geral do PS, António José Seguro — dizendo não se querer referir a casos em concreto –, disse que “nos últimos meses não foi uma, nem duas nem três situações em que o princípio de separação de poderes foi beliscado, para não dizer posto em causa”, lamentando que “as notícias não tenham depois consequência”.
Desafiado a comentar os casos do ex-secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, ou o livro sobre o ex-governador Carlos Costa, António José Seguro frisou que definiu “uma regra”, a de não comentar casos concretos, mas deixou vários reparos que chocam de frente com situações que se têm registado no Executivo liderado por António Costa, não só nestes dois casos mas também na questão das alegadas incompatibilidades que envolvem vários ministros.
Para António José Seguro, a rapidez do tempo atual “mata o aprofundamento dos factos”, apontando, sem nomear quais, casos em que “o princípio de separação de poderes foi beliscado” e a forma como se “passa de um assunto para outro com uma leveza, como se o objetivo fosse dar a notícia e seguir em frente. Quem é que trata então do apuramento dos factos? E o país interessa-se verdadeiramente com isso?”, deixou no ar a pergunta.
O ex-secretário geral do PS considera que falta espaço para o debate e para o apuramento dos factos e que o resultado dessa perda de espaço é que “as pessoas falam mas não há consequência e isso gera um encolher de ombros, uma queixa, um protesto, mas sem consequência“, questionando se a questão ética e da honestidade é um critério tido em conta na hora do voto.
A questão da responsabilização foi aliás um dos pontos mais frisados por António José Seguro no debate que partilhou com Miguel Poiares Maduro e com os coordenadores do estudo, Luís de Sousa e Susana Coroado. O antigo líder socialista aponta a reforma do Parlamento que coordenou em 2007 e que levou à publicação das declarações de registo de interesses dos deputados para dizer que “é impensável ter uma lei que esteja em vigor durante tantos anos e que quando há uma situação não se cumpra essa lei”, referindo-se às sanções previstas para quem falha a entrega das declarações junto do Tribunal Constitucional.
[Veja aqui o debate completo promovido pela FFMS]
“Não pode existir um torcer da regra pela conveniência”
Para salvaguarda da democracia e do sistema político, António José Seguro diz que é necessário “estabilizar, acabar com alguns ruídos e clarificar”, apontando à “falta de exigência e de cultura política” e que “muitos dos casos, decorrem da pressão da opinião pública”.
Criticando a falta de aplicação da lei, Seguro vai mais longe ao propor uma tipificação de sanções consoante o procedimento judicial em que os políticos possam estar envolvidos. “Há muitos casos: se uma pessoa for arguida, se for acusada, se for a julgamento, se for condenado, se a sentença transitar em julgado. É fácil tipificar sobre mais de 90% das situações. O que é que custa chegar a um acordo e aplicar quando se verificar a situação em concreto? Não pode é haver depois um torcer do princípio ou da regra pela conveniência”, advertiu o ex-secretário geral do PS.
Já o ex-ministro do PSD e atual coordenador do projeto de revisão constitucional do PSD, Miguel Poiares Maduro — protagonista com Seguro no debate — critica o “enfraquecimento das regras do jogo” e “a falta de identificação que os políticos têm com as regras”, indo ao encontro do que é defendido por António José Seguro de que são necessários códigos de conduta com outro peso no desempenho das funções políticas.
“O poder tem tendência para ir para zonas escuras”
Dando o exemplo da reforma da Assembleia da República, projeto que coordenou em 2007, António José Seguro defende que “a ética deve ser estimulada” e que os quase 50 anos de democracia “falharam na formação de democratas”.
Para o ex-secretário-geral do PS “a lei é muito importante, mas a ética individual de um titular de cargo público se deve somar à ética da República. Pode haver casos e que a lei me dá essa vantagem, mas eu considerar que pela minha ética não posso. Essa dimensão deve ser estimulada”, diz. Sobre se a ética traz resultados, o ex-líder do PS, diz que isso só pode ser avaliado na hora de ir às urnas.
António José Seguro lamenta a “a fraca cultura institucional” e aponta como caminho a criação de “normas claras e rígidas e que exista uma sanção ao comportamento”, como responsabilização, “num setor que vive do exemplo, que tem que vir de cima” e avisando que “o poder tem tendência para ir para zonas escuras e a transparência ilumina essas zonas”.
Depois de ter deixado a liderança do PS em 2014 — na sequência de uma derrota em eleições primárias frente a António Costa –, António José Seguro mantém-se da vida política e dá aulas na Universidade Autónoma de Lisboa. Em 2016, lançou um livro sobre a reforma do Parlamento.