O cancro e as doenças relacionadas com problemas cardíacos estão no topo da lista das complicações que mais matam em Portugal e os tempos de espera para consultas na área da cardiologia e oncologia continuam a aumentar, mantendo-se acima dos tempos máximos de espera recomendados pelas autoridades de saúde. A informação é avançada no relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), esta segunda-feira divulgado, citado pelo Público.
De acordo com a monitorização, que continua a avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 e a recuperação da atividade — considerando em específico a implicação no cumprimento dos tempos de espera médios recomendados — o número de doentes em lista de espera para cirurgia aumentou de forma “transversal a todas as áreas analisadas face ao primeiro trimestre de 2021”, lê-se no documento.
“Relativamente às consultas, em todas as áreas analisadas foram obtidas, para o primeiro semestre de 2022, percentagens de incumprimento superiores às registadas no primeiro semestre de 2021, e aumentos muito significativos no número de utentes em lista de espera para primeira consulta hospitalar”, diz a nota da ERS que acompanha a divulgação do relatório. Na análise aos cuidados de saúde primários, as taxas de incumprimento dos tempos médios recomendados oscilou entre os 15,2% e os 21,9% nas consultas ao domicílio. Já nos pedidos para renovação de medicação, o incumprimento chega mesmo a ultrapassar os 10,4%.
O aumento no número de consultas e cirurgias oncológicas e na área da cardiologia não foram suficientes para atenuar o volume das listas de espera nestas duas áreas, que continuam sobrecarregadas e com listas de espera que vão aumentando ao longo dos anos. “Durante o primeiro semestre de 2022, foram realizadas 31.086 cirurgias programadas do foro oncológico nos hospitais do SNS, o que corresponde a um aumento na atividade cirúrgica de 13% face a igual período de 2021”.
Quando se compara “o volume de atividade registado no primeiro semestre de 2022 com igual período de 2019, verificou-se um aumento no número de cirurgias realizadas de cerca de 35%“, explica a ERS no relatório que detalha ter sido nas regiões do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo onde as percentagens de incumprimento do tempo médio recomendado para as cirurgias foram ultrapassadas com maior margem.
De acordo com os dados do relatório, a 30 de junho havia 6.325 doentes em lista de espera para cirurgia oncológica (eram 4.252 em 2019) e 1.999 para cirurgia cardiológica (eram 1.663 em 2019). Já no que diz respeito a quem aguardava a primeira consulta nas duas áreas, para oncologia eram 1.203 pessoas (890 em 2019) e cardiologia 13.169 (em 2019 eram 11.704) pessoas em lista de espera.
Em 2022 houve mais cirurgias, mas lista de espera continua a aumentar
Foram 4.398 os doentes operados, na área da cardiologia, nos seis primeiros meses desde ano. Em relação a 2021 houve um aumento de 3%, o mesmo valor quando comparado com 2019, período pré-pandemia Ainda assim, destes quase 4.400 doentes, quase um terço esperou mais do que o recomendado para uma cirurgia desta área clínica. Nessa linha, das cirurgias realizadas dentro do tempo recomendado ou não, a diferença face a 2021 é praticamente nula (0,5 pontos percentuais), mas quando comparado com o mesmo período de 2019 registou-se um aumento de 5,3 pontos percentuais.
Na mediana de tempo de espera para atendimento a diferença também é significativa: de 6,8 dias para 12,5 dias. São as regiões do Centro e Lisboa e Vale do Tejo que registaram maiores aumentos no número de doentes que esperam mais tempo do que o recomendado para serem operados.
No final de junho havia 1.999 à espera, sendo que quase metade (47%) já tinha ultrapassado o tempo definido. A lista espera aumentou 16% (ainda que haja uma descida de 7 pontos percentuais nas pessoas que estão há mais tempo à espera que o recomendado). A lista de espera aumentou cerca de 20% face ao período de pré-pandemia, embora os doentes estejam a ser mais rapidamente operados (tendo-se registado uma descida de 13 pontos percentuais nos doentes com tempo de espera superior ao limite legal).
“Face ao primeiro semestre de 2021 verificou-se um aumento de 13% no número de cirurgias oncológicas, um aumento de 3% no número cirurgias cardíacas e de 18% nas restantes cirurgias programadas realizadas”, lê-se no relatório da ERS, que compara os números deste ano com os níveis de atividade pré-pandemia: “o aumento no número de cirurgias oncológicas foi de 35%, nas cirurgias cardíacas de 3%, tendo-se verificado que para as restantes cirurgias o aumento foi de 11%”.
Número de primeiras consultas de especialidade nos hospitais em níveis quase pré-pandemia, mas listas de espera crescem muito
Além das consultas de oncologia ou no âmbito de doença cardíaca, o relatório revela também informações sobre as restantes consultas de especialidade em meio hospitalar, pedidas após referenciação dos centros de saúde. Diz a ERS que nos primeiros seis meses deste ano se realizaram 587.097 primeiras consultas de especialidade hospitalar, um aumento de 89.006 face a 2021 (ou seja, mais 18% de doentes atendidos) e menos 12.873 consultas que no mesmo período de 2019, ou seja menos 2% este ano que no período pré-pandémico. Na comparação do período pré-pandemia a proporção do número de doentes que esperam mais tempo do que o definido legalmente era sensivelmente o mesmo que é atualmente.
“A 30 de junho de 2022 havia 514.578 utentes a aguardar primeira consulta hospitalar, o que corresponde a um aumento na lista de espera de 45%, quando comparada com igual período de 2021. No entanto, o número de utentes em espera para primeira consulta hospitalar no primeiro semestre de 2021 foi ligeiramente inferior ao do primeiro semestre de 2019, ano de referência pré-pandemia, o que poderá ser explicado pela redução das referenciações por parte dos cuidados de saúde primários que se observou no período mais crítico da pandemia”, escreve a ERS na monitorização.
Voltando à especialidade de cardiologia, nota a ERS que houve um “aumento de 19% no número de consultas realizadas face ao primeiro semestre de 2021, a um nível de atividade superior ao registado antes da pandemia“: “Realizaram-se mais 2.513 consultas de cardiologia, o que corresponde a um aumento na atividade de cerca de 15%”.
Mas nem tudo são bons indicadores nesta área: 88,3% dos doentes atendidos na primeira consulta de cardiologia tiveram que esperar mais tempo do que o definido legalmente. Isto representa cerca de 23 dias a mais de espera para a primeira consulta.
E nem o aumento de atividade de 15% foi suficiente para diminuir o tamanho da lista de espera. A 30 de junho de 2022 havia mais 42% de doentes a aguardar face ao primeiro semestre de 2021, ainda assim uma diferença menor se comparado com os valores pré-pandemia (mais 13% do que em 2019).