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Na Rússia, Nikita Chibrin é um traidor. Na Europa, um requerente de asilo. O soldado esteve quatro meses na Ucrânia, ao longo dos quais testemunhou a brutalidade das tropas de Moscovo. Mobilizado para a 64.º brigada do exército russo – acusada de crimes de guerra em Bucha – recorda como viu e ouviu relatos de companheiros que roubaram, violaram e assassinaram durante a invasão.

Na Ucrânia os comandos eram claros. Tinham uma “ordem direta” para “assassinar” qualquer pessoa, militar ou civil, que estivesse a divulgar informações sobre as posições da unidade. Se alguém tivesse um telemóvel, eram autorizados a disparar, sem perguntas, sem justificações. Apesar de nunca ter presenciado um caso destes, não tem dúvidas: alguns dos membros da sua unidade seriam capazes de assinar civis desarmados a sangue frio. “Há maníacos que gostam de matar um homem. Esses maníacos foram lá parar”, afirmou numa entrevista exclusiva à CNN.

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A maior parte dos militares russos não procurava esconder os seus crimes e as chefias pouco se interessavam por justiça. Ainda recorda como em março, na região de Kiev, viu dois companheiros a fugir depois de terem violado duas mulheres ucranianas, uma mãe e a filha. “Vi-os a fugir, só depois fiquei a saber que eram violadores.” A resposta dos comandantes? Um encolher de ombros. Os dois homens foram espancados e o assunto dado por encerrado.

A reação deles: ‘Tanto faz. Aconteceu. E daí?’. Na verdade, não havia reação. Não havia disciplina”, disse na entrevista à CNN.

Chibrin, de 27 anos, cruzou a fronteira para a Ucrânia logo no dia 24 de fevereiro, a partir da Bielorrússia, sem ter a menor ideia de que estava a ser enviado para lutar em território ucraniano. À CNN revela que foram enganados e levados a crer que estavam a ser enviados para um treino conjunto com o exército bielorrusso. Assim se juntavam à invasão, mal preparados após uma preparação pobre.

Passou cerca de quatro meses na Ucrânia, primeiro na região de Kiev, mais tarde em Izium e Kharkiv, já depois de ter regressado temporariamente à Rússia para recuperar de um ferimento. Durante esse tempo fez parte da 64.º brigada do exército russo, unidade que o Ministério da Defesa da Ucrânia declarou como criminosos de guerra, após a descoberta de campas em massa e cadáveres de civis nas ruas das cidades ucranianas após a retirada de Kiev.

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Na Ucrânia não viu heroísmo, mas homens que voltavam “quebrados” pelo que viram. “Aqueles que disseram que iam disparar sobre os ucranianos facilmente, quando voltaram da linha da frente nem conseguiram falar comigo. Viram a guerra, viram a derrota, viram os companheiros serem mortos”, explicou.

Foi só em setembro que encontrou uma oportunidade para escapar. Fugiu a bordo de uma carrinha que ia buscar mantimentos à Rússia, depois de juntamente com outros militares ter subornado um dos comandantes.

Com ajuda da organização de direitos humanos Gulagu.net conseguiu mais tarde sair da Rússia e viajar para a Espanha. Atualmente encontra-se em Espanha, onde requereu asilo político, segundo contou ao The Guardian numa entrevista em novembro. Chibrin garante que nunca cometeu um crime, mas diz estar pronto para testemunhar sobre o que viu na Ucrânia perante um tribunal internacional.

Quanto ao fim da guerra, só vê um desfecho: a derrota da Rússia. “Pensar que vão ganhar é estúpido (…) Eles pensavam que podiam ocupar Kiev em três dias. A que dia estamos agora? 260.º? Eles achavam que iam para a Ucrânia e iam ser recebidos com flores, mas disseram-lhes para se irem f**** e atiraram-lhes cocktails Molotov”. Para já considera que a derrota russa é um cenário ainda distante e que muitos mais soldados vão morrer até lá, uma vez que são vistos simplesmente como “carne para canhão”.