A versão oficial é esta: de 3 de dezembro até esta segunda-feira, 19 — ou seja, ao longo de 16 dias —, não morreu ninguém na China devido à Covid-19. Num país que tem 1,4 mil milhões de habitantes, e que até levantou restrições a 7 de dezembro, aliviando fortemente a política de controlo rigoroso das infeções, ninguém morreu. Esta é a versão das autoridades chinesas. A realidade, porém, pode ser muito diferente, têm vindo a relatar os meios de comunicação internacionais e especialistas de saúde.

Nos últimos dias, têm-se vindo a intensificar as críticas à gestão da Covid-19 pelo regime chinês. A 7 de dezembro, após protestos populares contra as restrições que até então se mantinham — contra, nomeadamente, a política “Covid zero”, que retraiu a economia chinesa como há muito não se via (deverá crescer 3% este ano, a pior performance em quase 50 anos) —, o regime de Beijing mudou de estratégia.

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Não foi o único país a aliviar restrições. Mas alguns analistas apontam para debilidades específicas da nova estratégia chinesa: o país, escrevem por exemplo a CNN e o Financial Times, não fez o suficiente na vacinação dos grupos de risco (nomeadamente população mais idosa) e já estará a sentir consequências disso. Nos hospitais, terá sido necessário aumentar a capacidade de resposta em unidades de cuidados intensivos. Nas farmácias, os relatos sobre falta de medicamentos e antivirais multiplicam-se. E os analistas não têm grandes dúvidas: se nada for feito quanto à vacinação, o sistema de saúde chinês pode falhar.

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A ausência de medicamentos nas farmácias e o aumento da ocupação hospitalar não são, no entanto, os únicos sinais de que os números oficiais das autoridades chinesas podem estar muito distantes da realidade do país.

Segundo a CNN, muitas publicações em redes sociais chinesas têm apontado para um crescimento da procura por casas funerárias e crematórios na capital Beijing, ao longo das últimas semanas. À estação norte-americana, um funcionário de uma casa funerária dos subúrbios da cidade disse mesmo que as filas para os crematórios têm vindo a avolumar-se cada vez mais. E no principal motor de pesquisa chinês, o Baidu, as procuras por “casas funerárias” feitas por residentes de Beijing terão atingido máximos desde o início da pandemia.

Também a agência Reuters relatava há poucos dias (este sábado, 17) que os crematórios e as casas funerárias de Beijing estão cada vez mais “ocupados” desde que a Covid-19 voltou a propagar-se, na sequência do alívio de restrições no país.

Quando esta segunda-feira as autoridades chinesas comunicaram oficialmente a morte de duas pessoas por Covid-19, as primeiras desde 3 de dezembro, muitos utilizadores das redes sociais no país ter-se-ão insurgido, também segundo a Reuters. Um utilizador terá perguntado: “Para que servem estatísticas incompletas?”. Outro questionou: “Isto não é enganar as pessoas?”.

As dúvidas sobre a contagem das autoridades chinesas de casos de infeção pelo vírus causador da Covid-19 e do número de mortes por este provocado não são recentes. Desde o início de 2020, o país reportou pouco mais de cinco mil mortes relacionadas com Covid-19, um número muito inferior ao de outros países. É, por exemplo, perto de cinco vezes inferior ao de Portugal, que tem apenas cerca de onze milhões de habitantes (o que compara com 1.4 mil milhões de habitantes na China).

Citado pela Reuters, um especialista de saúde do think thank norte-americano Conselho de Relações Internacionais, Yanzhong Huang, sintetizou a questão: “O número é claramente uma subestimação das mortes por Covid-19”.