Vão ser muito poucas as canções destes tempos que se tornarão futuramente standards, isto é, temas clássicos e canónicos, aprendidos até por estudantes da canção. Quem o diz é Bob Dylan. Num questionário feito pelo Wall Street Journal, publicado esta segunda-feira, o músico e escritor de canções de 81 anos, que já venceu o Prémio Nobel da Literatura e que publicou recentemente um novo livro, responde assim, quando lhe é pedido para completar a frase ‘muito poucas canções de hoje vão….’: “Tornar-se futuramente standards”.
Quem vai escrever standards hoje? Um artista de rap? Uma estrela de rock ou hip-hop? Um raver, um especialista em samplar, um cantor pop? Isso é música para o sistema instituído. É easy listening [simples, feita para ser facilmente digerida]. Simplesmente parodia a vida real (…) Um standard está noutro nível. É um modelo e um arquétipo para outras canções, é uma em mil”.
Neste questionário, Bob Dylan foi ainda confrontado com o impacto do streaming na música. Para o músico, a audição nestes serviços digitais tornou a música “demasiado suave e sem dor” porque “é tudo demasiado fácil”. Basta “uma pancada” com um dedo, um “pequeno clique” e temos “tudo o que é necessário”. Em suma, é tudo “demasiado democrático”, refere ainda o vencedor do Nobel.
Já questionado sobre o que se sente quando se ouve uma grande canção, responde: “Tens uma reação nas vísceras e uma reação emocional. Segue a lógica do coração e fica na tua cabeça muito depois de a teres ouvido. Não tens de ser um grande cantor para a cantar (…) Toca-te em lugares secretos, atinge o teu ser mais interior”.
A tecnologia, descreve-a por sua vez como “feitiçaria”. “É um espectáculo mágico, invoca espíritos, é uma extensão do nosso corpo, tal como a roda é uma extensão do nosso pé”. Mas pode também ser “o último prego cravado no caixão da civilização, simplesmente não sabemos”.
Os “brutos” no site: dos “Oasis Brothers” a Eminem e Nick Cave
Paralelamente à publicação do questionário, o próprio Bob Dylan publicou, no seu site oficial, uma versão mais longa da conversa — detalhando os “brutos” das perguntas e respostas editadas e condensadas pelo The Wall Street Journal.
Nessa versão aumentada, ficamos por exemplo a saber que no que se refere aos “Oasis brothers [irmãos dos Oasis]”, presumivelmente Liam e Noel Gallagher, Dylan gosta “de ambos”. Mas não só, também “Julian Casablancas, the Klaxons, Grace Potter”. O escritor de canções, ainda embalado sobre música que tem descoberto com os anos e de que gosta, diz que fez “esforços especiais para ver o Jack White e o Alex Turner [vocalista dos Arctic Monkeys]“. Dá outro nome: “Zac Deputy, descobri-o recentemente. É um homem que faz um espectáculo sozinho, como o Ed Sheeran, mas senta-se quando toca”.
Sou um fã de Royal Blood, da Celeste, de Rag and Bone Man, dos Wu-Tang [Clan], do Eminem, do Nick Cave, do Leonard Cohen, de todos os que tiverem um feeling para as palavras e para a linguagem, de todos os que tiveram uma visão semelhante à minha”, refere ainda.
Ainda nessa versão ampliada, relativamente o que pode levar um ouvinte a gostar particularmente de uma canção, arrisca: “Quando ouves uma canção pela primeira vez, pode estar relacionado com a altura do dia em que a ouves. Talvez ao nascer do dia — ao amanhecer, com o sol a bater-te na cara —, provavelmente pode permanecer contigo mais tempo do que se a ouvires ao entardecer. Ou talvez, se a ouvires ao pôr do sol, provavelmente vai significar algo de diferente face ao que significaria se a ouvisses às duas da tarde. Ou talvez oiças algo na calada da noite, na escuridão, com olhos noturnos. Talvez possa ser a ‘Eleanor Rigby’ [dos The Beatles] e isso te ponha em contacto com os tens ancestrais antigos”.