A febre começou logo no início de setembro, quando a fase de grupos da Liga dos Campeões arrancou. Mykhailo Mudryk, um ilustre desconhecido, marcou um golo e fez duas assistências na goleada do Shakhtar Donetsk ao RB Leipzig. Seguiram-se outros dois golos nos empates contra o Celtic e uma importância crucial na campanha europeia de um clube de um país que está a ser invadido por outro. O Shakhtar caiu para a Liga Europa, Mudryk saltou para a Premier League.

O jovem avançado foi oficializado como reforço do Chelsea no final da semana passada, tendo já marcado presença na vitória dos blues em Stamford Bridge frente ao Crystal Palace e sendo apresentado em pleno relvado e com uma bandeira da Ucrânia pelas costas. Com apenas 22 anos, o ucraniano deixou o Shakhtar Donetsk e assinou pelo Chelsea a troco de 70 milhões de euros fixos mais 30 em cláusulas variáveis — ou seja, um negócio que pode chegar aos 100 milhões e que é válido até 2031, ao longo de uns pouco usuais oito anos e meio.

Para além de ser a maior venda da história do clube ucraniano, a ida de Mudryk para o Chelsea é também mais uma prova de que os londrinos estão a usar e a abusar do poderio financeiro para tentar inverter uma temporada que está longe do pretendido. Depois das contratações de Benoît Badiashile, Andrey Santos e David Datro Fofana e do empréstimo milionário de João Félix, os blues continuam à procura de soluções imediatas para melhorar o atual 10.º lugar na Premier League. E o jovem avançado, que foi associado ao Arsenal durante semanas e parecia um reforço certo para os gunners até ao fim de janeiro, faz parte dessa lógica de planeamento.

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Nascido em Krasnohrad, perto de Kharkiv, em janeiro de 2001, Mykhailo Mudryk passou pela formação do Metalist Kharkiv e do Dnipro Dnipropetrovsk antes de chegar ao Shakhtar Donetsk em 2016. Chegou à equipa principal dois anos depois e teve a primeira oportunidade pela mão de Paulo Fonseca, participando num encontro da Taça da Ucrânia contra o Olimpik Donetsk. Seguiram-se empréstimos ao Arsenal Kyiv e ao Desna Chernihiv, onde o avançado manteve regularidade competitiva no Campeonato ucraniano e adquiriu experiência, justificando o regresso ao Shakhtar já em janeiro de 2021.

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Nessa altura, Roberto De Zerbi — agora no Brighton, onde chegou para curiosamente, substituir Graham Potter, atual treinador do Chelsea — apostou em Mudryk e garantiu que o avançado era um dos grandes talentos jovens a nível europeu. “Não estou aqui apenas para ser campeão e ganhar a Taça, também quero jogar bem na Liga dos Campeões e formar os mais jovens. O Mykhailo Mudryk é um dos melhores jogadores jovens. Se não o levar até um nível de topo vou considerar isso uma derrota pessoal”, disse, na altura, o técnico italiano.

O avançado conquistou um lugar no Shakhtar Donetsk, mantendo-se nas opções iniciais mesmo depois da saída de De Zerbi e da chegada de Igor Jovićević, e esta temporada já leva 10 golos ao longo de 18 jogos em todas as competições. Mudryk foi eleito o Jogador do Ano na Ucrânia em 2022 — o ano em que o país foi invadido pela Rússia, motivando uma interrupção das provas desportivas e deixando muitos clubes na situação em que o Shakhtar já se encontra desde 2014, a treinar e jogar longe de casa, devido ao conflito no Donbass.

Em pleno ano de guerra, porém, o jovem avançado recebeu a primeira convocatória para a seleção da Ucrânia. Mudryk foi chamado em abril, quando a comitiva se reuniu na Eslovénia, e estreou-se em maio num particular contra o Borussia Mönchengladbach que fez parte da Tour Global pela Paz que os ucranianos cumpriram para se prepararem para o playoff de acesso ao Mundial do Qatar.

“Misha” para os amigos, é cristão ortodoxo e tem a inscrição “Only Jesus”, Apenas Jesus, tatuada no pescoço. Ao longo do peito, noutra tatuagem ligada à fé que transporta para dentro de campo, pode ler-se algo como “Meu Deus, se hoje eu perder a minha esperança recorda-me de que os teus planos são melhores do que os meus sonhos”. Em entrevista recente ao jornal The Times, explicou a zona do campo em que se sente mais confortável — e destacou Cristiano Ronaldo como o único e principal ídolo.

“Fico mais confortável a jogar junto à linha porque é aí que posso mostrar todo o meu potencial no ‘um para um’. Tenho mais espaço para avançar e posso criar mais oportunidades se jogar junto à linha. Mas também gosto de jogar mais no meio-campo. A minha inspiração é o Cristiano Ronaldo, porque é o exemplo de onde podes chegar se trabalhares muito e acreditares em ti mesmo. Gosto da forma como o Cristiano joga. Vejo-me assim, um avançado. Mas preciso de mais tempo para mudar de posição, para mudar de ’11’ ou ‘7’ para ‘9’. Mas com o tempo tudo é possível”, explicou o ucraniano.

Responsável por um encaixe de 70 milhões de euros — que podem tornar-se 100 nos próximos meses — por parte de um clube de um país em guerra, Mykhailo Mudryk poderá agora ser o nome associado a um apoio relevante ao esforço militar ucraniano. Rinat Leonidovych Akhmetov, bilionário ucraniano que é o presidente do Shakhtar Donetsk, garantiu em comunicado oficial que parte do valor da transferência do jogador será entregue ao esforço de guerra.

“Hoje mesmo atribuí 25 milhões de euros para ajudar os nossos soldados e defensores, assim como as suas famílias. O dinheiro destina-se a diversas necessidades: tratamento, assistência psicológica e próteses e realização de pedidos específicos. Para cumprir os princípios da transparência, será formada uma equipa profissional e independente que vai comunicar com os defensores de Azovstal, as suas famílias, os serviços de patrocínio e os voluntários. Estamos eternamente em dívida para com os nossos guerreiros”, escreveu, deixando ainda a revelação de que o Chelsea aceitou realizar um encontro particular contra o Shakhtar Donetsk em território ucraniano.