A Comissão de Transparência preparava-se para ditar que existia um “impedimento” na situação de Jamila Madeira, a deputada socialista que acumulou o cargo de deputada com o de consultora da REN. Mas depois de uma sucessão de adiamentos, o projeto de parecer em causa nunca chegou a ser votado, e a deputada acabou por optar por ficar na Assembleia da República em exclusividade — tendo o Parlamento considerado que essa decisão encerrou o assunto, desistindo de se pronunciar.
O Observador questionou a presidente da comissão, Alexandra Leitão, sobre se não haveria, assim, lugar a nenhuma consequência — como por exemplo a devolução do montante recebido pela deputada enquanto acumulava funções e ordenados na REN — mas a socialista não teve nada a acrescentar em relação ao comunicado emitido esta terça-feira. Depois, em declarações às televisões, Leitão disse que a deputada seria apenas “notificada” para cessar funções na REN, coisa que acabou por fazer por vontade própria.
No projeto de parecer que chegou a ser distribuído em dezembro aos deputados, a que o Observador teve acesso, a deputada relatora — Emília Cerqueira, do PSD – lembrava que Jamila Madeira pediu um parecer à Comissão da Transparência em relação à sua “relação laboral com a REN Serviços S.A.”, para a qual a deputada já trabalhava desde agosto de 2011 (tendo assinado um contrato inicial, em 1998, com a REN – Rede Elétrica Nacional, SA, ainda antes de ser eleita deputada pela primeira vez, em 1999, com várias interrupções nas funções como deputada pelo meio, incluindo para ser eurodeputada).
Afinal, Parlamento encerrou caso de Jamila Madeira sem se pronunciar. Parecer nunca foi votado
Nas várias declarações que apresentou no registo de interesses do Parlamento desde que há registo (nas últimas quatro legislaturas), as descrições relativas à sua relação com a REN variam: em 2009, mencionava uma “colaboração pontual e não remunerada como Economista na REN, SA- Redes Energéticas Nacionais”; em 2016 mencionava que tinha sido “quadro” da empresa entre outubro de 1997 e maio de 2016 (e diretora para a Agenda Europeia de Energia entre 2013 e 2016), tendo sido remunerada por isso.
Em 2020, passava a constar do registo de interesses a sua atividade como “consultora para a Agenda Europeia da Energia” exercida entre maio de 2016 e outubro de 2020 (neste período, teve funções suspensas por ter estado no Governo, como secretária de Estado da Saúde).
Na última atualização, referente a esta legislatura, no registo de interesses do Parlamento passa a ler-se que Jamila Madeira é “consultora para a Agenda europeia de energia na REN Serviços SA” desde 1997 e é “remunerada” por isso.
O projeto de parecer não definia uma baliza temporal para o impedimento que estava ali em análise, tendo o Observador colocado perguntas tanto Jamila Madeira como Alexandra Leitão sobre essa questão, sem resposta. À SIC referiu que um parecer com treze anos de existência (portanto de 2009) lhe dava razão, ao qual o Observador pediu para aceder.
De qualquer forma, recordando que os impedimentos para certas atividades estão definidos no artigo 21 do Estatuto dos Deputados, para “tornar o exercício do mandato parlamentar transparente, isento e independente“, o projeto de parecer frisa que o contrato de Jamila Madeira foi aditado em 2011, estabelecendo-se “uma relação de emprego com a REN – Rede Elétrica Nacional, SA., enquanto empregador principal, e com a REN Serviços, SA., como co-empregador”, no regime de pluralidade de empregadores, “sendo a empresa REN Serviços, SA. a entidade responsável pelo pagamento da respetiva remuneração”. Depois, em 2016, “foi alterado o respetivo regime de prestação de trabalho, passando de tempo completo a tempo parcial”.
E durante o tempo em que esteve no Governo como secretária de Estado da Saúde, entre outubro de 2019 e setembro de 2020 (saiu incompatibilizada com a então ministra da Saúde, Marta Temido) suspendeu funções.
Chega pede novo parecer sobre Jamila Madeira depois de ter aceitado não votar o inicial
Ora a relatora concluía, no projeto de parecer que não chegou a ser votado, que Jamila Madeira tinha assim um contrato com uma “entidade empregadora concessionária de serviço público“, uma situação que não é permitida pela alínea h) do artigo 21 do Estatuto dos Deputados, que impede os deputados de “prestar serviços ou manter relações de trabalho subordinado com instituições, empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos ou que sejam parte em parceria público-privada com o Estado”.
Ou seja, concluía o projeto de parecer, verificava-se mesmo “a existência de um impedimento no exercício cumulativo, pela Senhora Jamila Madeira, do mandato de Deputada com o exercício de funções na REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A. e REN Serviços, SA”.
A Comissão da Transparência estaria, assim, prestes a concluir que Jamila Madeira estava em incumprimento — mas a votação acabou adiada e a socialista saiu pelo próprio pé, pedindo que assim se desse por “findo o processo” e que o parecer não chegasse a ser emitido, coisa com que a Comissão concordou.
Questionada pelo Observador sobre as ligações de Jamila Madeira à empresa, incluindo quais os períodos em que esteve ativa a colaboração como consultora e em que áreas atuou, a REN respondeu apenas que a deputada “trabalhava no âmbito da Agenda Europeia da Energia, participando na ligação da REN com agências europeias do sector que se dedicam a temas relacionados com a transição elétrica e a sustentabilidade e assegurando contactos com a Comissão, diversos comités do Parlamento Europeu e várias outras organizações”.
Artigo atualizado às 18h55 com a resposta da REN.