O realizador Edgar Pêra estreia na terça-feira, em Roterdão, Países Baixos, um filme no qual entra na cabeça do escritor Fernando Pessoa, convocando muitos dos seus heterónimos, para falar de amor, trabalho e dinheiro.
“Não Sou Nada – The Nothingness Club” é apresentado como um “cinenigma” em torno de Fernando Pessoa e da obra literária multiplicada por dezenas de heterónimos, que tem estreia marcada em competição no Festival de Cinema de Roterdão.
O filme, produzido por Rodrigo Areias, de Bando à Parte, foi rodado no verão de 2020, em plena pandemia da Covid-19, com o elenco e a equipa técnica num quase confinamento, num armazém da antiga Fábrica do Rio Vizela, na Vila das Aves, Santo Tirso.
Foi lá que Edgar Pêra imaginou a mente de Fernando Pessoa como a redação de uma revista, ou como um escritório – o poeta foi ele próprio empregado de escritório -, no qual trabalham todos os seus heterónimos, produzindo novos textos em simultâneo, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Barão de Teive.
É nesse espaço visual, entre homens de fato preto, bigode fino e chapéu, que Edgar Pêra coloca também Ofélia Queiroz, considerada a única paixão de Fernando Pessoa.
“A proposta que fizemos para fazer o filme – o que eu queria e o que me propus a fazer – foi entrar na cabeça do Pessoa e isso eu sei que está lá. (…) A ideia de sonhos dentro de sonhos, histórias dentro de histórias, essa ideia de ‘filme cebola’, com imensas cascas. Começou por ser um edifício em forma de Fernando Pessoa, onde viviam lá os heterónimos todos”, explicou o realizador à agência Lusa.
“Não Sou Nada – The Nothingness Club” é uma ideia de Edgar Pêra, conta com Luísa Costa Gomes no trabalho de escrita de argumento, mas 90% do texto dos atores é da autoria de Fernando Pessoa.
Com Miguel Borges no papel de Fernando Pessoa, o elenco inclui ainda Albano Jerónimo, Vítor Correia, Miguel Nunes, Paulo Pires, António Durães e Victoria Guerra.
Edgar Pêra, que em 2019 teve uma retrospetiva do seu cinema no festival de Roterdão, sublinha neste filme uma maior ligação pessoal, porque a obra de Fernando Pessoa lhe é muito presente.
“Este é de longe o projeto em que eu mais me projetei, passe o pleonasmo, porque há questões que são fundamentais. (…) O Pessoa tem a capacidade de tocar muitas pessoas, porque ele abarcava muitos pontos de vista. Quem ler as cartas dele a Ofélia, a questão fundamental dele tem a ver com dinheiro, trabalho e amor”, explicou.
Edgar Pêra identifica ainda uma das géneses de “Não sou nada – The Nothingness Club” com um filme de 2001: “Este filme tem uma continuidade bastante óbvia com o ‘A Janela (Marialva Mix)’. Toda uma ideia de heteronímia que vai ao artista fundador, que é o Pessoa, e a esse desdobramento de personalidades. O filme nasce daí”.
“Não sou nada: The Nothingness Club” deverá estrear-se nos cinemas portugueses no outono e, enquanto isso, Edgar Pêra trabalha no projeto do filme “Cartas Telepáticas”, que relaciona H.P. Lovecraft e Fernando Pessoa, conta com recurso a Inteligência Artificial, e conclui a série “Cinekomix!!!”, com entrevistas feitas ao longo de vários anos a autores de banda desenhada, como Will Eisner, Art Spiegelman e Neil Gaiman, que terá estreia em abril, no canal 180.
O Festival de Cinema de Roterdão começou no passado dia 25 e termina a 5 de fevereiro, contando na programação com vários filmes portugueses.
Além de “Não Sou Nada – The Nothingness Club”, estão presentes “Primeira Idade”, de Alexander David, “Pátio do Carrasco”, de André Gil Mata, “Natureza Humana”, de Mónica Lima, “Why Are You Image Plus?”, de Diogo Baldaia, e “Mama dan so que sorriso”, de Cyrielle Raingou, e “FlybyKathy”, de Pedro Bastos.
A estes junta-se “Fogo Fátuo”, de João Pedro Rodrigues.