Estão disponíveis para corrigir algumas coisas à proposta de alteração ao regime SIFIDE (Sistema de Incentivos fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial) que o Governo entregou na Assembleia da República? À pergunta do PSD, o PS não deu resposta. E o Governo, nas palavras do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, realçou que cabe ao Governo “respeitar a prerrogativa soberana da Assembleia da República de trabalhar sobre os diplomas. O nosso objetivo é manter o incentivo, a promoção à inovação, evitando situações de fraude e abuso”.

Convocados os membros do Governo presentes na discussão no Parlamento sobre o diploma do Governo que altera o regime SIFIDE, mas que também cria um quadro de benefícios fiscais para as startups que atribuam aos seus trabalhadores ações como forma complementar de remuneração (stock options) para responderem diretamente à questão, foi a vez do secretário de Estado da Digitalização, Mário Campolargo, a dizer que “naturalmente o Governo está, como sempre, disponível para colaborar com esta casa”.

Hugo Carneiro do PSD, na intervenção parlamentar, lembrou que o PSD já tinha feito propostas de alteração ao SIFIDE no âmbito do Orçamento do Estado para 2023 e que voltou a levar o assunto a debate a 6 de janeiro, quando o PS propôs a descida do diploma social-democrata à especialidade sem discussão, o que foi recusado pelo PSD. E, por isso, Hugo Carneiro lembrou que “só estamos a discutir [o diploma do Governo] porque o PSD ou outro dos partidos não se opôs”, porque “estamos na mesma sessão legislativa a discutir a mesma coisa que vocês [PS] recusaram discutir”. E sobre a proposta do Governo, no entender do PSD, há espaço para melhorias na especialidade e foi esse o repto lançado. A proposta “faz meio caminho, mas não acaba totalmente com os abusos fiscais”, e por isso quis saber se “estão dispostos a corrigir”.

O ponto de discórdia é a forma como o SIFIDE permite benefícios fiscais a participantes em fundos de investimento que são, por sua vez, quem investe nas empresas de inovação. António Costa Silva, ministro da Economia, chegou a dizer no Parlamento que esses benefícios eram para acabar — e isso mesmo lembrou esta quarta-feira Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda — mas que depois foi desmentido pelo secretário de Estados dos Assuntos Fiscais anterior, António Mendonça Mendes.

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Governo vai pôr fim aos benefícios fiscais para inovação (SIFIDE) dos fundos de investimento

E no final de dezembro o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, a reforma do SIFIDE, que permite a manutenção dos fundos de investimento, mas apertando as regras para estes investidores. Isto depois de uma auditoria da Inspeção Geral das Finanças que detetou abusos a este regime, ainda que nessa auditoria realce algum benefício da sua existência.

IGF detetou irregularidades no regime que dá bónus fiscal à inovação

Para o PSD, é positivo que o Governo termine com o duplo benefício, mas diz que não foi endereçado o caso das relações especiais, remetendo para o Código de IRC. “Mais não fica claro o que acontece com os grupos de empresas. Pode dar-se o caso de uma empresa que investe num fundo de investimento que depois investe noutra empresa que pertence ao grupo da primeira empresa que vai beneficiar também deste regime”. Para Hugo Carneiro, “isto é planeamento fiscal, no limite planeamento fiscal agressivo”.

Outra pergunta deixada pelo social-democrata: “Se querem manter fundos de investimento, estão disponíveis para limitar até 49,99% os investimentos que um participante pode fazer num fundo?”. Explica a pergunta: “Podemos ter fundos verticalizados, dominados por uma única empresa, que vai fazer planeamento fiscal agressivo” e “nada é dito sobre essa matéria”. Um outro exemplo é obrigar a que 90% da capitalização do fundo seja efetivamente realizada, deixando uma margem de 10% para comissão de gestão do fundo. No entender do PSD, “pode originar a constituição artificial de fundos por grandes empresas”.

A IGF, na sua auditoria, expõe a necessidade de haver um maior controlo e fiscalização aos benefícios fiscais dados no âmbito do SIFIDE. Mas a proposta do Governo, acrescenta o deputado social-democrata, não resolve esta questão e, por isso, “espero que tenham o bom senso de corrigir tantos e tantos erros que esta lei tem”.

À esquerda, do Bloco e do PCP, veio também a crítica à participação dos fundos de investimento no SIFIDE. Mariana Mortágua, recuperando a declaração de Costa Silva de que a participação iria acabar, acusou o Governo de ter recuado depois de ter surgido “o lobby dos fundos” e “mantém os benefícios fiscais sem justificação”.

Da oposição o Governo ouviu os números de que Portugal estava na cauda da Europa em termos de despesa em investigação & desenvolvimento (I&D), para Nuno Félix argumentar que subiu de 1,2% do PIB para 1,7%.

Duarte Alves, do PCP, ficou por seu turno sem resposta quando questionou o Governo porque tinha alargado o report das despesas abrangidas pelo SIFIDE de oito para 12 anos.

Nuno Félix, recém chegado à pasta dos Assuntos Fiscais, realçou a importância do instrumento SIFIDE, realçando que, no entanto, é importante separar o trigo do joio, assumindo, por seu lado, que “Portugal é um exemplo de transparência ao nível dos benefícios fiscais”. Para reforçar o argumento lembrou que todos os anos é feito um relatório sobre despesa fiscal e todos os anos é publicada a lista dos beneficiários de bónus fiscais. “Se isto não é transparência, temos de ter um novo conceito”, concluiu.