Em vésperas de publicar um novo romance, Salman Rushdie falou pela primeira vez sobre o ataque “colossal” que o deixou cego de um olho e com uma mão temporariamente inutilizada.
Em entrevista à revista The New Yorker, o escritor britânico a residir nos Estados Unidos da América, que se prepara para lançar um novo romance, disse ter tido sorte. “Tendo em conta o que aconteceu, não estou assim tal mal. (…) As grandes lesões estão saradas”, afirmou.
Rushdie voltou a sentir alguns dedos da mão paralisada. Apesar disso, continua a ter dificuldade em escrever no computador. Consegue escrever à mão, mas só muito devagar. “Estou a fazer muita terapia à mão e dizem-me que estou a ir muito bem”, revelou. “Estou bem. Consigo levantar-me e andar. (…) há várias partes do meu corpo que precisam de ser constantemente avaliadas. Foi um ataque colossal.”
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A maior dificuldade está, contudo, em adormecer. O escritor sempre sofreu de insónias, mas a situação piorou desde o ataque de agosto do ano passado, em Nova Iorque. “Tenho tido pesadelos. Não exatamente sobre o que aconteceu, mas são assustadores. Parecem estar a diminuir”, disse, acrescentando que se encontra a fazer terapia.
Rushdie concluiu Victory City, o seu novo romance, no verão do ano passado, antes de ser esfaqueado durante um evento moderado por Henry Reese, um dos fundadores de uma organização que oferece proteção a escritores ameaçados, na Chautauqua Institution, em Nova Iorque. Mais recentemente, o autor tem tido “muitas dificuldades” em escrever. “Sento-me para escrever e nada acontece. Escrevo, mas é uma combinação de vazio e lixo. São coisas que escrevo e apago no dia seguinte. Ainda não consegui sair da floresta.”
O escritor recusa-se a usar o termo “bloqueio artístico”, porque acredita que existe sempre uma altura em que não há nada na cabeça. “Ter 75 anos e ter escrito 21 livros significa saber que, se continuar a insistir, alguma coisa vai acontecer”, afirmou, admitindo que só muito recentemente é que começou a sentir-se inspirador outra vez.
Rushdie, que nunca pensou qual seria a reação do público caso “fosse assassinado ou quase assassinado”, admitiu que foi “muito bom que toda a gente se tenha sentido emocionada com o que aconteceu” e que sente uma grande “gratitude”. O autor de Os Versículos Satânicos, o romance que o obrigou a esconder-se no final dos anos 80, tem consciência de que, ao pegarem no seu novo livro, que será lançado esta terça-feira, os leitores se vão lembrar do que lhe aconteceu, mas Rushdie não quer que isso aconteça.
“Sempre me esforcei para não adotar o papel da vítima. (…) Quero que eles [os leitores] se sintam cativados pelo conto, que sejam transportados.”
Victory City conta a história de uma jovem mulher que, nas vésperas de uma batalha contra dois reinos no sul da Índia, tem um encontro com uma deusa que lhe oferece poderes que vão além da sua compreensão. A mulher torna-se responsável pelo surgimento de uma grande cidade, Bisnaga (a “cidade da vitoria”), e império, que a consome durante os próximos 250 anos. O romance será publicado em Portugal no final deste ano, pela editora Dom Quixote.