O chef Nuno Mendes está de volta a Portugal e estreia-se pela primeira vez na cidade do Porto: esta quinta-feira, 16 de fevereiro, abre portas o Cozinha das Flores e o bar “irmão” Flôr, projeto cujo lançamento se antecipa ao do hotel The Largo (do coletivo dinamarquês Annassurra), do qual faz parte. Mas desengane-se: não vai ter de atravessar lobbies, apanhar elevadores e sentir, por momentos, que não pertence àquele lugar.

O Cozinha das Flores é independente, tanto que o acesso se faz pela rua, mais concretamente, através do número 62 do Largo de São Domingos, na zona Ribeirinha da cidade do norte. Um aspeto fundamental para o chef e diretor criativo que, por duas vezes, já arrecadou estrelas Michelin, uma no projeto Mãos, outra no Viajante, ambos em Londres, cidade onde está sediado há mais de uma década e onde em 2022 abriu o Lisboeta.

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“A Cozinha das Flores e o [bar] Flôr são espaços de rua. Isto é muito importante para mim. Este é um restaurante pensado para o Porto”, diz ao Observador. Mais do que um fine dining, um fun dining que quer promover a diversão e o bom convívio à mesa, numa atmosfera leve, descontraída e que aproxime as pessoas — e que tem como peça central uma peça do arquiteto Álvaro Siza Vieira. Mas já lá vamos.

“É neste momento o meu único projeto em Portugal e é muito especial”

Os numerosos projetos de sucesso no cenário londrino (entre eles, ainda o Bacchus, o Loft Project ou Chiltern Firehouse), onde é já uma referência bem consolidada na cena gastronómica, não diminuem o entusiasmo de Nuno Mendes por este novo regresso a Portugal  (foi diretor criativo do Bairro Alto Hotel, entre 2019 e 2022). O consagrado chef está empolgado com o novo capítulo e é com muito afeto que nos fala dele (como, aliás, mostrou também nesta publicação de Instagram).

“Estou super entusiasmado. Isto é um projeto em que estou a trabalhar há muito tempo, com muito amor, com um grupo de pessoas muito interessantes”, diz. Um restaurante que é para os que vivem e visitam a cidade, uma “homenagem ao Porto”, que lhe quer dar visibilidade. “Espero que as pessoas do Porto e o resto dos portugueses tenham orgulho neste projeto”.

Nascido em Lisboa, criado entre a capital e o Alto Alentejo, de onde era a família paterna, a realidade é que Nuno Mendes guarda parte importante das suas raízes neste cidade, agora pelo lado da mãe. Raízes essas que há cerca de três anos começou a explorar mais intensamente e que o têm deixado maravilhado: “Para mim uma das partes mais interessantes deste projeto é o facto de me permitir descobrir o Porto”, diz, destacando o “carisma”, a “melancolia” e a “energia” desta cidade “tão especial”. “É neste momento o meu único projeto em Portugal e é muito especial”.

O preâmbulo desta história de descoberta pela cultura do norte começou entre 2020 e 2021, não consegue precisar. A viagem oficial arranca agora. “A jornada começa aqui. Não é abrir a porta e já está. Este é um trabalho que vai continuar a evoluir ao longo do tempo. Quero aprofundar este conhecimento e trazer para o projeto pessoas que tenham a mesma curiosidade e paixão.”

Diversão, boémia e boa comida.”Gosto muito mais do fun dining do que do fine dining”

Mas do que se vai tratar, afinal o Cozinha das Flores? “Gosto muito mais do fun dining do que do fine dining”, começa logo por esclarecer. Bem resumido, a ideia é que, vivida a experiência, as pessoas pensem: “Este restaurante é divertido”. Portanto, um espaço de cozinha de autor, cujo ponto de partida e a inspiração são as “receitas antigas, tradicionais, de referência da zona do norte” — às quais se acrescenta o “conhecimento técnico” — , mas que quer proporcionar bons momentos.

Dispensa grandes formalismos e não se leva muito a sério. Quer um ambiente semelhante ao que se instalou no seu Lisboeta, projeto que nasceu como livro e que cresceu como restaurante.

“Acho que desde que tive filhos, tem crescido cada vez mais paixão por projetos que são experiências giras e boémias, em que não nos levamos muito a sério. Somos profissionais e vamos fazer o melhor trabalho possível, mas também queremos que os nossos clientes se divirtam enquanto cá estiverem. Não queremos um ambiente sério ou muito formal”, diz. “Uma paixão que tenho tido com o Lisboeta é precisamente o deste caráter democrático, onde as pessoas vêm e sentem-se confortáveis e descontraídas. É isso que eu gosto de criar.”

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Juntando técnicas antigas com outras mais modernas, a proposta gastronómica entra em diálogo com a cidade onde vive. A título de exemplo, vai poder provar camarão e bolo de ovo ao vapor com presunto balchão — a interpretação do chef do Pão de Ló, um prato do japonês do século XV, que vem a tornar-se numa das mais clássicas sobremesa clássica do receituário português; o nata de nabo, uma versão salgada do conhecido pastel de nata, cuja massa crocante recebe um recheio de nabo cremoso, coberto com caviar fresco; ou ainda os noodles de lula gigante com feijão branco e guisado de tripas de bacalhau, perfumado com frutas cítricas e endro, que demonstra a improvável união de produtos bem típicos do norte português.

Polivalente, o Cozinha das Flores e o Flôr vão estar abertos ao longo de todo o dia, servindo nas suas diferentes etapas propósitos distintos. Primeiro, vai servir pequenos-almoços; evolui depois para um espaço que serve almoços, mais rápidos ou mais lentos (o freguês é que decide); e, por fim, cresce para um restaurante pronto para receber os que procuram um jantar com boa comida, copos e amigos.

Sem menus degustação, é tão bem recebido quem optar pela formatação mais clássica (entrada, prato principal e sobremesa), como aqueles que forem pelo caminho de um prato só.

Os vinhos são também os da região, juntando às colheitas antigas e produtores históricos as opções mais contemporâneas, com vinhos de baixa intervenção.

O bar Flôr, o mural de Siza Vieira e uma sobremesa especial

O bar Flôr tem a mixologista Tatiana Cardoso aos comandos. Apesar de tocar em várias culturas (como a nipónica), abraça também a tradição gastronómica portuguesa — destaque para o cocktail Clichèd que junta gin, coentros, maçã, amaranto e bacalhau, este último o derradeiro cartão de visita português, que aqui é incorporado na receita através da utilização do rotovap, uma máquina que permite extrair a essência do sabor deste peixe, criando o destilado base da bebida, com nuances claras de maresia, salgado, mas fresco.

No campo da decoração sobressai o atelier Space Copenhagen, que pensou o Cozinha das Flores, o Flôr e o próprio The Largo, criando ligações com artesãos, artistas, académicos e especialistas na cultura local que contribuíram para todos os espaços. O conceituadíssimo arquiteto Álvaro Siza Vieira, vencedor do Prémio Pritzker, será um dos mais sonantes nomes desta lista, que, evocando a sensação de descontração associada aos restaurantes que nos fazem felizes, criou o mural, peça central, para o Cozinha das Flores, onde retrata a o universo dos músicos e da música.

Leite será uma das sobremesas, para já, disponíveis na Cozinha das Flores, uma homenagem ao Alentejo dos avós de Nuno Mendes (o evocar das memórias que na flor da juventude nunca se sabem tão felizes), onde trabalhou com o pai na exploração de vacas leiteiras. “Foi uma transição difícil, porque se calhar aos 19 anos não se quer viver no Alentejo”, brinca. Uma realidade que, ao longo de perto de um ano, viveu “diariamente” e que foi “muito especial”.

“Fazíamos duas ordenhas por dia. Começava às 4 da manha e durava até às 8h. Depois, as vacas iam pastar e tínhamos a segunda ordenha das quatro da tarde às oito”, detalha, lembrando “a geada matinal” e o acompanhar da mudança das épocas.

O Cozinha das Flores fica no Largo de São Domingos, no Porto. Está a aceitar reservas para refeições a partir de 16 de Fevereiro, que devem ser feitos através do email dine@CozinhaDasFlores.com ou do número 229 760 001. O Flôr recebe clientes passantes.