A ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo) denunciou a falta de formação dos técnicos da segurança social em matéria de adoção por casais do mesmo sexo, apesar de admitir a ausência de queixas por discriminação.

Na quarta-feira completam-se sete anos desde a entrada em vigor da alteração legislativa que permitiu a adoção de crianças por casais do mesmo sexo, aprovada depois de chumbada por quatro vezes no parlamento.

A presidente da ILGA Portugal disse à Lusa que desde a entrada em vigor da lei nunca foi implementado um plano de formação específico para os técnicos da segurança social sobre questões LGBTI, uma exigência da associação desde a entrada em vigor da nova lei.

“Os relatos que nós temos são de que há pouca atenção para as especificidades das pessoas LGBTI e, portanto, depende muito das pessoas, dos técnicos que estão a acompanhar estes casos”, apontou Ana Aresta.

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Pede, por isso, que “haja um plano anual sério, estrutural, de formação e capacitação dos organismos públicos para o atendimento de pessoas LGBTI e, neste caso, para atendimento de casais LGBTI”.

Ana Aresta admitiu, no entanto, que a ILGA não tem recebido denúncias por discriminação no decorrer do processo de adoção, apontando que o que existe é “por vezes, linguagens (que) não são as mais adequadas ou as mais adaptadas às especificidades destas famílias”.

“O que nós sentimos, em geral, é que o próprio Orçamento do Estado não contempla as devidas verbas para garantir que estes planos (de formação) sejam feitos de forma consistente e não dependam só daquilo que é a capacidade de iniciativa das organizações da sociedade civil”, disse.

Apontou por outro lado “a lentidão associada a todos os processos de adoção”, sublinhando que essa é uma questão genérica, que não afeta apenas os processos iniciados por casais homossexuais.

“Há aqui uma lógica estrutural de revisão destas políticas públicas em torno da adoção, para garantir que, de facto, os processos são mais ágeis e que estas crianças, que estão institucionalizadas, tenham efetivamente um lar que lhes é devido”, defendeu.

Ana Aresta apontou a alteração legislativa de 2016 como uma “grande conquista, uma conquista que tinha estado pendente e que foi rejeitada durante muitos anos no parlamento”, mas que “viu a luz e conseguiu quebrar uma discriminação muito grande”.

Sublinhou que a ILGA Portugal não tem “recebido quaisquer denúncias de discriminação nos contextos de atendimento de casais que estejam em processo de candidatura” e destacou “com apreço” que nos últimos anos o Instituto de Segurança Social tenha passado a disponibilizar dados estatísticos.

Ressalvou, no entanto, que esses são “ainda pouco claros em relação a quais são de candidaturas para adoção e quais são quais são processos de coadoção”.

“De facto há aqui uma mudança de paradigma do próprio Instituto da Segurança Social e da própria Santa Casa (da Misericórdia de Lisboa), que, de momento, já tem dados mais transparentes”, sublinhou Ana Aresta.

Frisou que isso “é fundamental não só para as organizações da sociedade civil saberem quais são os números concretos, mas também para que os governos possam efetivamente conhecer a população e formular políticas públicas nesse sentido”.

A presidente da ILGA Portugal entende, por isso, que “a batalha da adoção é uma batalha vencida” porque “as pessoas já não têm medo ou vergonha e já não têm de negar a sua orientação sexual”, apesar de ter consciência de que não há nenhum direito totalmente garantido, sobretudo “face aos avanços de políticos de extrema-direita”.

Defendeu ainda que o Instituto de Segurança Social poderia fazer campanhas de comunicação ou outras ações de sensibilização que demonstrassem que “não há qualquer problema e que é desejável que casais constituídos por pessoas do mesmo sexo adotem”.

Os dados mais recentes disponíveis na página do Instituto de Segurança Social, e relativos a 2021, dão conta de sete casais homossexuais que adotaram uma criança, o que representa 5% do total de famílias, que foram 162 nesse ano.

As sete famílias de casais do mesmo sexo eram sobretudo masculinas, quatro residentes em Portugal e três no estrangeiro.

Desde a entrada em vigor da lei, em 2016, pelo menos 23 casais de pessoas do mesmo sexo conseguiram adotar uma criança. Segundo o ISS, em 2017 se registaram sete adoções, um número que baixou para quatro no ano seguinte, chegou a cinco em 2019, e voltou a subir para sete em 2021. Não foi possível ter dados para o ano de 2020.