Fernando Medina tem recusado falar publicamente da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças à TAP até estar concluída. Segundo o próprio argumenta, isso poderia resultar num condicionamento ao resultado desta ação que se pretende independente do Governo. Mas também porque o ministro das Finanças, pelo menos formalmente, não terá visto o projeto de relatório que foi enviado aos principais protagonistas da decisão que resultou no pagamento de meio milhão de euros a Alexandra Reis para abandonar a administração da empresa três anos antes do final do mandato.

De acordo com informação recolhida pelo Observador, o ministro das Finanças não foi chamado a pronunciar-se sobre o projeto de relatório remetido pela IGF a outros envolvidos a quem foi pedido que exercessem o contraditório perante a versão preliminar sobre o apuramento dos factos.

Fernando Medina não estava na liderança das Finanças quando a decisão de indemnizar Alexandra Reis foi tomada, em fevereiro de 2022. Mas, de acordo com dados recolhidos pelo Observador, os anteriores responsáveis da pasta das Finanças — o ministro e o secretário de Estado do Tesouro que tinha o pelouro da TAP — também não receberam o projeto de auditoria para se pronunciarem, ainda que tenham prestado informação à IGF no quadro da investigação aberta em dezembro após o envio do dossiê por parte dos ministérios das Infraestruturas e das Finanças e no seguimento dos esclarecimentos dados pela TAP sobre a saída de Alexandra Reis.

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Tanto João Leão como Miguel Cruz afirmaram publicamente à data em que o caso rebentou não terem tido conhecimento do pagamento da indemnização a Alexandra Reis. Esta saída aconteceu há um ano quando o segundo governo liderado por António Costa estava em funções, mas já aguardando a chegada de um novo elenco na sequência das eleições legislativas de janeiro de 2022.

Ainda de acordo com a informação recolhida pelo Observador, o próprio Ministério das Finanças prestou informação à IGF enquanto tutela financeira da TAP, mas não apresentou contraditório. O mesmo aconteceu com o Ministério das Infrastruturas, sendo que o ministro João Galamba e o secretário de Estado só ocuparam os cargos depois de ser conhecida a polémica e para substituir as duas vítimas políticas que este caso já causou — o ministro Pedro Nuno Santos e o secretário de Estado Hugo Mendes.

Apertado esta quarta-feira no Parlamento pelos deputados, Medina recusou responder a qualquer pergunta sobre a referida auditoria antes de estar terminado o relatório final cujas conclusões (não necessariamente todo o documento) prometeu divulgar e que deverão ser conhecidas nos próximos dias. É o Ministério das Finanças que tem a tutela da IGF, e que, como tal, receberá o relatório final. Aliás, ainda esta quinta-feira foi comunicada a delegação de competências do novo secretário de Estado do Tesouro, Pedro Rodrigues, que ficou com a responsabilidade sobre as empresas públicas e empresas participadas que integram o setor empresarial do Estado, assim como com a IGF.

“Acha que é curial pedir-me para especular sobre o resultado da auditoria, antecipando conclusões e as ações que o Governo vai adotar sobre esse relatório?” — perguntou à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, a quem acusou de querer antecipar a comissão de inquérito já constituída sobre a TAP.

No quadro de uma audição regimental sobre política do Ministério das Finanças, Fernando Medina chegou a qualificar de “questões paralelas” os temas relativos à auditoria à TAP.

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Fernando Medina tem reafirmado o seu desconhecimento sobre a indemnização até ao momento em que a notícia dos 500 mil euros foi divulgada na véspera de Natal pelo jornal Correio da Manhã. Mas a oposição não desiste de cercar o ministro das Finanças sobre o tema — até porque foi já como titular da pasta que Medina convidou Alexandra Reis para a secretaria de Estado do Tesouro (da qual se demitiu pouco depois) — e aproveitou a audição no Parlamento para pressionar Medina a revelar que decisões vai adotar. Isto tendo por base informação sobre o relatório preliminar que tem sido avançada pela imprensa na última semana e que dá como certa a conclusão de que houve irregularidades na atribuição da indemnização paga a Alexandra Reis — nomeadamente pela não aplicação do estatuto do gestor público — ainda que não seja, para já, claro quem as cometeu e quais as consequências para esses responsáveis.

O Presidente da República já defendeu a necessidade de existirem consequências jurídicas no caso de se confirmarem as irregularidades divulgadas com base no relatório preliminar.

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Pelos dados já divulgados por alguns meios de comunicação que citam o relatório preliminar e o contraditório apresentado por alguns dos visados, haverá culpas para a administração da TAP e para a própria Alexandra Reis. No limite, a ex-gestora pode ter de devolver a indemnização de meio milhão de euros. Ou pelo menos uma parte, já que quando foi nomeada para a presidência da empresa pública NAV quatro meses depois deveria ter devolvido uma parte da indemnização, como manda o estatuto dos gestores públicos.

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No caso da TAP não é ainda claro se as irregularidades apontadas terão peso para forçar a demissão de Christine Ourmières-Widener, a presidente executiva que comunicou o processo e obteve a autorização da tutela das Infraestruturas (mas não das Finanças). Em risco estão ainda o administrador financeiro Gonçalo Pires (que foi nomeado pelas Finanças) e o presidente do conselho de administração Manuel Beja que, pelo cargo que exerce, tinha obrigação acrescida de reporte ao acionista.

Questionada esta quinta-feira pelos jornalistas sobre as consequências da auditoria para o seu cargo na TAP, a presidente executiva da TAP respondeu que não lhe compete responder a essa pergunta, mas sim ao Governo. “Não julgo que as consequências estejam relacionadas com as minhas decisões e é por isso que, para mim, é importante aguardar pelo relatório final”, insistiu Christine Ourmières-Widener.

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Outra dúvida é se a auditoria da IGF termina nas responsabilidades dentro da TAP ou salta para as tutelas políticas no Governo e até se chega a decisões que foram já tomadas com Fernando Medina nas Finanças, nomeadamente a nomeação da gestora para outra empresa pública, poucos meses depois de ter sido paga para sair da TAP. Esta nomeação foi feita por proposta do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, mas tem a concordância da atual equipa e ministro das Finanças. Foi ainda Fernando Medina quem convidou Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, apesar de saber as razões da sua saída da TAP (a divergência com a presidente executiva de uma empresa que, em princípio, iria tutelar). Questionado esta quarta-feira sobre quem o informou dessas razões, o ministro não respondeu.

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O comunicado que anuncia o envio do dossiê Alexandra Reis para a Inspeção-Geral de Finanças, emitido depois de ter recebido o esclarecimento pedido à TAP sobre o processo e respetiva fundamentação jurídica, não fecha a porta ao apuramento de outras matérias. “O Governo entendeu remeter de imediato os esclarecimentos prestados pelo Conselho de Administração da TAP à Inspeção-Geral de Finanças e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para avaliação de todos os factos que tenham relevância no âmbito das suas esferas de atuação.”

As responsabilidades políticas foram assumidas pelo ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que se demitiu ainda no ano passado quando foi tornado público que o seu ministério tinha aprovado a indemnização. O secretário de Estado da Infraestruturas, apontado pela presidente da TAP como o principal (se não único) interlocutor dentro do Governo para este dossiê, também saiu. Ao contrário de Fernando Medina, Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes transitaram do anterior Governo e estavam em funções quando a indemnização foi decidida e paga e seria praticamente impossível evitarem um mea culpa.