À primeira vista, não há nada em Bakhmut por que lutar. Quase toda a população — pouco mais de 70 mil pessoas — fugiu da cidade na região de Donetsk quando a investida russa chegou à cidade. O território foi transformado num enorme cemitério com 42 quilómetros quadrados de edifícios em ruínas. E, na terra lamacenta, abriram-se trincheiras no espaço que sobra.
Apesar da paisagem devastadora em Bakhmut, que mesmo antes da invasão de 2022 já tinha sido palco de confrontos na guerra de 2014, a cidade salineira transformou-se no mais recente emblema da resistência ucraniana. Como Mariupol ou a fábrica de Azovstal. E, para a Rússia, é apetecível precisamente pelo mesmo motivo: puro simbolismo.
Agora, vive-se um impasse em Bakhmut, explica a Forbes. A cidade vai cair, mas ninguém arrisca adivinhar para que lado. Das duas, uma: ou as tropas do Kremlin se aproximam definitivamente das duas estradas que os ucranianos usam para entrar e sair de Bakhmut, obrigando-os a recuar para não ficarem cercados; ou a resistência contra-ataca com força suficiente para espantar os russos.
Neste momento, as tropas russas estão junto a Khromove, onde fica uma estrada que os ucranianos usam para reabestecerem, e cercaram um posto de gasolina na estrada 0504 — a segunda e última estrada. Ainda assim, a situação atual acaba por ser sempre mais favorável à Ucrânia do que à Rússia porque os soldados de Vladimir Putin estão a perder poder de combate a cada avanço e recuo. As últimas estimativas de Kiev dizem que a Rússia perdeu cinco vezes mais soldados em Bakhmut do que as forças de Volodymyr Zelensky.
É, no fundo, como se os russos já tivessem perdido, mesmo que conquistem a cidade: se forem empurrados para fora de Bakhmut, a luta acaba, mas milhares de russos morreram num combate que não trouxe qualquer avanço bélico. Se conquistarem efetivamente a cidade, as perdas já foram tão significativas que o controlo de Bakhmut não se traduziria num importante ganho na guerra.
A leitura partiu de Lloyd Austin, secretário da Defesa dos Estados Unidos: “Acho que é mais um valor simbólico do que um valor estratégico e operacional”. Bakhmut não tem indústrias significativas, nem infraestruturas essenciais e sem redundâncias noutros pontos da Ucrânia. Por isso, “a queda de Bakhmut não significaria necessariamente que os russos mudaram o rumo desta luta”, citou o Al Jazeera.
A Ucrânia sabe disso — e pode estar a utilizar Bakhmut como mero campo de exercícios para cansar os russos. Ou seja, o esforço de segurar Bakhmut servirá também para obrigar os russos a perderem cada vez mais armamento e soldados.
A estratégia não está a agradar aos soldados ucranianos, que, debaixo dos ataques aéreos da Rússia, acusaram o Presidente da Ucrânia de ter transformado Bakhmut numa “picadora de carne”, conta o The Kyiv Independent. O Kremlin desperdiça soldados e munições, sim, mas onde as tropas ucranianas também se sentem à deriva, sem treino militar e sem meios para contra-atacar.
Aliás, um conselheiro da presidência ucraniana disse esta segunda-feira que há consenso dentro do exército ucraniano para “continuar a defender” Bakhmut “Existe um consenso entre os militares sobre a necessidade de continuar a defender a cidade e a desgastar as forças inimigas, enquanto são construídas novas linhas de defesa”, disse Mykhaylo Podolyak, assessor da presidência ucraniana, numa altura em que se especulava sobre uma eventual retirada das forças comandadas por Kiev. Entretanto, foi anúncio um reforço das tropas ucranianas no local.
Mas há mais em jogo. Uma derrota russa em Bakhmut consagraria o grupo Wagner — a companhia privada de soldados russa — como uma peça importante no terreno de operações. Esta cidade de Donetsk foi o principal investimento do grupo Wagner para demonstrar o seu poder de resposta, mas os soldados privados (quase todos ex-presidiários) foram gradualmente substituídos por tropas do Kremlin ao longo das últimas semanas.
Isso “reteve a iniciativa para as operações russas em torno da cidade”, considerou o Instituto para o Estudo da Guerra — uma entidade norte-americana de especialistas que interpreta as informações que chegam do campo de batalhas. Se a Rússia, com a estratégia atual, vencer, isso indicia que o grupo privado Wagner — que agora está em rota de colisão com o Ministério da Defesa russo — não acrescentou grandes avanços no terreno de operações. Se, pelo contrário, for derrotado, a perceção poderá ser a contrária.
O responsável do grupo mercenário russo Wagner admitiu que as tropas ucranianas vão defender a cidade sitiada “até ao fim”. “Eles vão lutar por Artiomovsk [nome russo para Bakhmut] até ao fim, isso é evidente”, afirmou Yevgeny Prigojine, segundo a sua assessoria de imprensa.
Prigojine, homem de confiança do Presidente russo, Vladimir Putin, acrescentou ainda que os mercenários da Wagner também devem realizar o seu trabalho até ao fim. Mas, para isso, acrescentou, precisam de mais ajuda do comando militar russo. “Para que as Forças Armadas ucranianas desbloqueiem Artiomovsk, primeiro precisam bloquear os Wagners”, disse Prigojine, acrescentando que está “a bater a todas as portas” para receber reforços e munições.