O bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues, e o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, afastaram os padres das suas dioceses que constam da lista de alegados abusadores que foi entregue à Igreja Católica pela comissão independente que investigou o fenómeno dos abusos de crianças na Igreja em Portugal, anunciaram esta quarta-feira as duas dioceses em comunicados de imprensa.

“De acordo com o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal foram recebidas denúncias relativas a oito casos de alegados abusos ocorridos em sete concelhos da Região: dois nas Velas e um na Calheta, ilha de São Jorge; um no Faial; um em Angra do Heroísmo e um na Praia da Vitória, na Ilha Terceira; um no concelho das Lajes e outro em São Roque, ambos na ilha do Pico”, lê-se no comunicado da diocese de Angra.

“Estes alegados abusos terão sido cometidos entre 1973 e 2004, por pessoas diferentes, quatro delas — 3 sacerdotes e um leigo — já faleceram. Importa esclarecer que, dos quatro restantes alegados abusos, dois não foram considerados casos relevantes pela Comissão Independente ao cruzar dados entre as denúncias feitas à Comissão e a investigação histórica aos arquivos da diocese, que ocorreu no final de mês de janeiro de 2023”, acrescenta a nota.

“Da lista entregue na passada sexta-feira ao Bispo diocesano pela Comissão Independente constam dois nomes: um sacerdote de São Miguel e outro da ilha Terceira. O bispo diocesano já falou com ambos e, em conjunto, acordaram que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na Diocese e de acordo com as normas canónicas. Igualmente seguirá a participação ao Ministério Público”, faz saber a diocese açoriana.

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A nota de imprensa da diocese de Angra sustenta que “esta decisão não é uma assunção de culpa dos próprios nem uma condenação por parte do Bispo diocesano”.

“Trata-se de seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos, sobretudo depois da publicação do Vade-mécum sobre procedimentos para enfrentar casos de abuso de menores na Igreja”, explica a diocese.

Entretanto, também esta quarta-feira, o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, anunciou o “afastamento cautelar” de um sacerdote que foi identificado pela comissão independente. O arcebispo “pediu à Comissão Diocesana de Proteção e Segurança de Menores e Pessoas Vulneráveis para dar início à investigação prévia que seguirá depois para o Dicastério da Doutrina da Fé, em Roma”, lê-se num comunicado da arquidiocese.

A nota explica que a comissão independente “fez chegar ao Arcebispo de Évora, no passado dia 3 de Março, os nomes de alegados abusadores, referidos nos testemunhos recolhidos”. “Na Arquidiocese de Évora foram indicados dois nomes, de sacerdotes diocesanos. O primeiro deles morreu há alguns anos. O processo considera-se extinto. O segundo nome não trazia nenhuma informação complementar e a investigação efetuada nos arquivos diocesanos não encontrou nenhuma denúncia ou inquirição prévias“, explica a arquidiocese.

“O Senhor Arcebispo solicitou de seguida à Comissão Independente eventuais dados suplementares que permitissem iniciar a investigação. Com data de 7 de Março, foi recebida informação referente a abusos ocorridos contra rapazes na década de 1980, no Seminário Menor. Perante estes dados, o Senhor Arcebispo pediu à Comissão Diocesana de Proteção e Segurança de Menores e Pessoas Vulneráveis para dar início à investigação prévia que seguirá depois para o Dicastério da Doutrina da Fé, em Roma”, destaca a Igreja.

“Toda a informação será enviada também para o Ministério Público. Enquanto decorrem as investigações, o prelado eborense decidiu pelo afastamento cautelar do sacerdote do ofício de pároco e de todas as atividades pastorais que incluam contacto com menores, sem prejuízo da sua presunção de inocência“, sublinha ainda a arquidiocese.

Divergências dentro da Igreja sobre afastamento de suspeitos

As decisões dos bispos de Angra e Évora surgem numa semana marcada pelas duras críticas à Igreja Católica pela tímida reação ao relatório da comissão independente que foi tornado público em meados de fevereiro. Na sexta-feira da semana passada, os bispos portugueses estiveram reunidos em Fátima para uma assembleia plenária dedicada à análise e discussão do relatório da comissão, que validou 512 testemunhos, estimou uma rede de 4.815 vítimas potenciais entre 1950 e 2022 e entregou aos bispos uma lista com os nomes dos alegados abusadores que ainda se encontram no ativo.

No final da reunião, numa conferência de imprensa, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, recusou comprometer-se com o afastamento de funções dos padres mencionados na lista — uma ação que era pedida pela comissão independente. Pelo contrário, Ornelas referiu que a Igreja recebeu uma mera lista de nomes e que, sem mais dados sobre os casos, incluindo a identidade das vítimas, seria difícil investigar as situações e afastar os padres.

A declaração do bispo mereceu reações críticas em vários quadrantes da sociedade civil — e até de membros da comissão independente, como o psiquiatra Daniel Sampaio ou a socióloga Ana Nunes de Almeida, que se mostraram dececionados com a resposta da Igreja ao relatório. Depois da conferência de imprensa, foi a vez de o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, se mostrar desfavorável ao afastamento imediato dos padres suspeitos, insistindo que a Igreja só recebeu uma lista de nomes e também que não cabe aos bispos — mas à Santa Sé — determinar o afastamento.

As palavras de D. Manuel Clemente mereceram novas críticas por parte de Daniel Sampaio, que acusou o patriarca de Lisboa de não dizer a verdade. E mesmo dentro da Igreja começaram a fazer-se notar as contradições internas, quando o bispo auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, escreveu um comunicado a afirmar que os bispos podem e devem suspender os padres suspeitos, contrariando o que D. Manuel Clemente tinha dito.

“Depois da vergonha e do escândalo, é tempo de ação”

No comunicado emitido esta quarta-feira, o bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues, salienta que este é um “tempo de ação”.

“Depois da vergonha e do escândalo que a revelação da existência de abusos provocaram junto da sociedade, em geral, e dos cristãos em particular, é tempo de ação. A todos os que se sentem feridos, confusos ou perdidos, apelamos a que confiem que tudo se fará para implementar medidas punitivas onde necessário, mas também preventivas e formativas, que contribuam para devolver a confiança e a esperança a todos os cristãos. Igualmente se apela a todos os padres que sofrem pelas falhas de outros, para que continuem a ser presença do Bom Mestre que dá a vida pelos seus, junto das suas comunidades. Só a Verdade que é Cristo nos manterá vivos e livres”, lê-se na nota da diocese.

A diocese de Angra diz ainda que “tudo fará para que os abusos não tenham mais lugar”.

“A Igreja não pode sequer tentar esconder a tragédia dos abusos. Agiremos com tolerância zero para com os abusadores e disponibilizamo-nos para acolher, escutar e reparar a vida de todos os que foram abusados, sejam os que já denunciaram seja os que no seu silêncio e vergonha continuam a sofrer sozinhos”, sublinha a diocese.

“Disponibilizaremos através da Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de eventuais casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero todos os meios para que seja garantido o acompanhamento e tratamento psicológico das vítimas. Esta comissão, agora renovada, composta apenas por leigos, especialistas em várias áreas sociais, terapêuticas e jurídicas continuará a fazer o seu trabalho de forma ainda mais empenhada, garantindo o sigilo que situações desta delicadeza exigem”, destaca a diocese.

“De resto, importa referir que esta Comissão Diocesana, depois da apresentação do relatório pela Comissão Independente, e após três anos de actividade sem qualquer denúncia, já recebeu uma nova denúncia, que envolve um sacerdote de São Miguel já falecido. Um membro da referida Comissão encontrou-se com a vítima e disponibilizou o apoio da diocese para prosseguir este caminho de recuperação”, lê-se ainda no comunicado.

“Aos que ainda não tiveram coragem para denunciar ou preferiram não dar voz ao seu silêncio renovamos a nossa disponibilidade para os escutar. Não estão sozinhos. A Diocese garante, por outro lado, um empenho na definição de políticas robustas bem como a cooperação com todas as entidades que trabalham no terreno na luta contra os abusos de menores e pessoas vulneráveis de forma a erradicarmos este problema sistémico das nossas sociedades”, termina a nota da diocese açoriana.