É uma questão com séculos e que voltou a surgir com o início da guerra. O Presidente ucraniano respondeu, esta sexta-feira, a uma petição online (que reuniu mais de 25 mil assinaturas) lançada por um cidadão ucraniano. Em causa, está uma mudança na forma como a Ucrânia nomeia o país vizinho, deixando de usar o termo “Federação Russa” ou “Rússia” e passando a nomeá-lo “Federação Moscovita” ou “Moscóvia”.
Na resposta à petição, Volodymyr Zelensky assinalou que a questão levantada nesta petição “precisa de ser estudada cuidadosamente”, sendo necessário entender o “contexto cultural e histórico” por detrás de uma eventual alteração. Assim, o chefe de Estado instruiu o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, com a tarefa de “estudar o assunto” juntamente com “instituições científicas”. O Presidente promete que o peticionário será depois informado dos resultados.
A mudança de nome encerra séculos de um conflito que vem desde a Idade Média. O autor da petição defende que o “nome histórico da Rússia é Moscóvia”. “Essa designação [Moscóvia] foi usada em algumas línguas europeias e asiáticas. O nome também aparece em vários mapas do século XVI”, defende o peticionário, acrescentando que a “Rússia apenas existe há 301 anos — desde 22 de outubro de 1721, quando o czar moscovita Pedro I declarou o Reino de Moscovo como Império Russo”.
Na origem da alteração do nome do país está a formação do Estado Kievan Rus (cujo território ia desde do que é hoje o oeste da Ucrânia até Moscovo), criado no século IX por povos eslavos. A capital era Kiev, hoje em dia a principal cidade ucraniana. Ora, o autor da petição acusa os dirigentes russos de se apropriarem da história da Ucrânia: “Por 301 anos, os ucranianos sofreram por conta das mentiras contadas pela versão russa do nosso passado histórico. Ao chamarem Rússia [ao território que corresponde à Federação Russa), eles legitimam as mentiras e confirmaram esta versão da historia.”
Dito doutro modo, ao resgatar os mitos do Estado medieval Kievan Rus, a Rússia vê a Ucrânia como parte do seu território. “É por isso que a Rússia quer tanto o território da Ucrânia e Kiev”, explica o peticionário, acrescentando que “Pedro I roubou o nome Rússia, depois [a czarina] Catarina II reescreveu a história […], destruindo tudo o que estava relacionado com a Ucrânia. A tradição continua agora pela mão do ditador que controla a moderna Federação Russa”, numa alusão a Vladimir Putin.
Num discurso de 2021, o Presidente russo frisou que “os russos e os ucranianos eram apenas um povo”, lembrando precisamente o Estado medieval Kievan Rus. “Russos, ucranianos e bielorrussos são todos descendentes de Kievan Rus”, afirmou Vladimir Putin, vincando que a “soberania da Ucrânia é apenas possível em parceria com a Rússia”. “Os nossos laços espirituais, humanos e civilizacionais foram formados há séculos e têm origem na mesma fonte.”
É essa ideia de que a Ucrânia tem de estar ligada — ou mesmo subordinada — à Rússia que o autor da petição analisada por Zelensky quer combater. “Temos a responsabilidade de reclamar a nossa identidade e a nossa história”, advogou, indicando que esta alteração do nome da Rússia poderia levar a que os mitos do Kremlin fossem “desmontados”. “Seria um passo importante nesta guerra de informação.”
Rússia ataca proposta
Os atuais dirigentes russos criticaram duramente a petição, assim como a decisão do Presidente ucraniano de encarregar o primeiro-ministro de a analisar. O vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-Presidente do país, Dmitry Medvedev, escreveu na sua conta do Telegram que “o supremo regime nazi de Kiev mandou que se ponderasse a nomeação de Rússia para Moscovo”.
“O que posso dizer… A minha resposta? Claro que não”, atirou Dmitry Medvedev, defendendo que deveria ser a Ucrânia a mudar o nome para “Reich dos Porcos Bandera”, numa alusão a Stepan Bandera, um ultranacionalista ucraniano que fez uma aliança com Adolf Hitler, no sentido de tornar a Ucrânia independente da União Soviética.
A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, considera, por sua vez, que este é mais um “exemplo” de como a Ucrânia estaria a tentar criar um sentimento “anti-Rússia”.