O antigo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump foi formalmente acusado pela justiça dos EUA no âmbito do caso de alegados subornos à atriz pornográfica Stormy Daniels, embora não sejam conhecidas as acusações em concreto. A notícia foi avançada primeiramente pelo The New York Times, que citava fontes próximas à procuradoria de Nova Iorque, a quem cabia tomar a decisão.
Como explica o The New York Times, a decisão, que é resultado de uma investigação que já dura há quase cinco anos, vai trazer um cenário completamente novo na política norte-americana, uma vez que Trump se torna assim o primeiro ex-Presidente a enfrentar uma acusação criminal.
Minutos depois de a notícia ter sido conhecida, Trump reagiu, em comunicado, classificando a acusação como “o nível mais alto na História de perseguição política e interferência em eleições”, mas sem fazer apelos de protestos aos seus seguidores.
“Desde o momento em que desci no elevador dourado da Trump Tower, e mesmo antes de ter tomado posse como o vosso Presidente dos Estados Unidos, os democratas radicais de esquerda — inimigos dos trabalhadores deste país — têm feito uma caça às bruxas para destruir o meu movimento“, escreve Trump. Segundo o ex-Presidente, prova dessa perseguição são as investigações de que foi alvo, das ligações à Rússia ao processo de impeachment.
Tudo, segundo Trump, “mentiras” dos democratas para “apanharem Trump”, embora veja esta investigação como um novo patamar: “Acusar uma pessoa completamente inocente num ato descarado de interferência eleitoral”. Prova, diz, de que os seus inimigos estão a usar o sistema judicial como arma para castigar um adversário político, que é “o candidato republicano mais bem colocado para a corrida presidencial”.
Entretanto, um produtor da ABC, John Santucci, telefonou a Trump e perguntou-lhe se faz tenções de se entregar, mas em resposta ouviu apenas: “Toma conta de ti, John”. Além disso, na breve chamada o ex-Presidente ainda descreveu a acusação como “um ataque ao país”, uma “perseguição política” e uma tentativa de “provocar um impacto na eleição” de 2024.
Ao fim da tarde e durante a noite, um grupo de apoiantes de Donald Trump reuniu-se junto à mansão do ex-chefe de Estado norte-americano em Mar-a-Lago, onde o milionário estava no momento em que foi informado da acusação, para uma demonstração de solidariedade. De acordo com o The New York Times, estariam cerca de 20 pessoas no local. Pode ver as imagens das manifestações na fotogaleria no topo deste artigo.
Trump entrega-se ao tribunal em Manhattan na terça-feira
Segundo um porta-voz do tribunal de Manhattan, o o ex-Presidente entrega-se na terça-feira às 14h15 locais (mais cinco horas em Lisboa) para ser formalmente indiciado
Também os outros advogados de Trump, Susan Necheles e Joseph Tacopina, citados pelo mesmo jornal, comentaram entretanto a acusação, garantindo num breve comunicado que o antigo Presidente “não cometeu nenhum crime”: “Vamos combater vigorosamente esta perseguição política em tribunal”.
Tanto a Casa Branca como o Departamento de Justiça recusaram rapidamente comentar os últimos desenvolvimentos do caso. Joe Biden tem evitado fazer declarações sobre o assunto, para manter firme a ideia da proteção da separação de poderes.
Advogado de Stormy Daniels: “Que a verdade prevaleça”
Já o advogado de Stormy Daniels, Clark Brewster, escreveu no Twitter que a acusação não é “motivo de alegria”, elogiando antes o “trabalho árduo e a consciência” do júri de Nova Iorque. “Agora, que a verdade e a justiça prevaleçam. Ninguém está acima da lei”, rematou.
The indictment of Donald Trump is no cause for joy. The hard work and conscientiousness of the grand jurors must be respected. Now let truth and justice prevail. No one is above the law. #teamstormy
— clark brewster (@cbrew1) March 30, 2023
Quem também reagiu foi o advogado de Michael Cohen (o ex-advogado de Donald Trump que testemunhou sobre o alegado pagamento a Stormy Daniels), Lanny Davis. Em comunicado, disse que Cohen tomou, em julho de 2018, a “corajosa decisão” de dizer a verdade contra o poder e “aceitar as consequências”, e continuou a fazê-lo desde então, cita o The Washington Post. “Tenho orgulho de ter sido o seu advogado e amigo neste longo caminho em direção à justiça e responsabilização”.
Mike Pence diz que a acusação é “um ultraje” e “um desserviço” para os EUA
Mike Pence, que foi vice-Presidente dos Estados Unidos durante o mandato de Donald Trump, considerou que a acusação ao ex-Presidente é “um ultraje” e que, para milhões de americanos, parece “nada mais do que uma acusação política”.
As declarações foram prestadas numa entrevista à CNN que já estava agendada antes de a acusação ter sido conhecida. Mike Pence considera que “o povo americano vai olhar para isto e vê-lo como mais um exemplo da criminalização da política neste país”. É “um desserviço” para os Estados Unidos, afirmou.
Abordada pelos jornalistas, Nancy Pelosi sublinhou que “ninguém está acima da lei”. Foi a reação da ex-presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos à acusação contra Donald Trump. “O Grande Júri agiu de acordo com os fatos e a lei”, considerou: “Todos têm direito a um julgamento para provar a inocência. Espero que o ex-Presidente respeite pacificamente o sistema e que lhe conceda esse direito”, disse Nancy Pelosi, citada pelo The Telegraph.
DeSantis, rival de Trump e governador da Flórida, defende ex-Presidente
Para já, escreve o The New York Times, Donald Trump poderá demorar alguns dias até aparecer num tribunal. Depois de o próprio ex-Presidente ter recebido a acusação — a imprensa internacional diz mesmo que a equipa do antigo Chefe de Estado soube da acusação pelo jornal norte-americano — e de a procuradoria ter contactado os seus advogados de defesa, como foi feito pouco depois da notícia ser revelada, será tempo de negociar a forma como Trump se entregará para ser formalmente acusado, tendo para isso de voar de Flórida para Nova Iorque.
Depois disso, prossegue o The New York Times, deverá ser libertado, uma vez que se calcula que a acusação não inclua crimes violentos. Com as últimas declarações da sua advogada, parece claro que o antigo governante terá a intenção de se entregar voluntariamente. Mas caso Trump recuse ir até Nova Iorque, o estado da Flórida — governado pelo seu hipotético rival na próxima corrida presidencial Ron DeSantis — terá, provavelmente, de aprovar um pedido de extradição.
DeSantis já se pronunciou e decidiu ficar ao lado do rival no partido. “A Flórida não vai participar num pedido de extradição dadas as circunstâncias questionáveis que envolvem este procurador de Manhattan apoiado por Soros e a sua agenda política”. Segundo o The Washington Post, neste caso, e se Trump não comparecesse em tribunal voluntariamente, o assunto poderia ser decidido por um juiz.
De qualquer forma, quando se apresentar em tribunal, Trump terá de deixar as suas impressões digitais e de ser fotografado — talvez até algemado, procedimento habitual no estado de Nova Iorque.
O facto de ser acusado, ou mesmo condenado, não significa automaticamente que Donald Trump deixe de poder candidatar-se às eleições presidenciais norte-americanas (ou, em primeiro lugar, à nomeação do Partido Republicano): a lei não impõe que os candidatos tenham o cadastro limpo.
Trump disse que detenção poderia desencadear “violência catastrófica”
Na semana passada, o milionário republicano publicou uma mensagem na sua própria rede social, a Truth Social, na qual afirmava que o procurador distrital de Manhattan, Alvin Bragg, o estava a acusar sem factos para suportar o processo, alertando que este caso pode desencadear no país um potencial cenário de “violência catastrófica”.
“Que tipo de pessoa pode acusar outra, neste caso um ex-Presidente dos Estados Unidos (…) de um crime, quando todos sabem que nenhum crime foi cometido, e quando também sabem da potencial morte e destruição que esta acusação falsa pode provocar, sendo catastrófica para o nosso país?”, escreveu Trump na mensagem, referindo-se implicitamente ao procurador Bragg, a quem chamou de “psicopata degenerado que realmente odeia a América”.
Trump deixa aviso: se for acusado judicialmente, EUA podem enfrentar cenário de “morte e destruição”
Trump está a ser acusado de pagar pelo silêncio da ex-atriz pornográfica Stormy Daniels sobre o envolvimento sexual entre os dois. O escândalo sobre o alegado suborno de 130 mil dólares (cerca de 120 mil euros) à ex-atriz pornográfica Stormy Daniels — intermediado pelo ex-advogado de Trump, Michael Cohen — deu agora origem a uma acusação passível de sentença de pena de prisão, o que transforma Trump no primeiro ex-Presidente dos Estados Unidos a enfrentar acusações incriminatórias, que podem destruir politicamente — ainda que não legalmente — as suas aspirações de regressar à Casa Branca.
De acordo com especialistas jurídicos citados pelo The Washington Post, estas circunstâncias configurariam um caso de fraude comercial, que é uma contra-ordenação e não um crime. No entanto, a fraude comercial pode ser considerado um crime se tiver sido cometido para encobrir outro crime passado ou para realizar um ato criminoso depois.
As mesmas fontes indicam que a acusação pode estar a argumentar que os registos comerciais foram falsificados para encobrir uma contribuição para a campanha de Trump que não foi revelada. Mas a equipa de defesa do ex-Presidente norte-americano afirmou que o pagamento serviria para salvar o casamento de Trump e para salvaguardar a sua reputação, não para financiar diretamente a campanha.
[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]