Há, pelo menos, quatro anos, a argentina e ativista indígena argentina Moira Ivana Millán contou num programa de rádio argentino um episódio de assédio a que foi sujeita, em 2010, pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, recentemente acusado de condutas de assédio moral e sexual. Em junho de 2022, durante um encontro de mulheres indígenas no México, voltou a falar sobre o assunto.

Segundo o relato, em 2010, a ativista, na altura com 40 anos, viajou para Coimbra a convite do sociólogo português para dar uma aula de pós-graduação. “Esse senhor convidou-me para jantar, num lugar onde estávamos sozinhos. Começou a beber e convidou-me a ir ao seu departamento para buscar uns livros que me iria emprestar. Quando vou ao departamento desse senhor, ele mete-se em cima de mim”, conta no encontro do ano passado.

O excerto em que conta o episódio foi publicado na quarta-feira no Youtube pela plataforma feminista Universa, depois de virem a público denúncias de conduta sexual imprópria de Boaventura de Sousa Santos. Mas a conferência, que está disponível na íntegra no Instagram, ocorreu em junho do ano passado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Moira Millán diz que não denunciou o caso logo em 2010 por receio de que não acreditassem nela. Um argentino que a acolheu em Lisboa após o episódio de Coimbra ter-lhe-á mesmo sugerido que não contasse argumentando que não iriam acreditar nela. “Ele é a esquerda em Portugal. E na Argentina ninguém vai acreditar em ti porque ele é visto como um guru do pensamento de esquerda”, disseram-lhe.

Num programa de rádio publicado online em 2018 referia que a aconselharam a não denunciar o caso publicamente porque iria parecer que estava a “fazer o jogo” da direita.

“Não tive coragem de dizer porque sou uma mulher indígena mapuche, uma ativista, não sou académica”, indicou, no encontro do México no ano passado. Moira Millán explica que só falou no assunto naquele local porque o nome de Boaventura de Sousa Santos foi trazido à discussão. “É um machista, um violento”, afirma ainda.

O Professor-Estrela, o Aprendiz, a Vigilante. Como três investigadoras relatam os assédios que terão Boaventura Sousa Santos como peça-chave

Num livro internacional sobre condutas sexuais impróprias na academia, três investigadoras descrevem episódios de assédio moral e sexual numa instituição de ensino superior perpetradas por um professor que designam como “Star Professor” (“Professor Estrela”), que será Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais, e por um assistente.

Em comunicado, o sociólogo, diretor emérito do Centro de Estudos Sociais (CES), já negou as acusações e assegura que vai avançar com uma queixa-crime por difamação.

No artigo, as três mencionam a história de uma investigadora e política brasileira, a quem Boaventura terá acariciado o joelho prometendo que “todas as portas” do centro se abririam para ela caso aprofundassem a sua “relação pessoal”.

Depois de saber que Boaventura de Sousa Santos tinha escolhido orientar a sua investigação, pediu-lhe uma reunião de trabalho por email, a que o professor acedeu mas pedindo que acontecesse em sua casa. Quando chegou foi recebida com bebidas alcoólicas, que recusou. Perante alegadas investidas de Boaventura, recusou a proposta. Recolheu os pertences e foi para casa.

Investigadora e política brasileira diz ser uma vítima de Boaventura: “Senti-me refém daquela situação”

[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]