Luís Laginha de Sousa, presidente da CMVM, foi ouvido na comissão de inquérito à TAP e revelou que por ter investido em obrigações da transportadora se tinha excluído de votar no conselho de administração decisões sobre a companhia. Um impedimento que termina em junho, já que as obrigações detidas pelo supervisor têm data de reembolso em junho deste ano. O que significa que, a partir desse momento, Laginha de Sousa deixa de ter limitações nas decisões sobre a transportadora, realçou ao Observador fonte oficial da supervisora.

As obrigações foram emitidas em junho de 2019 com a maturidade em 23 de junho de 2023. Luís Laginha de Sousa informou a comissão de inquérito que as subscreveu antes de entrar para a CMVM, em dezembro de 2022. E, segundo revelou a mesma fonte oficial da CMVM, quando assumiu funções na supervisora do mercado de capitais, Laginha de Sousa submeteu ao departamento de recursos humanos, ao Tribunal Constitucional e informou o conselho de administração a declaração que elencava os valores mobiliários detidos. Também a ESMA – Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários, que reúne todos os supervisores europeus, tem essa informação.

A CMVM não revela que outros títulos detém Laginha de Sousa, justificando que estes investimentos não são estanques, acrescentando, mesmo, que as obrigações da TAP, por exemplo, vencem dentro de um pouco mais de dois meses. “As entidades que devem ter a informação têm” e sempre que se justifique revelarão os investimentos.

Segundo noticiou o Eco, em outubro último, Laginha de Sousa declarou à Cresap, no âmbito da avaliação do seu perfil para a CMVM, ser “detentor de instrumentos financeiros de emitentes supervisionados pela CMVM”, mas comprometeu-se junto à entidade a cessar as incompatibilidades e impedimentos na data de designação.  No resumo do parecer final da Cresap não é referida esta situação, nem é referido no parecer do Parlamento que ouve os responsáveis indigitados para os reguladores antes da nomeação.

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Nem os pareceres da Cresap nem os do Parlamento são vinculativos. Também no parecer de Nuno Cunha Rodrigues, novo presidente da Autoridade da Concorrência, que assumiu, na audição prévia, que ia alegar impedimento em decisões da Caixa Geral de Depósitos e da Floene, empresas onde tinha estado em órgãos sociais antes da indigitação, não houve referência a estas limitações.

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O que dizem os estatutos da CMVM e que deveres tem o presidente

O presidente da CMVM pode ser detentor de instrumentos financeiros, desde que tenham sido adquiridos antes de tomar posse. Mas tem um conjunto de obrigações caso pretenda transacioná-los.

Segundo os estatutos da CMVM, os membros do conselho de administração não podem “realizar, diretamente ou por interposta pessoa, operações sobre instrumentos financeiros, salvo tratando-se de fundos públicos, de fundos de poupança-reforma ou do exercício de direitos inerentes a instrumentos ou produtos financeiros previamente adquiridos“. Ou seja, no caso em concreto, Laginha de Sousa fez questão de realçar que as obrigações foram subscritas antes da sua entrada para a CMVM, cuja nomeação aconteceu a 1 de dezembro de 2022, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros.

Os estatutos ainda determinam que os instrumentos devem ser vendidos antes de início de funções ou terão de ser declarados. E caso, depois disso, pretenda aliená-los tem de pedir ao Ministério das Finanças.

“Os membros do Conselho de Administração que à data da sua nomeação sejam titulares de  instrumentos financeiros devem aliená-los antes do início de funções ou declarar, por escrito, a sua existência ao conselho de administração, só os podendo alienar com autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças“, lê-se nos estatutos.

No caso, Laginha de Sousa não vendeu as obrigações da TAP, estando à espera da maturidade para ser reembolsado pelo valor nominal dos títulos. Segundo informação avançada pela CMVM ao Observador, o presidente da CMVM investiu 12 mil euros.

O que significa que não houve qualquer pedido de venda ao Ministério. Contactado pelo Observador sobre a informação dada por Laginha de Sousa na comissão de inquérito sobre a sua incompatibilidade, o Ministério das Finanças não deu qualquer resposta. Fernando Medina deu posse a Laginha de Sousa a 28 de novembro de 2022, depois de ter sido noticiado que era o nome escolhido em setembro. O caso TAP só foi espoletado no final de dezembro de 2022, depois do Correio da Manhã ter noticiado que Alexandra Reis tinha saído da transportadora com uma indemnização de 500 mil euros.

Contraordenação da TAP não teve voto de Laginha de Sousa

No caso da TAP, Laginha de Sousa assumiu que, na reunião de 5 de abril, que avançou com o processo de contraordenação, não votou. Acompanha o processo mas não vota.

O processo está neste momento na TAP para defesa do visado. Por isso, Laginha de Sousa não revelou qualquer informação do processo na comissão de inquérito, alegando segredo de justiça e sigilo profissional, o que, aliás, levou os deputados a garantir que vão requerer junto do Supremo Tribunal de Justiça o levantamento do sigilo para que o presidente da CMVM possa prestar esclarecimentos. E deverá, assim, voltar à comissão.

Para já o que se sabe é que depois da recolha de elementos e análise do departamento da supervisão da CMVM, foi remetido por este a 2 de março ao departamento jurídico para avaliar os indícios. Depois desta avaliação, a proposta da contraordenação avançou para o conselho de administração que a 5 de abril determinou a notificação do processo para a TAP. Decorre agora o período de defesa, findo o qual passará novamente para a CMVM para que possa haver a decisão final, com eventual aplicação de coimas. Destas pode haver recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém.