O diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz, assumiu esta quinta-feira, numa audição parlamentar à porta fechada, que partiu dele a decisão de avançar com a recuperação do computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro das Infraestruturas. Além disso, foi ele, e não Graça Mira-Gomes, secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), a ser contactado no início de toda a operação.

Esta informação acaba por contrariar a versão dos factos até aqui conhecida. Na terça-feira, também à porta fechada, o Conselho de Fiscalização das secretas, órgão dirigido pela ex-ministra socialista Constança Urbano de Sousa, não terá sido claro em relação à intervenção de Graça Mira-Gomes na polémica ordem para que o SIS recolhesse o computador de Frederico Pinheiro — facto que agora o diretor do SIS reconheceu de forma cristalina.

Perante os deputados, Adélio Neiva da Cruz assumiu a responsabilidade da decisão, garantiu que a ordem não veio da secretária-geral do SIRP nem de qualquer membro do Governo, e terá explicado os contornos de todo o processo, insistindo, à semelhança do que fizera Urbano de Sousa na terça-feira, em dois pontos centrais: não havia indícios de crime (havendo tornaria injustificável, do ponto de vista legal, a atuação do SIS); e desconhecia-se o verdadeiro teor da informação guardada no computador de Frederico Pinheiro. Dois elementos que os deputados que estiveram nas várias audições encaram com muito ceticismo, para dizer o mínimo.

A peça que faltava: a sequência de acontecimentos

Não foi a única peça do puzzle a encaixar-se esta quinta-feira, dia em que, além de Neiva da Cruz, foi também ouvida Graça Mira-Gomes, igualmente à porta fechada. Até ao momento, não se tinha percebido exatamente como é que tudo se tinha concretizado: quem deu a ordem, quem contactou quem, o que se sabia no arranque da operação, e porquê acionar o SIS e não a Polícia Judiciária, a quem são reconhecidas competências neste tipo de casos. Neiva da Cruz e Mira-Gomes deram a sua versão dos acontecimentos.

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O processo terá começado assim: depois de Frederico Pinheiro ter abandonado o edifício do Ministério das Infraestruturas, o gabinete de João Galamba entra em contacto com o gabinete da Presidência do Conselho de Ministros; este gabinete estabelece ligação com a secretaria-geral do SIRP, mas Mira-Gomes não está presente; é a chefe da gabinete quem tenta contactar Neiva da Cruz, que também está indisponível — os dois, Neiva da Cruz e Mira-Gomes estão juntos num evento de trabalho; entra então em ação o diretor-adjunto do SIS, que fala com a equipa de Galamba e percebe o que está em causa; no tal evento em que estavam juntos, e depois de informado, Neiva da Cruz fala com Mira-Gomes; e é a partir daí que tudo se precipita.

Esta cadeia de acontecimentos nunca foi detalhada por Constança Urbano de Sousa ou pelo antigo secretário de Estado socialista Mário Belo Morgado, queixam-se ao Observador deputados que estiveram nas três audições. Quando foram ouvidos na terça-feira — o terceiro elemento do Conselho de Fiscalização das secretas, o deputado social-democrata Joaquim Ponte, também estava, mas nunca chegou a intervir –, Urbano de Sousa e Belo Morgado apresentaram uma versão resumida dos acontecimentos, descrita como minimalista.

Seja como for, há um ponto em que os três — Conselho de Fiscalização, SIS e SIRP — estão sintonizados: a equipa dirigida por Neiva da Cruz atuou porque não havia qualquer indício de crime cometido por parte de Frederico Pinheiro — havendo a prática de um crime ou um pelo menos indício forte, o SIS deve abster-se de intervir ou só pode fazê-lo em cooperação com entidades como a Polícia Judiciária, por exemplo.

Ora, esta garantia levanta, pelo menos, dois problemas: se não existiam indícios de crime, o que é que justifica que tenha sido o próprio SIS, já depois de recuperar o computador, a recomendar ao gabinete de João Galamba que informasse a Polícia Judiciária da questão do computador? Em segundo lugar, a versão das secretas não corresponde às do ministro João Galamba e do próprio António Costa, que sempre se referiram ao caso como “furto” ou “roubo“.

Mais: o SIS garante que interveio no processo numa lógica de prevenção de riscos, atendendo à existência de uma ameaça de divulgação de informação considerada classificada. Ao mesmo tempo, esta quinta-feira, Neiva da Cruz disse que decidiu autorizar a operação, mas não sabia que informação, nem o grau de confidencialidade. A explicação: tomou como boas as informações de Eugénia Correia, chefe de gabinete de João Galamba.

* Texto atualizado às 22h19 com novas informações

Fiscalização das secretas defende atuação do SIS à porta fechada por falta de indícios de crime