João Galamba deu uma nova versão sobre a sequência de acontecimentos que culminou no envolvimento do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na recuperação do computador que Frederico Pinheiro tinha levada do Ministério das Infraestruturas. Em relação à versão apresentada há menos de um mês, o ministro garante agora que a iniciativa partiu da sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, e que só foi informado de tudo posteriormente. Ora, não foi exatamente isto que Galamba disse na conferência de imprensa de 29 de abril. Pelo contrário.
Nessa altura, o ministro explicou o seguinte: “Liguei ao primeiro-ministro, estava penso que a conduzir e não atendeu. Liguei ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro [António Mendonça Mendes], julgo que estava ao lado do secretário de Estado da Modernização Administrativa [Mário Campolargo], que disse que devia falar com a ministra da Justiça. Coisa que fiz. Reportei o facto. Disseram-me que o meu gabinete devia comunicar estes factos àquelas duas autoridades [SIS e PJ]. Coisa que fizemos”.
Galamba ainda acrescentaria o seguinte: “Nós [Galamba e Eugénia Correia] articulámos e falámos isto com o gabinete do primeiro-ministro. Depois reportámos às autoridades competentes. A minha chefe de gabinete limitou-se a reportar uma coisa que tinha a obrigação de reportar”, assegurou.
Desta vez, no entanto, Galamba confirmou uma parte — o contacto com António Mendonça Mendes e o conselho deste para falar com o SIS –, mas acrescentou um pormenor muito diferente: o processo foi iniciado e concluído por Eugénia Correia, que só depois comunicou ao ministro que já o tinha feito, sem o seu envolvimento pessoal e sem o seu conhecimento prévio.
A questão foi levantada várias vezes ao longo da comissão parlamentar de inquérito, que ainda decorre. Começou por dizer Galamba: “O secretário de Estado do primeiro-ministro disse que, nas questões de dados, as entidades relevantes, eram o SIS e o PJ. Liguei à ministra da Justiça e falei da PJ. Transmiti à minha chefe de gabinete que devíamos falar com o SIS e ela disse ‘já falei com a SIS’”.
Nesta fase, o ministro já não mantinha a versão de que tudo fora articulado com Eugénia Correia, nem que tinham comunicado em conjunto com as autoridades — algo que não corresponde à versão apresentada na conferência de imprensa de 29 de abril. Disse agora Galamba: “Nunca contactei o SIRP, nunca recebi um contacto do SIRP. Eu contactei a PSP e o contacto com o SIS foi feito pela chefe do meu gabinete.”
Tal como explicava aqui o Observador, João Galamba, a 29 de abril, e Eugénia Correia, a 18 de maio, apresentaram duas versões diferentes sobre quem contactou o SIS. Esta quinta-feira, o ministro acabou por fazer coincidir a sua versão com a da sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, e remeteu várias vezes para o depoimento da sua subordinada.
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Depois, faltava a confirmação da identidade do elemento do gabinete do primeiro-ministro com quem falou sobre o caso. À pergunta do deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco (“quem é que lhe disse para contactar o SIS”), Galamba respondeu “o gabinete do primeiro-ministro”. Blanco insistiu: “Foi o secretário de Estado Mendonça Mendes?”. E o ministro acenou com cabeça.
Mais à frente, desafiado a dizer concretamente se tinha falado com António Mendonça Mendes, o ministro das Infraestruturas respondeu afirmativamente, referindo-se sempre ao homem que tem a coordenação política do Governo como “secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro”, sem o nomear.
Na comissão parlamentar de inquérito à TAP, Eugénia Correia nunca mencionou o telefonema a António Mendonça Mendes — na verdade, ninguém lhe perguntou. De resto, a chefe de gabinete garantiu que foi dela que partiu a iniciativa de comunicar com o SIRP e que só posteriormente revelou isso a João Galamba. “Cabe aos chefes de gabinete lidar com este tipo de situações. Tenho indicação de reporte. Posso transmitir-lhe que esse reporte foi feito sem autorização, prévio conhecimento ou prévia comunicação do ministro das Infraestruturas”, começou por explicar a chefe de gabinete do ministro.
E diria mais: “O ministro foi informado do dever de reporte algures nessa noite. Esse reporte foi feito nos minutos subsequentes à saída de Frederico Pinheiro do edifício e na sequência de um telefonema que tive com o diretor do CEGER [Centro de Gestão da Rede Informática do Governo] de que não era possível bloquear o equipamento. Perante o risco potencial em curso, o telefonema foi feito”.
A cronologia dos telefonemas e a dúvida: onde estava Galamba?
Depois há outra questão: as horas a que foram feitos os vários telefonemas. Explicou João Galamba que ligou a Frederico Pinheiro para exonerá-lo às 20h40. A seguir, às 21h10 e 21h12, ligou ao ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, relata o que aconteceu e pede para falar com a PSP. Cada telefonema teve 30 segundos.
A seguir, continuou o ministro das Infraestruturas, ligou a Eugénia Correia por duas vezes, às 21h13 e às 21h30. A seguir, mais precisamente às 21h52, Galamba contactou o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes. Por fim, às 22h53, ligou à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, para falar sobre a intervenção da PJ. Ora, a chefe de gabinete de João Galamba disse que ligou ao secretariado às 21h54 para pedir a chamada para o SIRP, cerca de dois minutos depois Galamba ter ligado para o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.
Galamba só não conseguiu precisar as horas a que ligou ao primeiro-ministro. “Ao primeiro-ministro não tenho aqui, não atendeu, tenho de procurar”, alegou o ministro — importa recordar que o registo de telefonemas inclui todas as chamadas efetuadas, sejam elas atendidas ou não.
Resumindo: dois minutos depois de Galamba ter falado com o gabinete do primeiro-ministro, em que lhe foi dito para contactar as secretas, a sua chefe de gabinete ligou secretariado para pedir o contacto com o SIRP. Recorde-se que, segundo a versão dos factos apresentada esta quinta-feira, os dois, Galamba e Eugénia Correia, nunca articularam o contacto com o SIS — foi a chefe de gabinete que o fez, sem a autorização do ministro.
Perante a insistência dos deputados, o ministro das Infraestruturas salvaguardou: “O meu telefonema com António Mendonça Mendes termina depois do telefonema de Eugénia Correia com o SIS”. Como é que João Galamba tem a certeza deste facto? Não é fácil descortinar, uma vez que o mesmo ministro garantiu que não estava ao lado da sua chefe de gabinete durante o contacto com o SIS e também assumiu não ter a certeza sobre o local em que se encontrava quando fez o telefonema a Mendonça Mendes — se em casa, se algures no Ministério.
A versão do diretor do SIS
Quando foi ouvido no Parlamento, à porta fechada, o diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz, assumiu que partiu dele a decisão de avançar com a recuperação do computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro das Infraestruturas e apresentou a cronologia dos acontecimentos.
Depois de Frederico Pinheiro ter abandonado o edifício do Ministério das Infraestruturas, o gabinete de João Galamba entrou em contacto com o gabinete da Presidência do Conselho de Ministros; este gabinete estabeleceu ligação com a secretaria-geral do SIRP, mas Mira-Gomes não estava presente; foi a chefe da gabinete desta quem tentou contactar Neiva da Cruz, que também estava indisponível.
Os dois, Neiva da Cruz e Mira-Gomes, estavam juntos num evento de trabalho. Entrou então em ação o diretor-adjunto do SIS, que falou com a equipa de Galamba e percebeu o que estava em causa. No tal evento em que estavam juntos, e depois de informado pelo seu adjunto, Neiva da Cruz falou com Mira-Gomes e apresentou os dados reportados. Foi a partir daí que tudo se precipitou.
A palavra “roubo” desapareceu nos contactos com o SIS
Existe um dado em que todos — Galamba, Eugénia Correia e Neiva da Cruz — estão articulados: em nenhum momento foi reportado um roubo ou um furto alegadamente praticado por Frederico Pinheiro ao SIS. E esta questão não é de somenos importância. Caso houvesse indícios de crime, os serviços de informações estariam impedidos legalmente de atuar — havendo a prática de um crime ou um pelo menos indício forte, o SIS deve abster-se de intervir ou só pode fazê-lo em cooperação com entidades como a Polícia Judiciária, por exemplo.
No seu testemunho, João Galamba manteve o seu entendimento daquilo que aconteceu no Ministério. “Sempre ouvi dizer que furto com violência é roubo. Alguém que não poderia entrar no Ministério levou um equipamento do Estado que não lhe pertencia. Tinha documentos classificados. Houve violência cometida contra membros do meu gabinete. É nesse sentido que há roubo”, disse.
Quando desafiado a esclarecer se o seu gabinete tinha comunicado ao SIS a existência de um “roubo”, Galamba não concretizou. “O reporte foi isso mesmo. A responsabilidade do meu gabinete acaba no reporte.”
Eugénia Correia esforçou-se por afirmar o mesmo esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP. A chefe de gabinete falou sempre em “roubo”, assumiu ter reportado um “roubo” à PSP, mas garantiu que, quando ligou para o SIRP, usou uma outra formulação. “Não falei em alegado roubo, mas em informação essencial que foi levada num computador por um ex-adjunto exonerado com toda a documentação relevante.”
*Texto atualizado às 00h55 com a cronologia apresentada por Galamba e as dúvidas que o ministro não esclareceu