Aníbal Cavaco Silva diz estar “seriamente preocupado com as consequências para o país da governação do PS”. Falando no encerramento do terceiro Encontro Nacional de Autarcas Social-Democratas, que aconteceu em Lisboa, o antigo Presidente da República voltou a criticar o Executivo socialista e a apontar baterias a António Costa — a mais dura intervenção pública que Cavaco Silva fez contra António Costa desde que deixou o Palácio de Belém.
“Luís Montenegro tem identificado bem o adversário político do PSD: é o PS e o seu Governo. Foi o PS e o seu Governo que colocaram o país na trajetória de empobrecimento e de profunda degradação da política nacional”, acusou o social-democrata, avisando a atual direção para não se perder ou distrair com outros partidos.
Num discurso muito duro para António Costa, Cavaco Silva chegou mesmo a dizer que neste Governo “escasseia a competência, mas abunda o populismo e a hipocrisia“. “Perguntem aos portugueses se alguma vez pensaram que era possível descer tão baixo em matéria de ética política e desprezo pelos interesses nacionais”, desafiou o antigo Presidente da República, numa referência à sucessão de casos que abalaram o Executivo socialista, em particular ao dossiê da TAP.
“O Governo socialista é especialista na mentira e na propaganda política. Ainda se pode acreditar em quem passa os dias a mentir? Não surpreende que o Governo socialista governe o país desta maneira. Considera que o importante é ter uma boa central de propaganda. O objetivo é desinformar, condicionar os jornalistas, iludir e anestesiar os cidadãos”, insistiu Cavaco.
Mais à frente, o antigo Presidente da República recuperaria ainda os exemplos de António Guterres e de José Sócrates, que caíram em circunstâncias politicamente muito frágeis. “O governo de António Guterres deixou o país no pântano. O governo de José Sócrates deixou o país na bancarrota. O governo de António Costa vai deixar ao próximo governo uma herança extremamente pesada“, sentenciou o social-democrata.
Ouça aqui o discurso na íntegra de Cavaco Silva, que foi transmitido pela Rádio Observador.
Discurso de Cavaco Silva. António Costa “perdeu a autoridade”
“Em princípio, as eleições serão em 2026. Mas às vezes, em resultado de uma reflexão ou de um rebate de consciência, os primeiro-ministros decidem apresentar o seu pedido demissão. Foi isso que aconteceu em março de 2011 [com José Sócrates]. Nunca imaginei que a incompetência do PS atingisse tal dimensão”, afirmou o antigo Presidente da República.
Para Cavaco Silva, aliás, os problemas no país “são o resultado das políticas erradas do Governo, da sua desarticulação e desnorte, da falta de rumo e da falta de visão estratégica”. “São o resultado de um primeiro-ministro que perdeu a autoridade e que não desempenha as competências que a Constituição lhe atribui”, argumentou o antigo primeiro-ministro.
A resposta (indireta) a Marcelo
Sem nunca nomear Marcelo Rebelo de Sousa, Cavaco respondeu indiretamente ao seu sucessor, que tem insistido publicamente na tese de que não existe ainda uma alternativa política aos socialistas. Segundo o antigo Presidente da República, “é totalmente falsa a acusação de que o PSD não tem apresentado políticas alternativas ao Governo do PS”.
Mais à frente, o ex-primeiro-ministro voltaria a rejeitar a narrativa de que não há alternativa política ao PS, argumento Marcelo Rebelo de Sousa chegou a usar para justificar as suas reservas em relação a uma eventual dissolução da Assembleia da República. “O PSD é a única opção credível para todos os eleitores que querem libertar o país do PS e de uma oligarquia que se julga dona do Estado”, sublinhou.”Em democracia não há vazios de poder. O PSD está preparado. E Luís Montenegro está tão ou mais bem preparado do que eu estava.”
Cavaco Silva defendeu depois que o PSD não deve andar a “reboque” de outros partidos na corrida pela apresentação de moções de censura, numa referência à Iniciativa Liberal e, sobretudo, do Chega. “A governação socialista tem sido desastrosa. Mas o atual governo goza de apoio da maioria parlamentar e [as moções de censura] servem os interesses do Governo socialista, desviam atenções e dos erros da sua governação.”
Aliás, o antigo Presidente da República lembrou o seu próprio exemplo e o ano de 1987, quando, depois de o seu primeiro governo ter caído na Assembleia da República às mãos de uma moção de censura, acabou reforçado nas urnas, com uma maioria absoluta. “Os vencedores não foram os partidos da oposição; foi o PSD”, sublinhou Cavaco Silva.
Os recados sobre as alianças à direita: “Não caiam nessa armadilha”
O antigo primeiro-ministro aproveitou também para defender Pedro Passos Coelho, que, diz, foi vítima de “ataques vergonhosos e miseráveis” por parte do PS. “Espero que a nossa democracia não volte a registar atitudes semelhantes”, exigiu o social-democrata.
Cavaco Silva deteve-se durante largos minutos a falar sobre a política de alianças que o PSD deve ou não seguir. Sem nunca nomear o Chega, o antigo primeiro-ministro acusou os socialistas de terem comprometido o seu ADN quando se aliaram a PCP e Bloco de Esquerda, e defendeu que os sociais-democratas não estão a obrigados a esclarecer se estão ou não dispostos a governar com André Ventura. “O PSD não deve cometer o erro de anunciar qualquer política de pré-eleições. Se o PS, que está em queda, não o faz, porque é que o PSD, que está a subir, deve fazê-lo? É uma armadilha orquestrada pela central de comunicação socialista”, disse.
Este foi o regresso de Cavaco Silva a um evento organizado pelo partido, quase 30 anos depois de ter deixado de ocupar o cargo de primeiro-ministro — em 2017, abriu uma raríssima exceção para participar na Universidade de Verão da JSD.
No arranque do seu discurso, o antigo primeiro-ministro explicou que decidiu aceitar o convite do partido em virtude do estado em que o país se encontra, por ser um “social-democrata” — “a minha presença hoje aqui é uma singela homenagem aos fundadores do PSD”, sublinhou Cavaco — e pelo “respeito e admiração pelo trabalho realizado pela maioria dos autarcas portugueses”.
Montenegro: “António Costa já desistiu de Portugal e de dar dignidade ao Governo”
Horas antes, na sessão de abertura, deste congresso, Luís Montenegro apelou a António Costa para que usasse a sua “habilidade política” para resolver os problemas do país, ressalvando que “ser hábil não é ser habilidoso”. “Faço um apelo último ao primeiro-ministro: use os instrumentos que tem à sua disposição. É afamado em termos de habilidade política, use-a. E convém dizer que ser hábil não é ser habilidoso. Ser hábil é resolver, ser habilidoso é ludibriar. Resolva os assuntos”, afirmou.
Montenegro insistiu na ideia de que existe no país um “pântano político” e defendeu que “se o Governo não for capaz de mudar, o país vai ter que mudar de Governo”. O PSD, reiterou, está preparado “para ser protagonista dessa mudança”. “E o país sabe que nós temos pensamento, sabe que nós temos projeto e o país sabe que temos gente e equipa, e uma grande parte da equipa está aqui nesta sala à minha frente. E nesta sala, como em muitas outras do país, nós estamos motivados, enérgicos, cheios de garra, cheios de força”, considerou.
Para Montenegro, “é preciso que o país perceba se o doutor António Costa já desistiu de Portugal, já desistiu de governar Portugal e de dar dignidade ao Governo da República Portuguesa”. O líder social-democrata considerou que é preciso estancar a “balbúrdia política e institucional” do atual contexto governativo — seria, no seu entender, “bom para Portugal, para as instituições, para a dignidade da política na sua mais nobre missão, que é servir as pessoas”. Essa responsabilidade, acrescentou, “está nas mãos de uma pessoa” e “essa pessoa chama-se António Costa”.
“Se o primeiro-ministro entende que é normalizando as anomalias e mantendo tudo na mesma que vai recuperar a credibilidade, a confiabilidade, a dignidade do seu Governo; se o primeiro-ministro entende que é a permanecer impávido e sereno longe da arena, desaparecido em combate – a casa arde mas o dono da casa está fora -; se o primeiro-ministro acha que é isto que vai induzir o país a acreditar no seu futuro, então mais vale mudar de primeiro-ministro”, atirou.
Para Montenegro, é necessária coragem para terminar com o atual “momento infeliz, infelicíssimo da democracia portuguesa”. Caso contrário, o executivo socialista está a assumir a responsabilidade de levar o país numa má direção, num contexto em que o PSD não vai abdicar de fiscalizar e escrutinar a ação governativa.
“Hoje, mais do que nunca, e talvez mais cedo do que era suposto, nós estamos cada vez mais focados em construir uma alternativa política de Governo para Portugal”, afirmou. Montenegro considerou que “é muito importante” saber o que se passou no Ministério das Infraestruturas, referindo-se à polémica que envolve Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba, mas defendeu que existem coisas “mais importantes” como a devolução do poder de compra às famílias, a atribuição de médico de família a todos os portugueses ou a resolução dos problemas no setor da educação.
A oposição tem pedido recentemente a demissão do ministro João Galamba e explicações do primeiro-ministro devido à polémica relativa ao Ministério das Infraestruturas, que envolve a acusação — por parte do Governo – de roubo de um computador do Estado por Frederico Pinheiro e a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS).