Podem chorar,
Podem gritar,
Que eu não vos oiço,
É tempo de festejar o 38.

Os cânticos começavam ainda a alguns metros da Praça do Município, junto ao Terreiro do Paço e na romaria que dezenas de adeptos do Benfica, com as obrigatórias camisolas e os obrigatórios cachecóis, faziam desde a saída do metro até à Câmara Municipal de Lisboa. Dois dias depois da conquista do título, dois dias depois da longa madrugada no Marquês de Pombal e dois dias depois do fim de quatro anos de jejum, os encarnados eram recebidos por Carlos Moedas e proporcionavam mais um momento de autêntica euforia para sócios, adeptos e simpatizantes.

A entrada na Praça do Município fazia-se através de uma das ruas laterais e obrigava a um apertado controlo de segurança. Como um elemento da PSP explicou ao Observador, aquele espaço seria tratado como um recinto desportivo até ao momento em que o autocarro do Benfica abandonasse o local — ou seja, estava proibida a entrada de recipientes de vidro, de garrafas de plástico com tampa e de bebidas alcoólicas. E de animais, como o pequeno Pablito, um cão que circulava ao colo de um dono que estava desolado por não poder festejar em conjunto com o fiel companheiro.

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Já em frente à Câmara Municipal de Lisboa e cerca de meia-hora antes das 17h, a hora para que estava marcada a receção ao Benfica por parte do presidente da autarquia, os adeptos começavam a acumular-se entre bandeiras, tarjas, muitos cachecóis e uma mancha vermelha que tem sido constante desde que os encarnados venceram o Santa Clara na Luz e conquistaram o Campeonato pela 38.ª vez. A multidão era dominada por duas grandes franjas: os mais velhos, já reformados e com disponibilidade para assistir à chegada da equipa; e os mais novos, ainda a estudar e livres para sair da escola ou da universidade para ver os novos campeões nacionais. Pelo meio, algo perdidos, alguns turistas que foram atraídos pela confusão e decidiram ver o que se estava a passar bem no centro da capital.

Entre muitas palavras de ordem, cânticos e a ideia generalizada de alegria, surgiam várias tarjas na zona mais próxima do edifício da Câmara: uma despedia-se de Grimaldo, indicando que o espanhol será uno de nosotros siempre, outra lembrava Fehér, o húngaro que caiu inanimado em campo há 19 anos, e uma terceira defendia que os adeptos são “o colinho”, a expressão tantas vezes utilizada para referir alegados favorecimentos das equipas de arbitragem.

O autocarro do Benfica chegou pouco depois das 17h, recebido entre gritos e a repetição da certeza de que “o campeão voltou”, e Otamendi e João Mário transportaram o troféu de campeão nacional para dentro da Câmara. Já no Salão Nobre da autarquia e depois de uma atuação de Marisa Liz que não agradou aos adeptos — “mete aí os Anjos”, ouvia-se, alternando com “queremos é os jogadores” –, Carlos Moedas fez um discurso de “15 minutos à Benfica” e deixou algumas palavras a Rui Costa, presidente encarnado.

“O presidente Rui Costa tem uma grande capacidade de nos transmitir paixão, mas tem simplicidade. Quando olhamos para os olhos dele vemos o coração. O desporto, Lisboa e o Benfica devem-lhe muito. Obrigado, Rui”, disse o autarca, prosseguindo com a ligação entre o clube e a cidade. “Há quem diga que o Benfica é uma nação, mas hoje o Benfica é uma cidade, todos juntos. Foi aqui, em Belém, que Cosme Damião juntou 24 pessoas numa farmácia. Foi aí que nasceu o sonho lisboeta. Pela primeira vez tivemos alguns símbolos da cidade no equipamento, levam ao peito a bandeira da cidade. Estou aqui a representar todos os lisboetas, o vosso nome é o de uma grande cidade. Viva o Benfica”, terminou, sendo aplaudido por uma multidão onde já se encontravam muitas das novas camisolas para 2023/24, oficializadas há poucos dias.

Depois das palavras de Carlos Moedas, seguiu-se o discurso de Rui Costa. “Conquistámos o 38 que tanto ambicionávamos. É com sentida honra e orgulho que aqui estamos em representação do Benfica. A par da ambição, da responsabilidade e da paixão, é uma honra representarmos o Benfica numa cidade que nos viu crescer para nos tornarmos o clube mais popular e amado, o clube mais ganhador, o clube que como cantam os nossos é maior do que Portugal. Somos desta cidade com muito orgulho, mas somos também do mundo. O Benfica é um conjunto imenso, um clube mítico. É um orgulho estar aqui porque é sinal que ganhámos e estamos à altura da nossa história, cumprimos o desejo de todos os benfiquistas. Vale também pela forma como o alcançámos, com futebol ofensivo, vibrante e ganhador. Traçámos o nosso rumo e não mais olhámos para trás, à margem do que foi sendo dito ao nosso redor”, começou por dizer o presidente encarnado, atribuindo depois mérito a Roger Schmidt.

“Somos campeões à Benfica. Liderámos desde o início, fizemos mais golos, sofremos menos golos. Foi bem visível, desde o primeiro dia, o compromisso e a ambição que nos fizeram sonhar. Tenho de agradecer também à nossa equipa técnica, liderada pelo nosso Roger Schmidt, que desde o primeiro dia percebeu o que era o Benfica com a frase histórica ‘quem ama o futebol, ama o Benfica’. É a pessoa que considero ser o grande obreiro deste feito”, acrescentou.

Mais à frente, Rui Costa personalizou o plantel e sublinhou a importância do apoio dos adeptos. “Começámos a temporada com 39 jogadores e agradeço a todos por terem jogado à Benfica desde o início. A todo o staff: sem o enorme trabalho destes excelentes colaboradores também não teríamos chegado aqui. Obrigado por toda a dedicação e apoio à equipa. A todos, a nossa gratidão por terem engrandecido o clube. À massa associativa: este é o título da recuperação do nosso orgulho. É nos momentos difíceis que sentimos este poder, esta mística. Batemos recordes de assistência na Luz, um feito incrível que tanto nos orgulha. Todos juntos conseguimos um título pelo Benfica, não contra ninguém. Um título por nós, pelo Benfica. Lutamos contra uma crescente crispação que em nada valoriza a Liga, por isso vamos continuar a pugnar pela melhoria do futebol português”, atirou, antes de terminar com a dedicatória do título a Fernando Chalana, que morreu no passado mês de agosto.

“Termino com uma dedicatória especial a Fernando Chalana. O meu amigo, o meu ídolo, o ídolo de todos nós. Este título também é teu, este título também é para ti. Ao presidente da Câmara, fica desde já a promessa de que tudo faremos para voltar na próxima temporada. Viva o Benfica, viva o campeão nacional”, concluiu.

Toda a comitiva seguiu depois para a varanda da Câmara Municipal de Lisboa, onde ficou durante alguns minutos a saudar os adeptos entre a despedida final de Grimaldo, os pedidos para que Otamendi não saia do clube e os gritos por Rafa, que ia tentando passar despercebido escondido atrás dos colegas. Quer chorem ou gritem, eles já nos vos ouvem — só pensam em festejar o 38.